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Sendo assim, por que não era o rosto dela que não parava de lhe vir à mente? Por que se via pensando em um par de olhos azuis? Ela o desafiara como se desejasse ter uma espada e, mesmo amedrontada, recusara-se a sucumbir ao medo. Mara Tomanes. O Lorde tivera certeza de que ela era do tipo que honraria a palavra, mesmo sem fazer juramentos.

— Vou trazê-la de volta — murmurou para si mesmo. — Vou descobrir por que ela quebrou o juramento.

— Como quiser, milorde — anuiu Caralin. — Pensei que ela daria uma boa camareira para o seu quarto. Sella está ficando um pouco velha para subir e descer as escadas para atendê-lo durante a noite.

Bryne piscou para ela. O quê? Ah, a garota domanesa. A tolice de Caralin o fez balançar a cabeça. Mas será que era menos tolo do que ela? Bryne era o lorde local e deveria permanecer ali para cuidar de seu povo. No entanto, Caralin fizera isso melhor do que ele durante todos os anos que passara fora. O Lorde entendia de campos, soldados e campanhas, e talvez soubesse um pouco sobre como se virar entre as intrigas da corte. A mulher estava certa. Ele deveria esquecer a espada e aquele chapéu idiota e deixar Caralin escrever as descrições das garotas e…

Em vez disso, Bryne disse:

— Tome cuidado com Admer Nen e sua família. Eles vão tentar enganar você o máximo que puderem.

— Como quiser, milorde. — As palavras dela foram impecavelmente respeitosas, mas o tom de voz dizia a ele para ir ensinar o avô a tosquiar ovelhas. Rindo sozinho, o homem saiu.

A sede da propriedade era pouco mais que uma casa de fazenda maior que o normal, com dois andares de tijolo e pedras sob um telhado de ardósia, e fora ampliada inúmeras vezes por várias gerações de Bryne. A Casa Bryne era proprietária daquelas terras — ou as terras eram donas dos Bryne — desde que Andor fora forjada a partir dos destroços do império de Artur Asa-de-gavião, mil anos antes. E, desde então, os Bryne haviam enviado seus filhos para lutar nas guerras andorianas. Ele não lutaria nenhuma outra guerra, mas era tarde demais para a Casa Bryne. Houvera guerras demais, batalhas demais, e ele era o último da linhagem. Nenhuma esposa, filho ou filha. A linhagem se encerrava nele. Tudo chegava ao fim; a Roda do Tempo girava.

No pátio pavimentado com pedras bem à frente da sede da propriedade, vinte homens aguardavam ao lado de cavalos encilhados. Em sua maioria, homens mais grisalhos que Bryne, isso quando ainda tinham cabelos. Todos soldados experientes, antigos integrantes e líderes de esquadrões, além de porta-estandartes que haviam servido ao lado dele em um momento ou outro da carreira. Joni Shagrin, que fora Porta-Estandarte Sênior das Guardas, estava logo à frente com uma bandagem na cabeça, embora Bryne soubesse que as filhas dele haviam enviado os próprios filhos para substituí-lo com a intenção de mantê-lo em repouso. Joni era um dos poucos que tinha família, ali ou em qualquer outro local. A maioria escolhera vir e voltar a servir Gareth Bryne, em vez de gastar todo o dinheiro das pensões bebendo e contando histórias que só outro velho soldado gostaria de ouvir.

Todos carregavam espadas presas aos cinturões dos casacos, e alguns haviam se armado de compridas lanças com ponta de aço que, até aquela manhã, tinham passado muitos anos penduradas na parede. Todas as selas estavam equipadas com um cobertor enrolado, além de gordos alforjes, uma panela ou chaleira e bolsas cheias d’água. Parecia que o grupo estava partindo rumo a uma campanha, e não para uma viagem de uma semana em busca das três mulheres que haviam ateado fogo a um estábulo. Uma chance de reviver os velhos tempos, ou ao menos de fazer de conta.

Bryne se perguntou se era aquilo que o estava motivando. Ele certamente era velho demais para sair em cavalgada atrás dos lindos olhos de uma garota que tinha idade para ser sua filha. Talvez neta. Não sou tão tolo assim, disse a si mesmo, com firmeza. Caralin administraria melhor as coisas sem ele se intrometendo.

