— Nós vamos descobrir quantos posso levar assim que eu tentar. Só Aiel. — Com sorte, Meilan, Maringil e o resto só ficariam sabendo que Rand tinha ido embora depois que ele partisse. Se a Torre tinha espiões em Cairhien, talvez os Abandonados também tivessem, e como ele poderia confiar em pessoas que não podiam ver o sol nascendo sem tentar usar isso no Daes Dae’mar? Como essas pessoas seriam capazes de guardar segredos?
Quando vestiu o casaco vermelho com bordados de ouro de uma bela lã claramente adequada para um Palácio Real, de Caemlyn ou Cairhien — esse pensamento o divertia de um jeito meio sombrio —, Aviendha já estava quase vestida. Para ele, era um assombro ver como ela conseguia se vestir tão depressa e, ainda assim, não ficar com nada fora do lugar.
— Uma mulher apareceu aqui ontem à noite enquanto você não estava.
Luz! Ele se esquecera de Colavaere.
— E o que você fez?
Ela fez uma pausa enquanto amarrava os laços da blusa, os olhos tentando abrir um buraco na cabeça dele, mas o tom de voz foi casual.
— Levei-a de volta para o quarto dela, onde ficamos conversando por um tempo. Não vai mais aparecer nenhuma sirigaita Assassina da Árvore na aba da sua tenda, Rand al’Thor.
— Exatamente o que eu almejava, Aviendha. Luz! Você a machucou muito? Não pode sair por aí espancando ladies. Essa gente já me traz problemas suficientes sem você arranjar ainda mais.
Ela bufou e voltou para os laços.
— Ladies! Mulher é mulher, Rand al’Thor. A menos que seja uma Sábia — acrescentou judiciosamente. — Essa tal vai sentar com cuidado hoje de manhã, mas tem como esconder os machucados, e, com um dia de descanso, já vai poder sair do quarto. E agora ela sabe como as coisas funcionam. Eu avisei que, se ela voltasse a chatear você outra vez, qualquer chateação, eu iria conversar de novo com ela. Uma conversa bem mais longa. Ela vai fazer o que você disser, e quando disser. O exemplo dela vai ensinar as demais. Os Assassinos da Árvore não entendem de outro jeito.
Rand suspirou. Não era um método que ele teria ou poderia ter escolhido, mas talvez acabasse funcionando. Ou talvez só tornasse Colavaere e as outras mais dissimuladas, dali em diante. Aviendha podia não estar preocupada com repercussões negativas a ela — na verdade, ele ficaria surpreso se ela tivesse sequer considerado a possibilidade —, mas uma mulher que ocupa o Grão-trono de uma Casa poderosa não era o mesmo que uma jovem nobre de classe inferior. Qualquer que fosse o efeito para ele, Aviendha podia se ver em algum corredor escuro, recebendo dez vezes mais do que fizera a Colavaere, se não pior.
— Na próxima vez, deixe que eu cuido dessas questões do meu jeito. Eu sou o Car’a’carn, lembre.
— Tem espuma de barbear na sua orelha, Rand al’Thor.
Resmungando sozinho, ele apanhou a toalha listrada e gritou, ao ouvir uma batida na porta:
— Entre!
Quem entrou foi Asmodean, rendas brancas no colarinho e nas mangas do casaco preto, o estojo da harpa lançado às costas e uma espada na cintura. Pela frieza do rosto, poderia ser inverno, mas seus olhos escuros estavam cheios de cautela.
— O que você quer, Natael? — indagou Rand. — Já lhe dei suas instruções ontem à noite.
Asmodean umedeceu os lábios e deu uma olhadela para Aviendha, que franzia o cenho para ele.
— Sábias instruções. Ficando aqui e observando, suponho que eu possa descobrir algo de seu interesse, mas hoje de manhã só se fala nos gritos vindos dos aposentos de Lady Colavaere, noite passada. Estão falando que ela o desagradou, apesar de ninguém parecer saber como. Essa incerteza está deixando todo mundo pisando em ovos. Duvido que alguém vai sequer respirar nos próximos dias sem considerar o que você pode pensar a respeito. — O rosto de Aviendha era o retrato de uma insuportável satisfação consigo mesma.
— Então você quer vir comigo? — perguntou Rand em tom gentil. — Você quer estar na minha retaguarda quando eu enfrentar Rahvin?
