Выбрать главу

— Por quê? Por quê?

Mat afastou o véu para o lado, e aqueles olhos azuis límpidos se concentraram nele. Ela chegou até a sorrir. Mat não olhou para o cabo da faca. O cabo da faca dele. Sabia onde ficava o coração, em um corpo.

— Por quê, Melindhra?

— Eu sempre gostei desses seus olhos bonitos — murmurou ela, ofegante, a voz tão fraca que ele precisou se esforçar para ouvir.

— Por quê?

— Alguns juramentos são mais importantes que outros, Mat Cauthon. — A faca de lâmina fina surgiu depressa, toda a força que ainda restava na mulher posta no gesto, a ponta forçando no peito dele a cabeça de raposa. O medalhão de prata não deveria ter detido uma lâmina, mas a angulação estava errada o suficiente para que alguma falha oculta do aço fizesse a lâmina se soltar do cabo assim que ele segurou a mão dela. — Você tem a sorte do próprio Grande Senhor.

— Por quê? — insistiu ele. — Que a queime, por quê? — Mat sabia que não haveria resposta. A boca de Melindhra permaneceu aberta, como se ela fosse dizer algo mais, mas seus olhos já começavam a vidrar.

Ele puxou o véu de volta para cima, cobrindo o rosto e os olhos vidrados dela, e então deixou a mão cair. Já matara homens e Trollocs, mas nunca uma mulher. Nunca uma mulher, até aquele momento. As mulheres ficavam contentes quando ele aparecia na vida delas. Não era presunção. As mulheres sorriam para ele. Mesmo quando as abandonava, elas sorriam como se ele fosse ser bem-vindo de volta. Aquilo era tudo o que Mat queria de fato das mulheres: um sorriso, uma dança, um beijo e ser lembrado com carinho.

Ele percebeu que seus pensamentos estavam divagando. Puxando o cabo sem lâmina da mão de Melindhra — era de uma jade dourada e opaca, incrustada com abelhas douradas —, Mat arremessou-o na lareira de mármore, torcendo para se despedaçasse. Queria chorar, uivar. Eu não mato mulheres! Eu beijo, eu não…!

Precisava pensar com clareza. Por quê? Não porque ele estava indo embora, por certo. Melindhra mal reagira a isso. Além do mais, ela pensara que ele estava indo atrás de honra. Sempre aprovara isso. Então lembrou-se de algo que ela falou, com um calafrio: a própria sorte do Grande Senhor. Ele ouvira aquilo muitas vezes de maneiras diferentes: a sorte do próprio Tenebroso.

— Uma Amiga das Trevas. — Dúvida ou certeza? Ele queria que aquele pensamento tornasse o que acabara de fazer mais fácil de processar. Carregaria o rosto dela até a morte.

Tear. Ele praticamente dissera a ela que estava indo para Tear. A adaga. Abelhas douradas em jade. Sem olhar, ele seria capaz de apostar que eram nove. Nove abelhas douradas em um campo verde. O símbolo de Illian. Onde quem mandava era Sammael. Será que Sammael tinha medo dele? Como Sammael sequer poderia saber? Fazia poucas horas desde que Rand perguntara — dissera — a Mat sobre o que deveria fazer, e nem ele estava certo ainda. Será que Sammael não queria se arriscar? Certo. Um dos Abandonados com medo de um jogador, não importava o quanto sua cabeça pudesse estar entupida do conhecimento bélico de outros homens. Isso era ridículo.

Tudo se resumia ao seguinte: ele poderia acreditar que Melindhra não fizesse parte dos Amigos das Trevas, que decidira matá-lo por capricho e que não havia relação entre o cabo de jade incrustado de abelhas douradas e ele talvez indo a Tear para liderar um exército contra Illian. Poderia, se fosse um idiota. Melhor pecar por excesso de cautela, era o que sempre dizia. Um dos Abandonados o notara. Ele com certeza já não estava mais à sombra de Rand.

Deslizando pelo chão, sentou-se com o queixo apoiado nos joelhos e recostado na porta, sem tirar os olhos do rosto de Melindhra, tentando decidir o que fazer. Quando uma serviçal bateu à porta com o jantar, gritou para que a mulher fosse embora. Comida era a última coisa de que precisava. O que faria? Queria não sentir os dados girando em sua cabeça.

52

Escolhas

Rand soltou a navalha, limpou as últimas manchas de espuma do rosto e começou a amarrar os laços da camisa. O sol do início da manhã se derramava por entre os arcos quadrados que davam na varanda do quarto. As pesadas cortinas de inverno haviam sido instaladas, mas estavam amarradas para deixar entrar uma brisa. Ele estaria apresentável quando matasse Rahvin. Pensar naquilo fazia uma bolha de raiva subir de suas entranhas. Forçou-se a se acalmar. Estaria apresentável e calmo. Frio. Nada de erros.

