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— Hora de prestarem contas ao lorde, garotas — anunciou ele com rudeza. — Vão vir andando ou vamos ter que arrastar vocês feito sacas de grãos? Vocês vão vir comigo de um jeito ou de outro, mas, com este calor, eu preferia não ter que carregar ninguém.

Dando uma espiadela por trás dele, Min viu outros dois homens aguardando, ambos grisalhos e, se não tão grandes, igualmente fortes.

— Vamos andando — respondeu Siuan, seca.

— Ótimo. Então venham. Me acompanhem. Lorde Gareth não vai gostar de ficar esperando.

Apesar da promessa de que iriam andando, cada um dos homens tomou uma das garotas pelo braço com firmeza, e todos começaram a percorrer a poeirenta rua de terra. A mão do homem quase careca circundou o braço de Min feito uma algema. Forte demais para eu pensar em sair correndo, concluiu ela com amargura. A garota até considerou chutá-lo na canela para ver se isso o fazia afrouxar o aperto, mas o homem parecia tão sólido que ela suspeitou que a ideia só lhe renderia um dedão machucado e ser arrastada pelo resto do caminho.

Leane aparentava estar perdida em pensamentos. A mulher fazia gestos incompletos com a mão livre enquanto movia os lábios em silêncio, como se estivesse repassando o que pretendia dizer, mas toda hora balançava a cabeça e reiniciava o processo. Siuan também estava introspectiva, mas tinha uma expressão preocupada bem nítida, mordendo o lábio. Ela nunca demonstrava tanta falta de tranquilidade. Em resumo, as duas não colaboravam em nada para a confiança de Min.

O salão com teto em madeira trançada d’A Justiça da Boa Rainha colaborava ainda menos. Com cabelos compridos e finos e um machucado amarelado em torno do olho inchado, Admer Nen estava de pé a um lado, acompanhado de meia dúzia de irmãos e primos igualmente corpulentos, além de suas esposas, todos vestidos com os melhores casacos ou aventais. Os fazendeiros encaravam as três prisioneiras com um misto de raiva e satisfação que revirou o estômago de Min. Talvez os olhares das esposas fossem ainda piores, de puro ódio. As demais paredes estavam tomadas por seis fileiras de aldeões, todos paramentados para o trabalho que haviam interrompido para estar ali. O ferreiro ainda trajava o avental de couro, e várias mulheres tinham as mangas puxadas e os braços polvilhados de farinha. O local fervilhava com os murmúrios coletivos, tanto dos mais velhos quanto das poucas crianças, e os olhos de todos estavam tão avidamente concentrados nas três mulheres quanto os olhos da família Nen. Min imaginou que aquela devia ser a maior agitação que Fontes de Kore já testemunhara. Ela já havia visto uma multidão com aquele estado de espírito: em uma execução.

As mesas tinham sido removidas, exceto por uma única, que fora colocada à frente da comprida lareira de tijolinhos. Um homem troncudo, de rosto franco e espessos cabelos grisalhos estava sentado diante dos presentes. Ele usava um casaco de seda verde-escuro elegante e repousava as mãos entrelaçadas à frente do corpo, sobre a mesa. Uma mulher esguia, que aparentava ter a mesma idade, estava de pé ao lado e trajava um bonito vestido de lã cinza bordado com flores brancas em torno do pescoço. Era o lorde local, Min supunha, e sua esposa: a nobreza do interior, só um pouco mais bem informada sobre o mundo do que seus arrendatários e agricultores.

Os guardas posicionaram as três diante da mesa do lorde e se misturaram ao público. A mulher de cinza deu um passo à frente, cessando o burburinho.

— Que todos os aqui presentes acompanhem e ouçam bem — anunciou ela —, pois hoje a justiça será feita por Lorde Gareth Bryne. Prisioneiras, vocês foram convocadas para o julgamento de Lorde Bryne.

Então não se tratava da esposa do lorde, e sim de algum tipo de funcionária. Gareth Bryne? Até onde Min sabia, ele era Capitão-General da Guarda da Rainha, em Caemlyn. Isso se fosse o mesmo homem. Ela olhou para Siuan, mas a mulher tinha os olhos fixos nas tábuas do assoalho. Quem quer que fosse, Bryne aparentava estar cansado.

— Vocês são acusadas — prosseguiu a mulher de cinza — de invasão noturna, incêndio criminoso, destruição de uma construção e todo o seu conteúdo, matança de uma valiosa criação de gado, ataque à pessoa de Admer Nen e roubo de uma bolsa que, supostamente, continha ouro e prata. Sabe-se que o ataque e o roubo foram obra de seu acompanhante, que escapou, mas vocês três, aos olhos da lei, são igualmente imputáveis.

