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— Eu não saberia dizer. — Mat tocou o medalhão com a cabeça de raposa, e sua voz ficou mais grave. — Algum tolo tirou esse nome de algum lugar, e todos começaram a usar.

Moiraine deu uma olhadela desdenhosa para o medalhão. A pedrinha azul pendendo em sua testa parecia atrair a luz e brilhar, apesar de os ângulos não estarem corretos.

— Ao que parece, você é muito corajoso, Mat. — As palavras foram ditas em um tom neutro, e o silêncio que se seguiu enrijeceu o rosto dele. — Muito corajoso — repetiu, por fim —, para liderar Shen an Calhar até o lado sul do Alguenya, contra os andorianos. Mais corajoso até do que isso, já que os boatos dizem que você foi fazer o reconhecimento do trajeto sozinho e que Talmanes e Nalesean tiveram que cavalgar muito para alcançá-lo. — Ao fundo, Egwene bufou. — Não é muito sábio para um jovem lorde liderando seus homens.

O lábio de Mat se retorceu.

— Não sou nenhum lorde. Me dou mais respeito que isso.

— Mas muito corajoso — repetiu Moiraine como se ele nem tivesse falado. — Carroções de abastecimento andorianos incendiados, postos avançados destruídos. E três batalhas. Três batalhas e três vitórias. Com poucas baixas dos seus homens, ainda que em menor número. — Enquanto a mulher passava o dedo por um rasgão no ombro do casaco do rapaz, Mat foi se afundando o máximo possível na cadeira. — Você é atraído para o calor das batalhas ou elas é que são atraídas a você? Estou quase surpresa por você ter voltado. Pelo que ouvi das histórias, você poderia ter empurrado os andorianos de volta para o outro lado do Erinin, caso tivesse ficado.

— Você acha isso engraçado? — rosnou Mat. — Se tem algo a dizer, diga. Você pode bancar o gato como quiser, mas eu não sou nenhum rato.

Por um instante, ele olhou furiosamente para Egwene e Aviendha, que assistiam a tudo de braços cruzados, e tornou a passar o dedo pela cabeça de raposa. Com certeza estava se perguntando. O objeto impedira que a canalização de uma mulher o atingisse. Impediria três?

Rand ficou só observando. Observando o amigo ser preparado para o que pretendia fazer com ele. Resta algo em mim além da necessidade? Foi um pensamento breve, que veio e passou. Rand faria o que tinha de fazer.

A voz da Aes Sedai se revestiu de cristais de gelo, quase como um eco:

— Todos nós fazemos o que temos que fazer, como decreta o Padrão. Para alguns, há menos liberdade que para outros. Não importa se escolhemos ou somos escolhidos. O que deve ser, será.

Mat não parecia nem um pouco mais calmo. Cauteloso, sim, e com certeza com raiva, mas não calmo. Ele poderia passar por um gato encurralado por três cães. Um gato que pretendia vender caro a derrota. Parecia ter se esquecido de que havia mais pessoas no ambiente além dele próprio e das três mulheres.

— Você sempre tem que forçar os homens a ir aonde você quer, não é? Chutá-los lá naquele lugar, caso não sejam devidamente conduzidos pelo nariz. Sangue e malditas cinzas! Não me olhe assim, Egwene. Vou falar como bem entender. Que me queime! Só faltava Nynaeve estar aqui arrancando a trança da cabeça e Elayne me olhando de cima. Bem, que bom que ela não está para ouvir a notícia, mas, mesmo que Nynaeve estivesse aqui com você, eu não seria empurrado…

— Que notícia? — interrompeu Rand bruscamente. — Uma notícia que Elayne não deveria ouvir?

Mat levantou o olhar para Moiraine.

— Quer dizer que há algo que você ainda não desencavou?

— Que notícia, Mat? — intimou Rand.

— Morgase morreu.

Egwene ofegou e cobriu a boca, os olhos parecendo imensos círculos. Moiraine sussurrou algo que poderia ter sido uma prece. Os dedos de Asmodean não vacilaram na harpa em nenhum momento.

Rand sentiu como se tivessem lhe arrancado as entranhas. Elayne, me perdoe. E um eco distante, alterado. Ilyena, me perdoe.

— Você tem certeza?