Quando virou de costas para o espelho de moldura dourada, Aviendha estava sentada no catre enrolado contra a parede, sob uma tapeçaria que ilustrava torres douradas de uma altura inimaginável. Rand oferecera que outra cama fosse acrescentada ao quarto, mas ela afirmava que colchões eram macios demais para dormir. Aviendha o observava com atenção, a camisola esquecida em uma das mãos. Ele tivera o cuidado de não ficar olhando para os lados enquanto se barbeava para dar a ela tempo para se vestir, mas, além das meias brancas, Aviendha não trajava uma única peça de roupa.

— Eu não envergonharia você diante de outros homens — afirmou ela, de repente.

— Me envergonhar? Como assim?

Ela se levantou com um único movimento suave, surpreendentemente pálida onde o sol não lhe tocava, esbelta e musculosa, mas com curvas e uma maciez que atormentavam os sonhos de Rand. Esta era a primeira vez que ele se permitira olhar diretamente para Aviendha enquanto ela se exibia, mas a mulher não parecia consciente disso. Aqueles grandes olhos verde-azulados estavam fixos nos dele.

— Eu não pedi para Sulin incluir Enaila, Somara ou Lamelle naquele primeiro dia. Nem pedi para elas vigiarem ou fazerem qualquer coisa, se você fraquejasse. Aquilo foi preocupação delas.

— Você só me deixou pensar que elas tentariam me carregar no colo feito um bebê caso meus joelhos fraquejassem. Muito diferente.

O tom irônico dele passou despercebido.

— Fiz você tomar cuidado quando era preciso.

— Entendo — retrucou ele, seco. — Bem, em todo caso, eu agradeço a promessa de não me envergonhar.

Ela sorriu.

— Eu não disse isso, Rand al’Thor. Disse que não faria isso na frente de outros homens. Se for necessário, para o seu próprio bem… — Seu sorriso se alargou.

— Você pretende ir assim? — Ele gesticulou, irritado, esquadrinhando-a da cabeça aos pés.

Aviendha jamais demonstrara o menor sinal de embaraço por ficar nua na frente dele — longe disso —, mas deu uma olhadela para si mesma, depois para ele a observá-la, e seu rosto enrubesceu. De repente, ela estava envolta em lã marrom-escura e algode branco, e voou tão depressa para dentro das próprias roupas que ele poderia ter pensado que ela estava canalizando para vesti-las.

— Já preparou tudo? — Foi a pergunta que saiu em meio à confusão. — Já falou com as Sábias? Você sumiu ontem à noite. Quem mais vem conosco? Quantos você pode levar? Nada de aguacentos, eu espero. Você não pode confiar neles. Ainda mais naqueles Assassinos da Árvore. Você consegue mesmo nos levar até Caemlyn em uma hora? Vai ser como eu fiz na noite…? Quer dizer, como você vai fazer? Não gosto de confiar em coisas que não conheço ou que não entendo.

— Está tudo pronto, Aviendha.

Por que ela estava tagarelando? E se recusando a olhá-lo nos olhos? Rand se encontrara com Rhuarc e os outros chefes ainda próximos da cidade. Não haviam gostado muito do plano dele, mas o analisaram em termos do ji’e’toh, e ninguém achava que Rand tinha outra escolha. Eles discutiram rápido, concordaram e desviaram a conversa para outros assuntos. Nada que tivesse a ver com Abandonados, Illian ou batalhas. Mulheres, caça, se o conhaque cairhieno se comparava ao oosquai, ou o tabaco aguacento era melhor do que o cultivado no Deserto. Por uma hora, ele quase se esquecera do que vinha pela frente. Torcia para que a Profecia de Rhuidean de algum modo estivesse errada, para que ele não destruísse aqueles homens. As Sábias o haviam procurado, uma delegação de mais de cinquenta, alertadas pela própria Aviendha e lideradas por Amys, Melaine e Bair, ou talvez por Sorilea. Com as Sábias, costumava ser difícil dizer quem estava no comando. Não tinham vindo para convencê-lo a desistir de nada, graças novamente ao ji’e’toh, mas para ter certeza de que ele entendia que sua obrigação com Elayne não pesava mais que o compromisso com os Aiel, e elas o mantiveram na sala de reunião até ficarem satisfeitas. Era isso ou tirá-las do caminho na marra para chegar à porta. Quando queriam, aquelas mulheres eram tão boas em ignorar gritos quanto Egwene se tornara.