— Não vai, milorde Dragão — garantiu Meilan, por fim. — Amanhã vou cavalgar ao seu lado para que veja com os próprios olhos.
Rand não duvidou. Meilan despacharia um cavaleiro para o sul o mais rápido possível, e, no dia seguinte, aqueles soldados já estariam bem longe, a caminho de Tear. Bastava. Por ora.
— Por mim está encerrado, então. Podem ir embora.
Alguns pularam de surpresa, se aquietando tão depressa que poderia ter sido só imaginação, e então todos já se levantavam, se curvavam e faziam reverências, Selande e os jovens lordes recuando. Suas expectativas tinham sido maiores. Uma audiência com o Dragão Renascido era sempre longa e tortuosa, na opinião deles, durante as quais eram dobrados com firmeza para onde Rand queria que seguissem, fosse declarando que nenhum taireno poderia reivindicar terras em Cairhien sem se casar com uma Casa cairhiena, fosse se recusando a permitir a expulsão dos habitantes de Portão Frontal, ou fazendo leis que antes só valiam para plebeus passarem a se aplicar a nobres.
Os olhos de Rand acompanharam Selande por um momento. Ela não fora a primeira, nos últimos dez dias. Nem a décima, nem mesmo a vigésima. Ficara tentado, ao menos de início. Quando rejeitava uma mulher esbelta, uma rechonchuda logo a substituía, assim como uma alta ou uma morena, ao menos para os padrões cairhienos, substituía uma baixa ou uma loura. A busca constante pela mulher que o satisfaria. As Donzelas impediam firmemente as que tentavam invadir furtivamente o alojamento dele à noite, mas sendo mais gentis do que Aviendha fora com a única que pegou. Aviendha parecia considerar a posse de Elayne sobre ele de uma seriedade mortal. Ainda assim, seu senso de humor Aiel parecia ficar muito satisfeito em atormentá-lo. Rand vira essa satisfação estampada na cara dela quando gemeu e escondeu o rosto ao vê-la se despir para dormir. Então poderia até ter se ressentido da seriedade mortal dela, caso não tivesse compreendido bem rápido o que estava por trás daquela sucessão de belas jovens.
— Milady Colavaere.
A mulher parou assim que Rand pronunciou seu nome, tranquila e com o olhar sereno sob a torre ornamentada de cachos escuros. Selande não teve outra opção a não ser permanecer com ela, embora estivesse claramente tão relutante em ficar quanto os demais estavam em sair. Meilan e Maringil foram os últimos a se curvar e sair, tão atentos a Colavaere e à tentativa de desvendar por que ela fora convocada que não perceberam que estavam um do lado do outro. Escuros e predatórios, seus olhos combinavam à perfeição.
A porta de madeira escura se fechou.
— Selande é uma jovem muito bonita — afirmou Rand. — Mas há quem prefira a companhia de uma mulher… mais madura… mais versada. Você vai jantar comigo hoje, quando soar a Segunda Noite. Estou ansioso para ter esse prazer. — Ele acenou para que ela saísse antes que a mulher pudesse dizer qualquer coisa, se é que ela diria. Seu rosto não se alterou, mas a reverência que fez foi um tantinho desajeitada. Selande parecia simplesmente pasma. E infinitamente aliviada.
Tão logo a porta voltara a se fechar atrás das duas mulheres, Rand jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada. Uma gargalhada áspera e sarcástica. Estava cansado do Jogo das Casas, então jogava-o sem pensar. Sentira-se mal por assustar uma mulher, então assustara outra. Eram motivos suficientes para rir. Colavaere estava por trás daquela fila de jovens que andaram se jogando para cima dele. Se encontrasse uma amante para o Lorde Dragão, uma jovem cujos fiozinhos ela manipulasse, Colavaere teria uma corda atada com firmeza a Rand. Mas era outra mulher que ela pretendia deitar, e talvez até casar, com o Dragão Renascido. Agora ela mesma teria que suar até a Segunda Noite. Ela sabia que era bonita, mesmo que não linda, e, se ele rechaçava todas as jovens que ela enviava, talvez fosse porque quisesse uma com uns quinze anos a mais. E Colavaere sabia que não ousaria negar o homem que detinha Cairhien nas mãos. Naquela noite, ela estaria submissa — e pararia com aquela idiotice. Aviendha muito provavelmente rasgaria a garganta de qualquer mulher que encontrasse na cama dele. Além do mais, Rand não tinha tempo para todas aquelas pombinhas que se assustavam tão fácil e que pensavam em se sacrificar por Cairhien e Colavaere. Havia problemas demais a resolver, e nenhum tempo.
