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— Pensei que não passasse do mais absurdo dos boatos — refletiu Morgase. — Muitos rumores têm surgido neste último ano, mas faz duas décadas que eles não saem do Deserto, desde a Guerra dos Aiel. O mundo certamente não precisa desse Rand al’Thor trazendo os Aiel de volta. — O olhar da Rainha voltou a se aguçar. — Você disse “seguiam”. Eles foram embora?

Alteima assentiu.

— Pouco antes de eu deixar Tear. E al’Thor foi com eles.

— Com eles! — exclamou Morgase. — Eu temia que ele já estivesse em Cairhien neste exato…

— Recebendo visita, Morgase? Eu deveria ter sido informado. Assim, poderia cumprimentá-la.

Um homem grande e alto adentrou a sala, seu manto vermelho com bordados em ouro cobrindo os ombros enormes e o peito avantajado. Alteima não precisou ver o olhar radiante no rosto de Morgase para saber que se tratava de Lorde Gaebril. A segurança com que o sujeito interrompera a Rainha já dizia tudo. Ele ergueu um dedo, e a serviçal fez uma reverência e se retirou rapidamente. O homem também não pedia permissão a Morgase para dispensar suas próprias serviçais. Era dono de uma beleza incrível, sombria, e rajadas de branco lhe cobriam as têmporas.

Fazendo uma expressão de descaso, Alteima providenciou um sorriso que não chegava a ser acolhedor, mais adequado a um tio idoso que não possuísse nem poder, nem riqueza, nem influência. Aquele homem podia até ser bem bonito, mas, mesmo que não pertencesse a Morgase, não era do tipo que ela tentaria manipular, a menos que por absoluta necessidade. A aura de poder em torno dele talvez fosse maior até que a da Rainha.

Gaebril se pôs ao lado de Morgase e, com toda a naturalidade, pousou a mão no ombro nu da mulher. A Rainha chegou muito perto de repousar a bochecha no dorso da mão dele, mas os olhos do homem estavam fixos em Alteima. A lady estava acostumada a ter homens encarando-a, mas aqueles olhos a deixavam nervosa. Eram penetrantes demais, viam coisas demais.

— Você vem de Tear? — O som profundo da voz do homem lhe causou formigamentos por todo o corpo. A sensação em sua pele, e até nos ossos, era a de que havia sido mergulhada em água gelada, mas, estranhamente, sua ansiedade momentânea se derreteu.

Quem respondeu foi Morgase. Alteima parecia não conseguir encontrar a própria língua com aquele homem a encarando.

— Esta é a Grã-lady Alteima, Gaebril. Ela estava me contando sobre o Dragão Renascido. Alteima estava presente quando a Pedra de Tear foi tomada. Gaebril, realmente havia Aiel… — A pressão da mão dele interrompeu o raciocínio da Rainha. A irritação cintilou no rosto da mulher, mas logo foi substituída por um sorriso caloroso para o amante.

Os olhos de Gaebril, ainda em Alteima, voltaram a lhe provocar arrepios. Desta vez, ela arfou ruidosamente.

— Conversar tanto deve ter lhe fatigado, Morgase — comentou o recém-chegado, sem desviar o olhar. — Você anda muito ocupada. Vá para seu quarto e durma. Agora. Vou acordá-la quando você tiver descansado o bastante.

Morgase levantou-se na mesma hora, ainda sorrindo para Gaebril em devoção. Seus olhos pareciam levemente vidrados.

— É, estou cansada. Vou tirar um cochilo, Gaebril.

A Rainha deslizou para fora da sala, sem jamais dirigir o olhar a Alteima, cuja atenção estava toda em Gaebril. Seu coração batia mais rápido, a respiração acelerara. Aquele era, sem dúvida, o homem mais bonito que ela já tinha visto. O maior, mais forte, mais poderoso… Os superlativos lhe inundavam os pensamentos feito uma enchente.

A atenção que Gaebril prestou para a saída de Morgase foi menor que a de Alteima. Sentando-se na cadeira que a Rainha desocupara, ele se recostou com as botas à frente.

— Me diga por que veio a Caemlyn, Alteima. — Uma vez mais, um arrepio lhe percorreu o corpo. — Quero a verdade absoluta, mas seja breve. Depois você pode me dar mais detalhes, caso eu lhe peça.

