Criar formas ou flores fantásticas só de pensar nelas era bem mais divertido. O esforço envolvido parecia estar relacionado tanto ao tamanho do objeto quanto com se ele poderia de fato existir. Árvores cobertas de flores vermelhas, douradas e púrpuras em formatos malucos eram mais difíceis de se fazer do que um espelho para examinar as modificações do vestido. Um reluzente palácio de cristal brotando do chão era ainda mais difícil, e, ainda que parecesse sólido ao toque, transformava-se sempre que a imagem dentro da mente vacilava, e acabava desaparecendo assim que a imagem sumisse. Chegaram a um acordo silencioso sobre deixar animais de lado, depois que um ser bem peculiar — parecido com um cavalo, mas com um chifre no focinho! — perseguiu-as até o alto de uma colina antes que as duas conseguissem fazê-lo desaparecer. Aquilo chegou perto de desencadear uma nova discussão, com uma afirmando que a outra o havia criado, mas então Elayne recuperou o suficiente de sua personalidade e começou a rir sobre a imagem das duas correndo à toda colina acima com as saias levantadas e gritando para aquela coisa ir embora. Nem a teimosa recusa de Elayne de admitir que a culpa fora dela conseguiu evitar que Nynaeve começasse a rir também.
Elayne se alternava entre o disco de ferro e a placa que parecia de âmbar com o entalhe de uma mulher adormecida, mas de fato não gostava de usar nenhum dos dois ter’angreal. Mesmo que usasse ambos com afinco, não se sentia tão dentro de Tel’aran’rhiod quanto com o anel. E os dois realmente exigiam esforço. Não era possível amarrar o fluxo de Espírito, o que causava saída imediata do Mundo dos Sonhos. Canalizar qualquer outra coisa ao mesmo tempo parecia quase impossível, ainda que Elayne não soubesse por quê. Ela parecia mais interessada em como os objetos haviam sido confeccionados, e não ficava nem um pouco contente por eles não revelarem seus segredos com tanta facilidade quanto os a’dam. Não entender o porquê era uma pedra em seu sapato.
Certa vez, Nynaeve experimentou um dos dois, por coincidência na noite em que elas iam se encontrar com Egwene, a noite após deixarem Boannda. Não estaria com raiva suficiente, não fosse por aquilo que a irritava com mais frequência: homens.
Neres começara, caminhando pesadamente pelo convés quando o sol começou a baixar, resmungando sozinho a respeito de ter tido sua carga roubada. Ela o ignorou, claro. Depois foi Thom, que, armando sua cama aos pés do mastro, disse baixinho:
— Ele não deixa de ter razão.
Obviamente, ele não a vira ali perto, na luz fraca do pôr do sol, assim como Juilin, agachado ao lado dele, também não.
— Ele é contrabandista, mas de fato pagou por aqueles produtos. Nynaeve não tinha o direito de tomá-los.
— Os direitos de uma mulher são os que a maldita diz que tem. — Uno gargalhou. — Pelo menos é isso que dizem as mulheres de Shienar.
Foi só então que eles a viram e ficaram em silêncio, um ato prudente, mas atrasado, como de costume. Uno esfregou a bochecha, a que não tinha cicatriz. Removera as bandagens naquele mesmo dia e, àquela altura, já sabia o que havia sido feito. Nynaeve achou que ele parecia envergonhado. Era difícil afirmar isso naquelas sombras que se modificavam tão depressa, mas os outros dois tinham expressões neutras.
Ela não respondeu, claro, apenas se afastou batendo os pés, agarrando a trança com firmeza. Até desceu a escada batendo os pés. Elayne já estava com o disco de ferro na mão. A caixa de madeira escura repousava aberta na mesa. Nynaeve apanhou a placa amarelada com a mulher adormecida entalhada no interior. Era escorregadia e macia, nada que arranharia metal. Com uma ponta de raiva ardendo, saidar era um brilho tépido quase imperceptível em seus ombros.
