- Quero que vá para casa - dissera Acoca à esposa. - Vai haver problemas.
- E você?
- Vá logo, por favor, ficarei bem.
Os manifestantes estavam começando a escapar ao controle.
Com alívio, Ramón Acoca observara Susana afastar-se da multidão, a caminho de um convento na outra extremidade da praça.
E no momento em que ela chegava, a porta do convento se abrira de repente e bascos armados, escondidos no interior, saíram com as armas disparando. Acoca vira impotente a esposa cair sob uma saraivada de balas. Fora nesse dia que jurara vingança contra os bascos. A Igreja também fora responsável.
E agora ele estava em Ávila, diante de outro convento.
"Desta vez eles morrerão."
Dentro do convento, na escuridão antes, do amanhecer, irmã Teresa segurava a Disciplina com a mão direita e açoitava o próprio corpo com violência sentindo as pontas nodosas cortarem-na, enquanto recitava em silêncio o Miserere. Quase soltou um grito alto, mas o barulho não era permitido, e por isso ela reprimiu os gritos. "Perdoa-me, Jesus, por meus pecados. Sê testemunha que puni a mim mesma, como tu foste punido, e que me infligi ferimentos, como ferimentos te foram infligidos. Deixa-me sofrer, como tu sofreste."
Ela estava quase desmaiando de dor. Flagelou-se por mais três vezes e depois arriou, agoniada, sobre o catre. Não arrancara sangue. Isso era proibido. Estremecendo contra a agonia que cada movimento provocava, irmã Teresa guardou o açoite na caixa preta e largou-a num canto. Estava sempre ali, uma lembrança constante de que o menor pecado devia ser pago com a dor.
A transgressão de irmã Teresa ocorrera naquela manhã, quando virava uma esquina do corredor, olhos baixos, e esbarrara em irmã Graciela. Sobressaltada, fitava o rosto da irmã Graciela. Irmã Teresa imediatamente comunicara a infração, e a reverenda madre Betina franzira o rosto em desaprovação, fizera o sinal da Disciplina, deslocando a mão direita de ombro para ombro, três vezes, a mão fechada, como se empunhasse o açoite, o polegar sob o indicador.
Deitada em seu catre, irmã Teresa não conseguira tirar da cabeça o rosto de extraordinária beleza da jovem que contemplara.
Ela sabia que, enquanto vivesse, nunca se falariam e nunca mais tornaria a fitá-la, pois o menor indício de intimidade entre as freiras era punido com rigor. Num clima de rígida austeridade moral e física, não era permitido qualquer tipo de relacionamento. Se duas irmãs trabalhavam lado a lado e pareciam desfrutar da companhia silenciosa uma da outra, a reverenda madre logo as separava. As irmãs também não tinham permissão para sentar ao lado da mesma pessoa à mesa por duas vezes consecutivas. A Igreja delicadamente chamava a atração de uma freira por outra de "uma amizade particular", e a penalidade era rápida e severa. Irmã Teresa assumira a punição por violar a regra.
Agora o requinte do sino chegou aos ouvidos de irmã Teresa como se soasse muito longe. Era a voz de Deus, repreendendo-a.
Na cela ao lado o som do sino ressoou pelos corredores dos sonhos da irmã Graciela, misturando-se com os rangidos lúbricos das molas da cama. O mouro avançava em sua direção, nu, a virilidade intumecida, as mãos se estendendo para agarrá-la. Irmã Graciela abriu os olhos, instantaneamente desperta, o coração disparado num frenesim. Olhou à volta, apavorada, mas estava sozinha na pequena cela e ouvia-se apenas o repicar tranquilizador do sino.
Irmã Graciela ajoelhou-se ao lado da cama. "Jesus, agradeço por me livrar do passado. Agradeço pela alegria que sinto por estar aqui, à Sua luz. Deixe-me experimentar apenas a felicidade do Seu ser. Ajude-me, meu Amado, a ser sincera ao Seu chamado. Ajude-me a aliviar o pesar do Seu sagrado coração."
Ela levantou-se e arrumou a cama com cuidado, depois juntou-se à procissão de freiras que se encaminhavam em silêncio para as matinas na capela. Podia sentir o cheiro familiar de velas acesas e as pedras gastas sob os pés metidos em sandálias.