Quando a mulher fez uma pausa para que tudo aquilo fosse devidamente assimilado, Min trocou olhares pesarosos com Leane. Claro que Logain tinha que ter piorado a situação com aquele roubo. Àquela altura, já devia estar na metade do caminho para Murandy, se não mais longe.

Após alguns instantes, a mulher recomeçou:

— Seus acusadores estão aqui para confrontá-las. — Ela gesticulou para a família Nen. — Admer Nen, você dará seu testemunho.

Em um misto de prepotência e timidez, o homem corpulento foi calmamente até a frente, alisando o casaco sobre a barriga, onde os botões de madeira esticavam o tecido, e passando as mãos nos cabelos ralos que viviam caindo no rosto.

— Como eu disse, Lorde Gareth, foi assim…

O fazendeiro fez um relato bastante franco sobre como os descobrira no estábulo e ordenara sua saída, ainda que tenha dito que Logain era um pouco mais alto do que de fato era, e tenha transformado o único soco desferido em uma luta na qual o fazendeiro o encarara de igual para igual. A lamparina caíra, o feno fora pelos ares, e o restante da família saíra correndo de dentro de casa enquanto o dia ainda nascia. Os prisioneiros tinham sido capturados, e o estábulo, destruído pelo fogo, e só então descobriu-se que a bolsa desaparecera da casa. Ele ignorou a parte da história em que um empregado de Lorde Bryne passou por lá no momento em que alguns integrantes da família traziam cordas e procuravam galhos de árvores.

Quando voltou a tocar no assunto da “luta”, que, desta vez, parecia estar ganhando, Bryne o interrompeu:

— Já chega, Mestre Nen. Pode voltar para o seu lugar.

Em vez disso, uma das mulheres da família Nen, de rosto redondo e com idade para ser esposa de Admer, se juntou a ele. Um rosto redondo feito uma frigideira ou uma pedra de rio, mas que não tinha nada de delicado. E ruborizado por algo mais que raiva.

— Chicoteie bem essas adúlteras, ouviu, Lorde Gareth? Chicoteie bem e arraste todas elas daqui até Jornhill!

— Ninguém lhe passou a palavra, Maigan — advertiu a esguia mulher de cinza. — Isto é um julgamento, não uma reunião peticionária. Você e Admer, um passo atrás. Já. — Os dois obedeceram, Admer com um pouco mais de boa vontade que Maigan. A mulher de cinza virou-se para Min e suas companheiras. — Se desejarem dar seu testemunho em defesa ou mitigação, podem fazer isso agora. — Não havia compaixão nem sentimento algum em sua voz.

Min esperava que Siuan falasse — a antiga Amyrlin sempre assumia a liderança e tomava a palavra —, mas, desta vez, a mulher sequer se moveu ou ergueu os olhos. Foi Leane quem caminhou até a mesa com os olhos fixos no homem ali sentado.

Apesar de continuar absolutamente ereta, seu caminhar habitual — um trote gracioso, mas um trote — se tornara um deslizar, com apenas o vestígio de um balanço delicado. De alguma forma, os quadris e os seios saltaram mais aos olhos. Não que ela quisesse ostentá-los. Era o jeito como se movia que atraía a atenção.

— Milorde, somos três mulheres indefesas, refugiadas das tempestades que varrem o mundo. — O tom de voz habitualmente enérgico desaparecera, dando lugar a uma carícia suave e aveludada. Havia luz em seus olhos escuros, uma espécie de desafio ardente. — Perdidas e sem nenhum tostão, nos abrigamos no estábulo de Mestre Nen. Erramos, eu sei, mas estávamos com medo da noite. — Com um pequeno gesto, mãos parcialmente erguidas e pulsos voltados para Bryne, Leane, por um momento, aparentou estar absolutamente indefesa. Mas só por um momento. — O homem, Dalyn, era de fato um estranho para nós, alguém que nos ofereceu sua proteção. Nos dias de hoje, mulheres desacompanhadas precisam de um protetor, milorde, mas temo que nossa escolha tenha sido infeliz. — Ela arregalou os olhos e fez uma expressão de súplica que insinuava que talvez o lorde pudesse ser um protetor bem melhor. — Na verdade, foi ele quem atacou Mestre Nen, milorde. Nós teríamos fugido ou trabalhado para compensar a noite de hospedagem. — Caminhando até a lateral da mesa, ela se ajoelhou graciosamente ao lado da cadeira de Bryne. Com delicadeza, Leane pousou os dedos de uma das mãos no punho do Lorde, olhando-o nos olhos. Sua voz tremia um pouco, mas seu sorriso tímido era o bastante para acelerar o coração de qualquer homem. Era… sugestivo. — Milorde, somos culpadas de um crime menor, e não do quanto estamos sendo acusadas. Sujeitamo-nos à sua misericórdia. Eu lhe imploro, milorde, que tenha piedade de nós e nos proteja.