Um esguio baio castrado veio galopando em meio aos carvalhos que ladeavam o caminho para a estrada, e o cavaleiro que o conduzia saltou da sela antes de o animal parar totalmente. O homem se desequilibrou um pouco, mas ainda conseguiu pôr o punho sobre o coração, fazendo a devida saudação a Bryne. Barim Halle, que servira o Lorde anos antes como integrante sênior de esquadrão, era rijo e forte, e sua cabeça mais lembrava um ovo, com sobrancelhas brancas que pareciam querer compensar a ausência de cabelo.

— O senhor foi chamado a Caemlyn outra vez, meu Capitão-General? — perguntou ele, ofegante.

— Não — respondeu Bryne, exageradamente incisivo. — Onde você estava com a cabeça ao vir cavalgando até aqui como se tivesse toda a cavalaria cairhiena na cola? — Alguns dos outros cavalos estavam se agitando, contagiados pelo estado de espírito do castrado.

— Não ia cavalgar rápido assim, milorde, a não ser que nós estivéssemos perseguindo eles. — O sorriso de Barim desapareceu quando o homem viu que Bryne não estava achando graça. — Bem, Lorde Bryne, eu vi os cavalos e achei que… — Ele voltou a olhar para Bryne e interrompeu o raciocínio. — Na verdade, bem, também escutei umas histórias… Fui até Nova Braem para ver minha irmã e ouvi cada coisa…

Nova Braem era mais velha que Andor — a “velha” Braem fora destruída nas Guerras dos Trollocs, mil anos antes de Artur Asa-de-gavião — e era um bom lugar para ouvir histórias. De tamanho mediano, era uma cidade de fronteira bem a leste das terras de Bryne, na estrada entre Caemlyn e Tar Valon. Mesmo com o comportamento atual de Morgase, os mercadores mantinham a estrada movimentada.

— Bem, então desembuche, homem. Se há notícias, quais são?

— Hum, estou tentando ver por onde começo, milorde. — Inconscientemente, Barim endireitou-se, como se fosse passar a ele um relatório. — O mais importante, acho, é que estão dizendo que Tear caiu. Os Aiel conquistaram a Pedra, e a Espada Que Não Pode Ser Tocada foi tocada, sim. Dizem que alguém empunhou a espada.

— Um Aiel a empunhou? — questionou Bryne, incrédulo.

Um Aiel preferiria morrer a tocar uma espada. Ele vira isso acontecer na Guerra dos Aiel. Apesar de dizerem que Callandor não era, de fato, uma espada. Fosse lá o que isso significasse.

— Não disseram, milorde. Escutei alguns nomes. Um tal de Ren alguma coisa. Mas falavam como se fosse verdade, não boato. Como se todo mundo soubesse.

Bryne franziu a testa. Caso fosse verdade, era um problema dos mais sérios. Se Callandor tivesse sido empunhada, então o Dragão havia Renascido. De acordo com as Profecias, aquilo indicava que a Última Batalha se aproximava, que o Tenebroso estava se libertando. O Dragão Renascido salvaria o mundo, afirmavam as Profecias. E o destruiria. Essa, por si só, era uma notícia capaz de fazer Halle sair galopando, se ele parasse para pensar a respeito.

Porém, o sujeito com cabeça de ovo ainda não terminara.

— As novas de Tar Valon são quase tão importantes, milorde. Dizem que o Trono de Amyrlin tem uma nova dona. É Elaida, milorde, a antiga conselheira da Rainha. — Halle apressou-se em seguir com o assunto. Morgase era um terreno proibido, e todos os homens ali sabiam disso, mesmo que Bryne nunca tivesse dito. — Dizem que a antiga Amyrlin, Siuan Sanche, foi estancada e executada. E Logain também morreu. Aquele Dragão falso que elas pegaram e amansaram no ano passado. Falaram como se fosse verdade, milorde. Tinha gente dizendo que estava em Tar Valon quando tudo aconteceu.

Logain não era muito importante, mesmo que tivesse desencadeado uma guerra em Ghealdan por afirmar que era o Dragão Renascido. Houvera vários falsos Dragões nos últimos anos. Ele, porém, era capaz de canalizar, isso era fato. Até as Aes Sedai o amansarem. Bom, ele não fora o primeiro homem a ser capturado e amansado, apartado do Poder de modo a nunca mais conseguir canalizar. Diziam que homens assim não viviam muito tempo, fossem eles falsos Dragões ou meros pobres-coitados que caíram nas mãos da Ajah Vermelha. Dizia-se que eles perdiam toda vontade de viver.