— Existe lugar melhor para o bardo do Lorde Dragão? Mas, ainda melhor, estar à sua frente. Onde posso mostrar minha lealdade. Eu não sou forte. — A careta de Asmodean pareceu comum para qualquer homem admitindo aquilo, mas, por um instante, Rand sentiu saidin preenchendo o outro homem, sentiu a mácula que retorceu a boca de Asmodean. Apenas por um instante, mas tempo suficiente para ele julgar. Se Asmodean tivesse agarrado tanto quanto podia, teria sérios problemas para fazer frente a uma das Sábias capazes de canalizar. — Não sou forte, mas talvez possa dar uma ajudinha.
Rand queria poder ver a barreira que Lanfear tecera. A mulher dissera que ela se dissiparia com o tempo, mas Asmodean não parecia capaz de canalizar mais agora do que no primeiro dia em que caiu nas mãos de Rand. Talvez ela tivesse mentido para dar falsas esperanças a Asmodean, para fazer Rand acreditar que o homem acabaria ficando forte o bastante para lhe ensinar mais do seria possível. Seria do feitio dela . Ele não teve certeza se aquele pensamento era dele ou de Lews Therin, mas estava seguro de que era verdade.
A longa pausa fez Asmodean tornar a lamber os lábios.
— Um ou dois dias aqui não vão fazer diferença. Você já vai ter voltado, ou estará morto. Me deixe provar minha lealdade. Talvez eu possa fazer alguma coisa. Um fiapo a mais de peso no seu lado pode mexer com o equilíbrio. — Uma vez mais, só por um instante, saidin se derramou sobre ele. Rand pressentiu certo esforço, mesmo que ainda fosse um fluxo tênue. — Você sabe quais são as minhas escolhas. Estou me agarrando àquele tufo de grama à beira do precipício, rezando para que ele aguente mais uma batida do coração. Se você fracassar, estou mais que morto. Preciso ver você vencer e viver. — Desviando o olhar subitamente para Aviendha, ele pareceu perceber que talvez tivesse dito demais. Sua gargalhada teve um som vazio. — De que outra maneira vou poder compor as canções da glória do Lorde Dragão? Um bardo precisa ter algo com que trabalhar. — O calor nunca incomodava Asmodean, e ele dizia que isso era um truque da mente, não do Poder, mas gotículas de suor escorriam por sua testa.
Seguindo na sua frente, ou deixado para trás? Talvez para fugir em busca de um esconderijo quando começasse a se perguntar o que estaria acontecendo em Caemlyn. Asmodean seria o homem que era até que morresse e renascesse, e mesmo depois, talvez.
— Na minha frente — disse Rand com calma. — E se eu sequer suspeitar que o lugar onde o tal fiapo vai pesar possa me desagradar…
— Deposito toda a minha confiança na misericórdia do Lorde Dragão — murmurou Asmodean, curvando-se. — Com a permissão do Lorde Dragão, vou esperar lá fora.
Os olhos de Rand percorreram o cômodo enquanto o homem partia, recuando ainda curvado. Sua espada repousava no baú com fios dourados ao pé da cama, o cinto com fivela de Dragão enrolado na bainha e na ponta de lança Seanchan. A matança daquele dia não seria com aço, não da parte dele. Rand tocou o bolso e sentiu o formato do homenzinho gordo com a espada. Era a única espada de que precisaria. Por um momento, considerou Deslizar até Tear para recuperar Callandor, ou até Rhuidean, pelo que escondera por lá. Poderia destruir Rahvin com qualquer uma das duas opções antes que o homem se desse conta de que ele estava presente. Poderia destruir a própria Caemlyn com qualquer uma das duas. Mas poderia confiar em si mesmo? Tanto poder. Tanto Poder Único. Saidin estava por ali, quase à vista. A mácula parecia parte dele. A fúria se esvaía bem abaixo da superfície, de Rahvin, dele mesmo. Caso se libertasse, e ele estivesse com Callandor… O que faria? Seria invencível. Com a outra opção, poderia fazer Deslizar até a própria Shayol Ghul, dar um fim em tudo, acabar com aquilo de um jeito ou de outro. De um jeito ou de outro. Não. Não estava sozinho naquilo. Não poderia aceitar nada que não fosse a vitória.