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Nicola tinha mais ou menos sua idade e altura; era uma tecelã esbelta de cabelo escuro, olhos grandes e que pretendia se casar. Até que seu Hyran metera na cabeça que o dever de seguir o Profeta, seguir o Dragão Renascido, o chamava. Casaria-se com ela assim que cumprisse seu dever. O dever era algo muito importante para Hyran. Ele teria sido um marido e um pai bom e correto, dizia Nicola. Só que a ideia na cabeça dele não adiantou muito quando alguém a partiu ao meio com um machado. Nicola não sabia quem nem por quê, só que precisava ficar o mais longe possível do Profeta. Em algum lugar por aí tinha que existir um local onde não havia matanças, onde não estaria sempre com medo do que poderia haver na próxima esquina.

Marigan, alguns anos mais velha, já fora rechonchuda, mas o vestido marrom puído estava folgado, e seu rosto embotado parecia exausto. Os dois filhos, de seis e sete anos, encaravam o mundo em silêncio com olhos enormes. Agarrados um ao outro, davam a impressão de estar apavorados com tudo e com todos, até com a própria mãe. Marigan trabalhara com curas e ervas em Samara, apesar de ter ideias esquisitas sobre ambas as coisas. Não era de se surpreender, na verdade. Uma mulher que oferecia Curas com Amadícia e Mantos-brancos logo do outro lado do rio precisava ser discreta, e, desde o princípio, ela tivera que aprender tudo sozinha. Tudo o que Marigan sempre quis fazer foi Curar doenças, e afirmava tê-lo feito bem, embora não tivesse sido capaz de salvar o marido. Os cinco anos desde a morte dele haviam sido difíceis, e a chegada do Profeta decerto não a ajudara nem um pouco. Quadrilhas que caçavam Aes Sedai obrigaram-na a se esconder depois que ela Curara a febre de um homem e os boatos começaram a dizer que ela o ressuscitara. Isso dava a mostra de quão pouco a maioria das pessoas sabia a respeito das Aes Sedai, já que morte estava além do poder de Cura. Até Marigan parecia pensar o oposto. Assim como Nicola, a mulher não sabia para onde estava indo. Uma aldeia em algum lugar, ela esperava, onde pudesse voltar a administrar suas ervas em paz.

Areina era a mais jovem das três, dona de olhos azuis confiantes em um rosto com machucados roxos e amarelos que claramente não vinha de Ghealdan. Suas roupas, ao menos, deixavam isso bem claro: um casaco curto escuro e calças volumosas não muito diferentes das de Birgitte. Eram tudo o que ela possuía. Ela não contava exatamente de onde era, mas estava aberta a falar sobre os caminhos que a tinham levado ao Serpente do Rio. Pelo menos em parte. Nynaeve precisou deduzir alguns pontos. Areina tinha ido a Illian com a intenção de trazer o irmão mais novo para casa antes que ele fizesse o juramento para se tornar um Caçador da Trombeta. Com milhares de pessoas na cidade, entretanto, ela não chegara a encontrá-lo, mas, de alguma forma, acabou ela mesma fazendo o juramento, tomando a decisão de sair para ver o mundo mesmo sem acreditar que a Trombeta de Valere de fato existia, em parte na esperança de que, em algum lugar, encontraria o jovem Gwil e o levaria de volta para casa. As coisas tinham ficado… difíceis… desde então. Areina não relutava muito em conversar, mas fazia um enorme esforço para melhorar as situações… A mulher fora expulsa de diversas aldeias, roubada em uma ocasião e agredida em várias outras. Ainda assim, não tinha a intenção de desistir, de procurar refúgio ou uma aldeia pacífica. O mundo ainda existia, e Areina pretendia encará-lo de frente. Não que ela colocasse as coisas dessa maneira, mas Nynaeve sabia que era isso que ela queria dizer.

Nynaeve também sabia muito bem por que aquelas três foram as que mais a emocionaram: cada uma das histórias poderia ser o reflexo de um fio da própria vida. O que ela não entendia direito era por que gostava mais de Areina. Analisando uma coisa e outra, Nynaeve achava que quase todos os problemas da mulher advinham da língua solta; ela dizia às pessoas exatamente o que pensava. Não podia ser coincidência ela ter sido expulsa de uma aldeia tão rápido que tivera de deixar o cavalo para trás, logo depois de ter chamado o prefeito de maluco com cara de idiota e dito para algumas aldeãs que faxineiras esqueléticas não tinham o direito de questionar por que ela estava viajando sozinha. E isso era só o que ela admitia ter dito. Nynaeve achava que passar alguns dias tendo-a como exemplo seria ótimo para Areina aprender a se controlar. E tinha de haver alguma coisa que pudesse fazer pelas outras duas também. Nynaeve entendia muito bem aqueles que desejavam paz e segurança.

