Mas esta era a mais simples de suas tarefas. Elas também tinham que transportar o equipamento automático que reviveria e criaria esses humanos em potencial, ensinando a cada um deles como sobreviver num ambiente desconhecido e provavelmente hostil. Teria sido inútil e cruel despejar crianças nuas e ignorantes em mundos tão inamistosos quanto o Saara ou a Antártida. Elas teriam que ser educadas, teriam que receber ferramentas e aprender a localizar e utilizar os recursos naturais. Depois que tivessem pousado e a nave semeadora se transformasse numa nave-mãe, ela teria que cuidar do produto de seu cultivo durante gerações.
E não apenas humanos tinham que ser transportados, mas uma biota completa. Plantas (embora ninguém soubesse se haveria solo para elas), animais de criação e uma variedade surpreendente de insetos e microorganismos essenciais no caso dos sistemas de produção de alimentos deteriorarem e se tornar necessária uma reversão das técnicas agrícolas básicas. Havia uma vantagem neste novo começo. Todas as doenças e parasitas que tinham afligido a humanidade desde o início do tempo seriam deixados para trás, para perecerem no fogo esterilizante da Nova Solis.
Bancos de dados, „sistemas autônomos” capazes de enfrentar qualquer situação concebível, robôs e mecanismos de reparos e apoio, tudo isso tinha que ser projetado e construído. E precisavam funcionar durante uma vida útil tão longa quanto o espaço de tempo que separava a Declaração da Independência Americana do primeiro pouso na Lua.
Embora a tarefa parecesse pouco possível, era tão inspiradora que a humanidade inteira se uniu para realizá-la. Aqui estava um objetivo de longo termo, o último objetivo de longo, prazo capaz de conferir algum significado à vida, mesmo depois que a Terra tivesse sido destruída.
A primeira nave semeadora deixou o Sistema Solar em 2553, dirigida para o sistema quase gêmeo do Sol, de Alfa Centauro A. Embora o clima do planeta Pasadena, do tamanho da Terra, fosse submetido a extremos violentos devido à proximidade de Centauro B, o próximo alvo provável encontrava-se no dobro da distância. O tempo de viagem para Sírius X seria de mais de quatrocentos anos e quando a semeadora chegasse ao seu destino a Terra poderia não existir mais.
Mas se Pasadena pudesse ser colonizada com sucesso, haveria tempo suficiente para enviar de volta as boas novas. Duzentos anos para a viagem, cinqüenta anos para garantir uma cabeça-de-ponte e construir um pequeno transmissor, e uns meros quatro anos para que o sinal chegasse à Terra. Com sorte a notícia seria apregoada nas ruas por volta do ano 2800.
De fato, aconteceu no ano 2786, e Pasadena era melhor do que o previsto. As notícias eram empolgantes, renovando o estímulo ao programa de semeadoras. Por volta dessa época, mais de vinte naves já tinham sido lançadas, cada uma com uma tecnologia mais avançada do que sua antecessora.
Os últimos modelos podiam alcançar um vigésimo da velocidade da luz, com mais de cinqüenta alvos dentro do seu raio de ação. E mesmo quando o radiofarol de Pasadena emudeceu, depois de transmitir apenas as notícias do pouso inicial, o desânimo foi apenas momentâneo. O que tinha sido feito uma vez podia ser feito de novo com uma certeza maior de sucesso.
Por volta de 2700 a tosca tecnologia dos embriões congelados foi abandonada. A mensagem genética que a Natureza codificava na estrutura espiral da molécula de DNA podia agora ser guardada de modo mais fácil, mais seguro, e até mesmo mais compacto, nas memórias dos computadores de última geração, de modo que um milhão de genótipos podiam ser transportados por uma nave semeadora não maior do que um avião de passageiros de mil lugares.
Assim, toda uma nação ainda por nascer e todo o equipamento necessário para montar uma nova civilização podiam ser colocados dentro de algumas centenas de metros cúbicos e transportados para as estrelas. Fora isso, Brant sabia com certeza, que acontecera em Thalassa há setecentos anos. Enquanto a estrada subia pelas colinas eles já tinham passado por algumas das cicatrizes deixadas no solo pelas primeiras escavadeiras-robôs, enquanto buscavam a matéria-prima da qual os ancestrais de Brant tinham sido criados. Num momento eles estariam vendo as fábricas processadoras há muito tempo abandonadas e…
— O que é aquilo? — sussurrou o conselheiro Simmons com ansiedade.