— Talvez eu consiga descobrir alguma coisa sobre por que este troço só deixa canalizar aos pinguinhos.
E foi assim que ela se viu no Coração da Pedra, canalizando um fluxo de Espírito para a placa, que, em Tel’aran’rhiod, estava enfiada em sua bolsinha da cintura. Como fazia sempre no Mundo dos Sonhos, Elayne trajava um vestido adequado para a corte da mãe, uma seda verde bordada com ouro em volta da gola, além de um colar e braceletes de ouro e pedras-da-lua, mas Nynaeve se surpreendeu ao descobrir que ela própria vestia algo parecido, embora seu cabelo estivesse com uma trança — e na cor natural —, em vez de solto. O vestido era azul-claro e prateado, e, se não era tão decotado quanto os de Luca, ainda era mais do que achava que escolheria. Contudo, gostou do modo como a gota de fogo solitária em seu cordão de prata reluzia entre seus seios. Egwene não acharia tão fácil intimidar uma mulher vestida daquela forma. Não que aquilo tivesse algo a ver com o motivo de ter se trajado assim, ainda que inconscientemente.
Ela logo percebeu o que Elayne quisera dizer com se achar ótima. Para si mesma, Nynaeve não parecia diferente da outra mulher, que tinha o anel de pedra retorcida enredado no colar. Elayne, no entanto, disse que ela parecia… enevoada. A sensação de saidar também estava enevoada, a não ser pelo fluxo de Espírito que ela começara a tecer ainda acordada. O resto era débil, e até o calor contínuo da Fonte Verdadeira parecia emudecido. Sua raiva continuava intensa o suficiente apenas para que canalizasse. Se sua irritação com os homens desaparecera diante da confusão, a confusão passara a irritá-la. Preparar-se para confrontar Egwene não tinha nada a ver com aquilo. Ela não estava se preparando, e não havia razão para o gosto distante de samambaia-felina fervida e de folha-sábia em pó em sua língua! Porém, produzir uma única chama dançando em pleno ar, uma das primeiras coisas que se ensinava a uma noviça, parecia tão difícil quanto carregar Lan nas costas. A chama parecia tênue mesmo para ela, e, assim que Nynaeve amarrou a tessitura, começou a se dissipar. Segundos depois, não existia mais.
— As duas? — indagou Amys. Ela e Egwene tinham acabado de aparecer do outro lado de Callandor, ambas com saias, blusas e xales Aiel. Egwene, ao menos, não se enfeitara com tantos colares e braceletes. — Por que está tão estranha, Nynaeve? Aprendeu a vir caminhando?
Nynaeve levou um susto. Odiava quando as pessoas chegavam de mansinho.
— Egwene, como você… — começou ela, alisando as saias, ao mesmo tempo em que Elayne disse:
— Egwene, não entendemos como você…
Egwene as interrompeu.
— Rand e os Aiel obtiveram uma grande vitória em Cairhien. — As palavras vieram em uma torrente, tudo o que ela lhes contara nos sonhos, de Sammael à ponta de lança Seanchan. Cada palavra praticamente atropelava a seguinte, e Egwene dizia tudo com um olhar determinado.
Nynaeve e Elayne se entreolhara, confusas. Ela com certeza já lhes contara aquilo. Não podiam ter imaginado, não com cada palavra agora confirmada. Até Amys, o longo cabelo branco enfatizando ainda mais a idade indefinida de seu rosto, diferente de uma Aes Sedai, olhava impressionada para aquele dilúvio.
— Mat matou Couladin? — exclamou Nynaeve, em dado momento. Aquilo não fora mencionado nos sonhos com Egwene. Aquilo não parecia do feitio de Mat. Liderando soldados? Mat?
Quando Egwene finalmente se aquietou, mexendo no xale e com a respiração acelerada, já que mal parara para respirar durante o processo, Elayne disse baixinho:
— Ele está bem? — Soou como se estivesse começando a duvidar das próprias lembranças.