Na manhã do segundo dia, enquanto os temperamentos ainda estavam mansos e as línguas — algumas! — ainda estavam ásperas, houve uma conversa estranha. Nynaeve fez um comentário bastante ameno sobre Elayne não estar no palácio da mãe e não pensar que Nynaeve dormiria todas as noites espremida contra a parede. Elayne empinou o queixo, mas, antes que pudesse abrir a boca, Birgitte se intrometeu:

— Você é a Filha-herdeira de Andor? — Ela mal olhou para os lados para se certificar de que não havia ninguém perto o bastante para ouvir.

— Sou. — Elayne soou mais respeitável do que Nynaeve se recordava de ter ouvido em um bom tempo, mas havia um quê de… satisfação?

Com o rosto completamente inexpressivo, Birgitte apenas se afastou e subiu até a proa, onde se sentou em um rolo de corda e ficou olhando o rio à frente. Elayne franziu a testa e, por fim, foi se sentar ao lado. As duas ficaram conversando tranquilamente por um bom tempo. Nynaeve não teria se juntado a elas nem que tivessem lhe pedido! Fosse qual fosse a discussão, Elayne pareceu um pouco chateada, como se tivesse esperado um resultado diferente, mas, depois daquilo, as duas nunca mais se trataram com grosseria.

Naquele mesmo dia, mais tarde, Birgitte retomou seu nome verdadeiro, embora tenha sido em um último arroubo de mau humor. Com Moghedien seguramente para trás, ela e Elayne lavaram o cabelo e tiraram a cor preta com folha-saco, e Neres, ao ver uma com cachos acobreados na altura do ombro e a outra com o cabelo dourado em uma intricada trança e portando um arco e uma aljava, soltou um resmungo ácido sobre “Birgitte, diretamente daquelas histórias idiotas”. Para azar dele, ela escutou. Aquele era o nome dela, disse-lhe Birgitte, em tom áspero, e, se ele não gostasse, ela o flecharia pelas orelhas no mastro que ele escolhesse. Vendada. O homem saiu andando às pressas com o rosto enrubescido e gritando para que seus homens apertassem cordas que, se fossem mais apertadas, acabariam arrebentando.

Àquela altura, Nynaeve não teria se importado se Birgitte de fato cumprisse a ameaça. A folha-saco podia até ter deixado um leve aspecto avermelhado em seu cabelo, mas estava perto o bastante da cor natural para deixá-la quase gritando de alegria. A menos que todos a bordo fossem acometidos de gengivite e dor de dente, ainda tinha folha-saco sobrando. E funcho-vermelho suficiente para manter seu estômago quieto. Nynaeve não conteve um suspiro de satisfação quando seu cabelo secou e foi adequadamente trançado de novo.

Claro que, com Elayne canalizando bons ventos e Neres navegando dia e noite, as fazendas e aldeias com seus telhados de palha passavam rápido pelas margens; pessoas acenavam durante o dia e viam janelas acesas à noite, sem sinal dos tumultos rio acima. Mesmo larga como era aquela embarcação de péssimo nome, seu desempenho navegando pelo rio era bom.

Neres parecia dividido entre o prazer de sua sorte com ventos tão bons e a preocupação por se deslocar à luz do dia. Mais de uma vez, olhou saudoso para um fim-de-mundo qualquer, um regato coberto de árvores ou um lago que avançava bem para dentro da margem, onde o Serpente do Rio poderia ser ancorado e escondido. Vez ou outra, posicionada de modo que ele pudesse ouvir, Nynaeve fazia observações sobre como o homem devia estar feliz porque as pessoas de Samara em pouco tempo não estariam mais em seu navio, acrescentando um ou outro comentário a respeito de como essa ou aquela mulher estava ótima depois de descansar ou sobre quão cheios de vida eram seus filhos. Foi o bastante para lhe tirar imediatamente da cabeça qualquer ideia de fazer uma parada. Teria sido mais fácil ameaçá-lo com os shienaranos ou com Thom e Juilin, mas aqueles sujeitos já estavam ficando convencidos demais. E Nynaeve com certeza não pretendia discutir com um homem que não a olhava nem falava com ela.