— Pare! — ordenou a prefeita. — Desligue o motor, Brant.
Ela estendeu a mão para alcançar o microfone do carro.
— Prefeita Waldron, estamos na marca dos sete quilômetros. Há uma luz à nossa frente, podemos vê-la através das árvores. Até onde posso calcular, está exatamente no Primeiro Pouso agora. Não podemos ouvir nada mas vamos prosseguir Brant não esperou pela ordem, empurrando o controle de velocidade suavemente para a frente. Era a segunda maior emoção de sua vida, depois do furacão do ano 09. Aquilo fora mais do que emocionante e ele teve sorte de escapar com vida. Talvez também houvesse perigo aqui, mas ele não acreditava realmente nisso. Robôs poderiam ser hostis? Certamente não havia nada que qualquer estrangeiro pudesse desejar de Thalassa, exceto conhecimento ou amizade.
— Você sabe — disse o conselheiro Simmons —, eu tive uma boa visão da coisa antes que sumisse atrás das árvores e tenho certeza de que era algum tipo de aeronave. Naves semeadoras nunca possuíram asas e aerodinâmica, é claro. E esta era uma muito pequena.
— O que quer que seja — disse Brant —, nós saberemos em cinco minutos. Olhe para aquela luz, aquilo desceu no Parque Terra, o lugar óbvio. Devemos parar o carro e andar o resto do caminho? O Parque Terra era um oval de grama, cuidadosamente preservado, no lado ocidental do Primeiro Pouso, encontrando-se agora oculto à visão direta do grupo pela coluna negra da nave-mãe, o monumento mais antigo e mais reverenciado do planeta. Derramando-se em torno das bordas do cilindro ainda não enferrujado havia um foco de luz, vindo, aparentemente, de uma única fonte de luz brilhante.
— Pare o carro antes de chegarmos à nave — ordenou a prefeita.
— Então daremos a volta e olharemos. Desliguem as luzes de modo que eles só nos vejam quando quisermos.
— Eles ou aquilo? — perguntou um dos passageiros, um pouco histericamente. Todos o ignoraram. O carro parou na sombra da nave e Brant o fez girar 180 graus.
— Só para podermos fazer uma saída rápida — explicou ele, entre sério e gozador. Ainda não acreditava que pudesse haver algum perigo real. De fato, havia momentos em que se perguntava se aquilo estava realmente acontecendo. Talvez ainda estivesse dormindo e tudo fosse apenas um sonho muito claro. Saíram silenciosamente do carro e caminharam até a nave, circundando-a até chegarem a um clarão de luz bem definido. Brant abrigou os olhos e olhou além da borda do casco, comprimindo as pálpebras ante o clarão. O conselheiro Simmons tinha razão. Era algum tipo de aeronave ou aeroespaçonave, e muito pequeno. Poderiam ser os Nortistas? Não, isso era absurdo. Não havia nenhuma utilidade concebível para um veículo assim na área limitada das Três Ilhas e teria sido impossível esconder sua construção. Tinha a forma de uma ponta de flecha rombuda e devia ter pousado verticalmente, já que não deixara marcas na grama à sua volta. A luz vinha de uma única fonte na carenagem dorsal aerodinâmica, e um pequeno farol vermelho acendia e apagava bem acima dela. De fato, tratava-se de uma máquina comum, o que era ao mesmo tempo tranqüilizador e decepcionante. Não teria sido possível viajar naquilo pelos doze anos-luz até a mais próxima das colônias conhecidas. Subitamente a luz principal se apagou, deixando o pequeno grupo de observadores momentaneamente cego. Quando recuperou sua visão noturna, Brant pôde ver que havia janelas na parte dianteira da máquina, todas brilhando fracamente com uma iluminação interior. Aquilo parecia quase um veículo tripulado, não a aeronave-robô que lhes parecera óbvia. A prefeita Waldron chegara exatamente à mesma conclusão espantosa.