Luz, e se Colavaere decidir que o sacrifício vale a pena? Era possível. Ela com certeza tinha sangue frio suficiente. Então vou ter que cuidar para que ele fique frio de medo. Não seria difícil. Sentia saidin logo no canto da vista. Sentia a mácula. Às vezes, achava que o que sentia era a mácula nele mesmo, os resíduos deixados por saidin.
Rand se pegou encarando Asmodean. O homem parecia analisá-lo, o rosto neutro. A música recomeçou feito água gorgolejando sobre rochas, tranquilizante. Então ele precisava ser tranquilizado?
A porta se abriu sem que ninguém batesse e permitiu a entrada de Moiraine, Egwene e Aviendha juntas, o vestido Aiel das mais jovens emoldurando o azul-claro da Aes Sedai. Para qualquer outra pessoa, mesmo Rhuarc ou outro chefe de clã ainda próximo da cidade, ou mesmo uma delegação de Sábias, uma Donzela teria entrado para anunciá-las. Essas três, as Donzelas deixavam entrar mesmo que ele estivesse tomando banho. Egwene deu uma olhada para “Natael” e fez uma careta, e a melodia ficou mais baixa e, por um momento, intricada, talvez uma dança, antes de se tornar quase uma brisa farfalhante. O homem exibia um sorriso torto direcionado só à harpa.
— Estou surpreso em vê-la, Egwene — disse Rand. Ele passou a perna por cima do braço da cadeira. — Já são quantos, seis dias que você tem me evitado? Trouxe mais boas notícias? Masema saqueou Amador em meu nome? Ou será que essas Aes Sedai que você diz que me apoiam passaram para a Ajah Negra? Preste atenção que eu não estou perguntando quem elas são ou onde estão. Nem como você sabe. Não peço para que você entregue os segredos das Aes Sedai, das Sábias ou de quem quer que elas sejam. Basta você me dar as migalhas que veio oferecer como esmola e deixe que eu me preocupo com ser apunhalado pelas coisas que você não me diz.
Egwene o encarou com o olhar calmo.
— Você sabe o que precisa saber. E eu não vou contar o que você não precisa. — Foi o que ela dissera, seis dias antes. Ela era tão Aes Sedai quanto Moiraine, ainda que uma usasse vestes Aiel e a outra, seda azul-clara.
Não havia nada calmo em relação a Aviendha. Ela se moveu para ficar ombro a ombro com Egwene, os olhos verdes cintilando e as costas tão eretas que poderiam ser de aço. Rand estava um tanto surpreso por Moiraine não ter se juntado a elas, para que as três a encarassem daquele jeito. O juramento de obediência dela deixava brechas espantosas, ao que parecia, e as três aparentavam ter se tornado muito próximas desde que ele discutira com Egwene. Não que tivesse sido exatamente uma discussão. Não era possível discutir muito com uma mulher que observava tudo com olhos serenos, nunca levantava a voz e, após uma única recusa a responder, se recusava até a reconsiderar a pergunta.
— O que você quer? — indagou ele.
— Estas duas chegaram para você há menos de uma hora — respondeu Moiraine, estendendo-lhe duas cartas dobradas. A voz dela parecia combinar com a melodia de Asmodean.
Desconfiado, Rand se levantou para apanhá-las.
— Se são para mim, como foram parar nas suas mãos?
Uma estava endereçada a “Rand al’Thor” com uma letra pequena e angulada; a outra, com uma escrita fluida, ainda que não menos precisa, para o “Lorde Dragão Renascido”. Os lacres estavam intactos. Um segundo olhar o deixou atônito. Os dois lacres pareciam ser feitos com a mesma cera vermelha e, se um trazia impressa a Chama de Tar Valon, o outro tinha uma torre enfronhada no que ele reconheceu ser a ilha de Tar Valon.