— Tanta quanto é possível ter sem ver o corpo. Parece que Gaebril foi proclamado rei de Andor. E de Cairhien também, por sinal. Supostamente, por Morgase. Algo sobre esses tempos exigirem a mão forte de um homem ou coisa do tipo, como se alguém tivesse a mão mais forte que a própria Morgase. Só que aqueles andorianos do sul têm ouvido boatos de que ninguém a vê há semanas. Mais que boatos. Agora me diga o que tudo isso significa. Andor nunca teve um rei, mas agora tem, e a rainha sumiu. Era Gaebril quem queria Elayne morta. Tentei dizer isso a ela, mas você sabe como ela sempre sabe mais que um fazendeiro com os pés enlameados. Acho que ele não hesitaria nem um segundo em decepar a garganta de uma rainha.

Rand se pegou sentado em uma das cadeiras bem à frente de Mat, embora não se lembrasse de ter mudado de lugar. Aviendha pousou a mão em seu ombro. A preocupação lhe estreitava os olhos.

— Estou bem — disse ele com aspereza. — Não precisa chamar Somara. — O rosto dela enrubesceu, mas ele mal notou.

Elayne jamais o perdoaria. Ele sabia que Rahvin — Gaebril — tinha aprisionado Morgase, mas ignorara o fato porque os Abandonados poderiam esperar que ele a ajudasse. Agira ao próprio modo só para fazer o que eles não esperavam. E acabara perseguindo Couladin, em vez de fazer o que planejara. Ele sabia, e concentrara a atenção em Sammael. Porque o homem o provocara. Morgase podia esperar enquanto ele destruía a armadilha de Sammael e, com ela, o próprio Sammael. E então Morgase estava morta. A mãe de Elayne, morta. Elayne o amaldiçoaria até a cova.

— Eu vou lhe dizer uma coisa — prosseguiu Mat. — Está cheio de homens da rainha, lá. Eles não têm tanta certeza se vão lutar por um rei. Trate de encontrar Elayne. Metade deles vai se bandear para o seu lado para colocá-la no…

— Cale a boca! — ladrou Rand.

Ele tremia com tanta fúria que Egwene deu um passo para trás, e até Moiraine o encarou com cautela. A mão de Aviendha lhe apertou o ombro, mas ele se desvencilhou ao se levantar. Morgase morta porque ele não tinha feito nada. Sua mão estivera na faca, tanto quanto, com certeza, a de Rahvin. Elayne.

— Ela será vingada. É Rahvin, Mat. Não Gaebril. Rahvin. Vou acorrentar esse homem, nem que seja a última coisa que eu faça!

— Ah, sangue e malditas cinzas! — gemeu Mat.

— Isso é loucura. — Egwene hesitou ao perceber o que dissera, mas manteve a voz firme e calma: — Você ainda tem muito o que fazer em Cairhien, sem falar nos Shaido ao norte e no que quer que esteja planejando para Tear. Quer começar outra guerra, com duas já em curso, além de uma terra arrasada?

— Não é uma guerra. Sou eu. Posso estar em Caemlyn em uma hora. Uma incursão, certo, Mat? Uma incursão, não uma guerra. Eu vou arrancar o coração de Rahvin. — Sua voz parecia um martelo. Sentia-se como se ácido lhe percorresse as veias. — Eu quase desejo ter as treze irmãs de Elaida para levar comigo, para sufocá-lo e trazê-lo perante a justiça. Julgado e enforcado por assassinato. Isso seria justiça. Mas ele vai ter só que morrer da maneira como eu puder matá-lo.

— Amanhã — sugeriu Moiraine, com a voz gentil.

Rand a encarou. Mas ela tinha razão. Amanhã seria melhor. Uma noite para deixar a raiva esfriar. Precisaria da cabeça tranquila para enfrentar Rahvin. No momento, queria agarrar saidin e atacá-lo de todas as formas possíveis, destruí-lo. A música de Asmodean mudara de novo para uma canção que músicos de rua da cidade haviam tocado durante a guerra civil. Ainda era possível ouvi-la às vezes, quando um nobre cairhieno passava: “O Bobo da Corte que Pensava Ser Rei”.

— Fora, Natael. Fora!

Asmodean se endireitou suavemente, fazendo uma reverência, mas seu rosto poderia ter passado por neve enquanto ele cruzava o cômodo às pressas, como se soubesse o que podia acontecer se demorasse um segundo a mais. Ele sempre forçava os limites, mas talvez desta vez tivesse forçado demais. No momento em que abria a porta, Rand tornou a falar: