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— Vou tomar cuidado. Descanse bem. E coma bem hoje à noite. De manhã, não coma nada. Não é bom dançar as lanças de barriga cheia.

Egwene observou-a se afastar antes de pressionar as mãos na barriga. Achava que não comeria nada nem agora nem de manhã. Rahvin. E talvez Lanfear ou um dos outros. Nynaeve enfrentara Moghedien e vencera. Mas Nynaeve, quando canalizava, era mais forte que ela ou Aviendha. Talvez não houvesse ninguém mais. Rand disse que os Abandonados não confiavam uns nos outros. Ela quase desejava que ele estivesse enganado, ou que pelo menos não tivesse tanta certeza. Foi apavorante quando pensou ter visto outro homem ao olhar nos olhos dele, ter ouvido as palavras de outro homem saindo da boca de Rand. Não deveria ser assim. Todos renasciam conforme a Roda girava. Mas o Dragão Renascido não era qualquer um. Moiraine não tocava no assunto. O que Rand faria se Lanfear estivesse lá? Lanfear amara Lews Therin Telamon, mas o que o Dragão sentia por ela? Quanto de Rand ainda era Rand?

— Desse jeito, vai acabar ficando maluca — disse ela com firmeza. — Você não é mais criança. Comporte-se como uma mulher.

Quando uma serviçal trouxe o jantar, com vagem, batata e um pão assado fresco, ela se obrigou a comer. O gosto era de cinzas.

Mat atravessou apressado os corredores parcamente iluminados do palácio e escancarou a porta dos cômodos que haviam sido reservados para o jovem herói da batalha contra os Shaido. Não que ele tivesse passado muito tempo ali. Quase nenhum. Serviçais haviam acendido duas das lamparinas de pé. Herói! Ele não era herói coisa nenhuma! O que um herói ganhava? Uma Aes Sedai lhe dando tapinhas nas costas antes de tornar a mandá-lo para a batalha, uma nobre se resignando a lhe premiar com um beijo ou a pôr uma flor em seu túmulo. Ele andou para lá e para cá no vestíbulo, dessa vez sem prestar atenção ao valor do tapete florido illianense ou das cadeiras, baús e mesas douradas e incrustadas de marfim.

O tempestuoso encontro com Rand se estendera até o pôr do sol, ele se esquivando, se recusando, e Rand perseguindo-o com tanta obstinação quanto Asa-de-gavião após o massacre na Passagem Cole. O que ele deveria fazer? Se partisse de novo, Talmanes e Nalesean com certeza iriam atrás dele com o máximo de homens que conseguissem pôr nas selas, esperando que Mat encontrasse uma nova batalha. E era provável que encontrasse. Era isso que realmente o desencorajava. Mesmo que ele detestasse admitir, a Aes Sedai tinha razão. Mat era atraído para as batalhas ou elas eram atraídas para ele. Ele fizera o máximo possível para evitar uma, do outro lado do Alguenya. Até Talmanes comentara a respeito. Até a segunda vez em que sua cuidadosa fuga furtiva de um dos grupos de andorianos conduziu-os até onde não havia outra opção que não lutar contra outro grupo. E, todas as vezes, ele sentia os dados rolando em sua cabeça. Agora era quase como um aviso de que um combate o aguardava após a colina seguinte.

Sempre havia um navio nas docas, ou poderia haver, junto das barcaças de grãos. Seria pouco provável se ver em uma batalha em um navio no meio de um rio. Tirando o fato de que os andorianos controlavam uma das margens do Alguenya em metade ou mais de sua extensão, abaixo da cidade. Do jeito que andava sua sorte, o navio acabaria encalhando na margem ocidental com metade dos andorianos acampada ali.

Assim, só restava fazer o que Rand queria. Mat já estava até vendo.

— Bom dia, Grão-lorde Weiramon e todos os demais Grão-lordes e Grã-ladies. Sou um jogador, um garoto do campo, e estou aqui para assumir o comando do seu maldito exército! O maldito Lorde Dragão Renascido estará aqui conosco assim que o filho da mãe terminar de resolver uma maldita questãozinha!