Ela não hesitou.

— Tentei envenenar meu marido e tive que fugir antes que Tedosian e Estanda, aquela meretriz, pudessem me matar, ou pior. A intenção de Rand al’Thor era deixar eles fazerem isso, para servir de exemplo. — Contar aquilo a fez se encolher. Não por ser uma verdade que quisesse esconder, e sim porque Alteima percebeu que, mais que tudo no mundo, desejava agradá-lo, e temia que Gaebril pudesse mandá-la embora. E ele havia pedido a verdade. — Escolhi Caemlyn porque não suportaria Illian, e apesar de Andor estar pouco melhor, Cairhien está praticamente em ruínas. Em Caemlyn, posso encontrar um marido rico, ou que queira me proteger, caso haja necessidade, e use seu poder para…

Dando uma risada, Gaebril a interrompeu com um aceno.

— Uma gatinha perversa, embora bonita. Talvez bonita o suficiente para que eu fique com ela, mas com dentes e garras a postos. — De repente, seu rosto ficou mais resoluto. — Me conte o que sabe a respeito de Rand al’Thor, especialmente dos amigos dele, se é que existem, e também sobre os companheiros e aliados.

Ela contou tudo, falando até a boca e a garganta secarem e a voz começar a falhar e ficar rouca. Alteima só levava o cálice à boca quando Gaebril a mandava beber. Então, engolia o vinho e continuava a falar. Ela o agradaria. E mais do que Morgase poderia imaginar.

As criadas que trabalhavam nos aposentos de Morgase fizeram reverências apressadas, surpresas por vê-la ali no meio da manhã. Acenando para que saíssem do recinto, a Rainha deitou-se na cama, ainda de vestido. Por um tempo, ficou deitada observando os entalhes dourados nas colunas do dossel. Nada de Leões de Andor ali, e sim rosas. Era por conta da Coroa de Rosas de Andor, mas rosas de fato combinavam mais com ela do que leões.

Pare de ser teimosa, repreendeu-se a Rainha, depois se perguntou por quê. Dissera a Gaebril que estava cansada e… Ou ele dissera a ela? Impossível. Ela era a Rainha de Andor, e homem nenhum a mandava fazer o que fosse. Gareth. E por que pensara em Gareth Bryne? Ele certamente nunca a mandara fazer nada. O Capitão-General da Guarda da Rainha obedecia à Rainha, e não o contrário. Mas ele era teimoso, capaz de defender sua opinião até Morgase passar a concordar com ele. Por que estou pensando nele? Gostaria que Gareth estivesse aqui. Aquilo era ridículo. Morgase o dispensara porque ele se opusera a ela. Sobre qual assunto já não se lembrava bem, mas isso não era importante. Ele se opusera a ela. Morgase só conseguia se lembrar vagamente dos sentimentos que nutria por ele, como se Bryne tivesse partido há anos. Mas não fazia tanto tempo assim, certo? Pare de ser teimosa!

Os olhos da Rainha se fecharam, e ela imediatamente caiu no sono, um sono perturbado por sonhos agitados, em que fugia de algo que não conseguia ver.

2

Rhuidean

Do alto da cidade de Rhuidean, Rand al’Thor observava a paisagem através de uma enorme janela. Qualquer tela de vidro que um dia pudesse ter feito parte dela já não estava ali havia muito. As sombras lá embaixo curvavam-se para o leste em um ângulo agudo. Na sala atrás de Rand ouvia-se o som suave de uma harpa-barda. O suor evaporava de seu rosto quase tão rápido quanto brotava. O casaco de seda vermelha, úmido entre os ombros, pendia aberto em uma busca infrutífera por ar, e a camisa estava desamarrada até a metade do peito. A noite do Deserto Aiel trazia um frio congelante, mas, à luz do dia, nem as brisas eram frescas.

Com as mãos apoiadas acima da cabeça, no batente de pedra polida da janela, as mangas do casaco caídas revelavam a parte frontal da figura que circundava cada antebraço: uma criatura serpentiforme de crina dourada e olhos feito o sol, com escamas escarlates e douradas e cinco garras também douradas ponteando cada uma das patas. Eram parte da pele de Rand, não tatuagens, e brilhavam como metais preciosos e gemas lapidadas, parecendo quase vivas à luz do fim de tarde.