No início, assim que entrara para o convento, irmã Graciela não compreendera quando a reverenda madre lhe dissera que uma freira era uma mulher que renunciava a tudo, a fim de possuir tudo. Tinha 14 anos na ocasião. Agora, 17 anos depois, aquilo era evidente para ela. Na contemplação, possuía tudo, pois a contemplação era a mente respondendo à alma, as águas que corriam em silêncio. Seus dias eram preenchidos por uma paz maravilhosa.
"Obrigada por me deixar esquecer, Pai. Obrigada por ficar do meu lado. Eu não poderia enfrentar o terrível passado sem Ti. Obrigada… Obrigada… Obrigada…"
Quando as matinas acabaram, as freiras voltaram às suas celas para dormir até às laudes, o nascer do sol.
Lá fora, o coronel Ramón Acoca e seus homens avançaram rapidamente pela escuridão. Ao chegarem ao convento, o coronel disse:
- Jaime Miró e seus homens estarão armados. Não corram riscos. - Olhou para a fachada do convento, e por um instante viu outro convento, com guerrilheiros bascos saindo, e Susana tombando sob uma saraivada de balas. E acrescentou:
- Não se preocupem em capturar Miró vivo.
Irmã Megan foi despertada pelo silêncio. Era um silêncio diferente, comovente, um ímpeto apressado de ar, um sussurro de corpos. Havia sons que ela nunca ouvira antes, em seus 15 anos no convento. Foi subitamente invadida por uma premonição de que havia algo muito errado.
Levantou-se sem, fazer barulho na escuridão e abriu a porta de sua cela. Era inacreditável, mas o longo corredor de pedra estava cheio de homens. Um gigante com uma cicatriz no rosto saía da cela da reverenda madre, puxando-a pelo braço. Megan ficou chocada. "Estou tendo um pesadelo", pensou. "Estes homens não podem estar aqui".
- Onde o estão escondendo? - perguntou o coronel Acoca.
A reverenda madre Betina tinha uma expressão de horror atordoado.
- Psiu! Este é um templo de Deus. Está profanando-o. - Sua voz era trêmula. - Devem se retirar já.
O coronel apertou-lhe o braço com mais força e sacudiu-a.
- Quero Miró, irmã.
O pesadelo era real.
Outras portas de celas começaram a ser abertas e mais freiras apareceram, com expressões de total confusão. Nunca houvera coisa em sua experiência que as preparasse para aquele acontecimento extraordinário.
O coronel Acoca empurrou a reverenda madre para longe e virou-se para Patrício Arrieta, um dos seus ajudantes principais:
- Revistem tudo. De alto a baixo.
Os homens de Acoca começaram a se espalhar, invadindo a capela, o refeitório e as celas, acordando as freiras que ainda dormiam e forçando-as rudemente a se levantarem e seguirem pelos corredores até à capela. As freiras obedeciam sem dizer nada, mantendo mesmo nessa hora o voto de silêncio. Para Megan, a cena era como um filme sem som.
Os homens de Acoca estavam imbuídos de um senso de vingança.
Todos eram falangistas e lembravam muito bem que a Igreja se virara contra eles durante a Guerra Civil e apoiara os legalistas contra seu amado líder, o Generalíssimo Franco. Aquela era a oportunidade de uma desforra. A força e o silêncio das freiras deixavam os homens ainda mais furiosos.
Ao passar por uma das celas, Acoca ouviu um grito lá dentro. Olhou e viu um dos seus homens arrancando o hábito de uma freira. Ele seguiu em frente.
Irmã Lucia foi despertada por gritos de homens. Sentou-se em pânico. "A polícia me descobriu", foi seu primeiro pensamento. "Preciso sair daqui imediatamente." Mas não havia meio de sair do convento, a não ser pela porta da frente do convento.
Levantou-se apressada e espiou pelo corredor. A visão com que seus olhos defrontaram era espantosa. O corredor não estava cheio de guardas, mas sim de homens em trajes civis, armas em punho, destruindo lampiões e mesas. A confusão era total, enquanto eles corriam de um lado para outro.
A reverenda madre Betina estava parada no centro do caos rezando em silêncio, enquanto contemplava a profanação de seu amado convento. Irmã Megan foi para seu lado e Lucia se apressou em ir para junto das duas.