Mat apanhou a lança de cabo preto em um canto e arremessou-a do outro lado do aposento. O objeto atingiu uma tapeçaria — uma cena de caça — e a parede de pedra logo atrás com um som violento, e então caiu no chão, deixando os caçadores perfeitamente divididos ao meio. Praguejando, ele se apressou em apanhá-la. A lâmina de espada de dois pés de comprimento não estava nem lascada nem arranhada. Claro que não. Trabalho de Aes Sedai.

Mat passou os dedos pelos corvos da lâmina.

— Algum dia vou me ver livre do trabalho das Aes Sedai?

— O que você disse? — perguntou Melindhra, da porta.

Ele a encarou enquanto apoiava a lança na parede e, desta vez, não foi em cabelos loiros brilhantes, olhos azuis límpidos ou um corpo firme que pensou. Parecia que, mais cedo ou mais tarde, todos os Aiel acabavam indo ao rio para ficar contemplando em silêncio toda aquela água em um só lugar, mas Melindhra ia quase todos os dias.

— Kadere já encontrou algum navio? — Não iria a Tar Valon em barcaças de grãos.

— Os carroções do mascate ainda estão aqui. Não sei nada sobre… navios. — Ela pronunciou a palavra nada familiar de maneira esquisita. — Por que você quer saber?

— Vou passar um tempo fora. Por Rand — tratou de acrescentar às pressas. O rosto dela estava muito quieto. — Eu levaria você comigo se pudesse, mas você não iria querer abandonar as Donzelas. — Um navio ou seu cavalo? E para onde? Essa era a questão. Mat poderia chegar mais depressa a Tear em uma embarcação fluvial veloz do que com Pips. Isso se fosse tolo o bastante para optar por isso. Se era que havia opção.

A boca de Melindhra se estreitou por um breve momento. Para a surpresa de Mat, não foi porque ele a estava deixando.

— Então lá vai você de novo ficar à sombra de Rand al’Thor. Você adquiriu muita honra por conta própria, entre os Aiel e também entre os aguacentos. Honra sua, não uma honra refletida do Car’a’carn.

— Ele pode ficar com a honra dele e levá-la a Caemlyn ou ao Poço da Perdição, não me importa. Não se preocupe. Ainda vou receber muitas honras. Vou lhe escrever para contar. De Tear. — Tear? Se fizesse essa opção, nunca escaparia de Rand ou das Aes Sedai.

— Ele está indo para Caemlyn?

Mat tentou não hesitar. Não deveria falar nada sobre aquele assunto. Qual fosse a decisão sobre o resto, podia manter esse segredo.

— Foi só um exemplo. Por causa dos andorianos ao sul, suponho. Eu não saberia dizer para onde ele…

Foi sem aviso. Em um instante, Melindhra estava apenas ali parada, e, no instante seguinte, o pé dela lhe acertava sua barriga, fazendo-o perder o fôlego e se curvar todo. Com olhos arregalados, Mat lutou para se manter de pé, para se endireitar, para pensar. Por quê? Ela rodopiou feito uma dançarina, para trás, e seu outro pé, ao lhe atingir a lateral da cabeça, o deixou cambaleante. Sem qualquer pausa, ela pulou e fez um movimento de chute, a delicada sola de sua bota golpeando-o em cheio no rosto.

Quando os olhos de Mat clarearam o suficiente para lhe permitir enxergar, ele estava caído de costas e havia quase meio cômodo de distância entre os dois. Sentia que havia sangue em seu rosto. A cabeça parecia estofada de lã, e o quarto tremia. Foi quando ele a viu puxar uma faca da bolsa, a lâmina fina, não muito maior que a mão dela, reluzindo à luz da lamparina. Com um movimento ágil, Melindhra enrolou a shoufa em torno da cabeça e cobriu metade do rosto com o véu negro.

Grogue, Mat se moveu por instinto, sem pensar. A lâmina foi sacada da manga da camisa e saiu de sua mão como se atravessasse gelatina. Foi só então que ele percebeu o que acabara de fazer, e se esticou desesperadamente para tentar apanhá-la no ar.

O cabo brotava entre os seios de Melindhra. Ela vergou até ficar de joelhos e tombou para trás.

Mat se esforçou para se pôr de pé, as mãos e os joelhos vacilantes. Não teria conseguido se erguer nem se sua vida dependesse disso, mas rastejou até Melindhra, murmurando ensandecido: