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As docas, que se esvaziaram quando ele criou o domo, estavam cheias de novo, embora poucos se aproximassem do ponto onde surgira a redoma cinzenta e enevoada. Sábias se deslocavam pela área para atender os que tinham se queimado e para confortar os agonizantes, ajudadas por gai’shain de robes brancos e homens com o cadin’sor. Os gemidos e os gritos o apunhalavam. Ele não fora rápido o bastante. Moiraine morrera. Nada de Cura nem para os mais feridos. Porque ele… Eu não consegui. Que a Luz me ajude, eu não consegui!

Mais homens Aiel o observavam, alguns só agora baixando o véu. Rand ainda não via nenhuma Donzela. Não havia só Aiel. Dobraine, a cabeça nua, e montando um castrado negro, não tirava os olhos dele, e, não muito longe, Talmanes, Nalesean e Daerid observavam Mat de cima dos cavalos quase tão atentamente quanto o faziam com Rand. Pessoas se enfileiravam no topo da grande muralha da cidade, delineadas e sombreadas pelo sol que se erguia, e havia mais gente ao longo das cortinas de pedra. Dois daqueles vultos na penumbra se viraram quando ele olhou para cima, se viram a menos de vinte passadas de distância um do outro e pareceram se retrair. Rand seria capaz de apostar que se tratava de Meilan e Maringil.

Lan voltara para os cavalos perto do último carroção da fila, e acariciava o focinho branco de Aldieb. A égua de Moiraine.

Rand foi até ele.

— Me desculpe, Lan. Se eu tivesse sido mais rápido, se eu… — Ele expirou profundamente. Não consegui matar uma, então matei a outra. Que a Luz me queime e me cegue! Se acontecesse, naquele momento, ele não teria se importado.

— A Roda tece. — Lan foi até Mandarb e se ocupou em verificar as cintas da sela do garanhão negro. — Ela era um soldado, uma guerreira, à maneira dela, tanto quanto eu. Isso poderia ter acontecido umas duzentas vezes nestes últimos vinte anos. Ela sabia, e eu também. Foi um bom dia para morrer. — Sua voz estava tão firme quanto sempre, mas aqueles frios olhos azuis estavam contornados de vermelho.

— Mesmo assim, me desculpe. Eu deveria… — O homem não seria reconfortado por “deveria”, e aquilo pesava na alma de Rand. — Espero que ainda possa ser meu amigo, Lan, depois do que… Eu valorizo seus conselhos, seus treinamentos com a espada, e vou precisar de ambos nos próximos dias.

— Sou seu amigo, Rand. Mas não posso ficar. — Lan girou e subiu na sela. — Moiraine fez uma coisa comigo que não se fazia há centenas de anos, não desde a época em que as Aes Sedai criavam elos com Guardiões independentemente da vontade deles. Ela alterou meu elo para que ele passasse para outra pessoa quando ela morresse. Agora eu preciso encontrar essa outra e me tornar um dos Guardiões dela. Eu já sou. Consigo senti-la de maneira tênue, em algum lugar no extremo oeste, e ela é capaz de me sentir. Preciso ir, Rand. Moiraine fez isso. Ela disse que não me daria nenhum tempo para morrer tentando vingá-la. — Ele agarrou as rédeas como se refreasse Mandarb, como se estivesse se segurando para não lhe enfiar as esporas. — Se algum dia você vir Nynaeve de novo, diga a ela que… — Por um instante, aquele rosto pétreo ficou encrespado de angústia. Só um instante, e logo voltou a ser como granito. Ele resmungou sozinho, mas Rand escutou: “Uma ferida limpa sara mais rápido e dói por menos tempo”. Em voz alta, o Guardião disse: — Diga a ela que encontrei outra pessoa. Às vezes, irmãs Verdes são tão próximas de seus Guardiões quanto outras mulheres são dos maridos. De todas as formas. Diga a ela que fui me tornar amante, e também a espada, de uma irmã Verde. Essas coisas acontecem. Já faz muito tempo desde a última vez que a vi.

— Vou dizer a ela o que você pedir, Lan, mas não sei se ela vai acreditar em mim.

Lan curvou-se do alto da sela para segurar com força o ombro de Rand. Ele se lembrava de já ter chamado Lan de lobo quase domesticado, mas aqueles olhos faziam um lobo parecer um cãozinho.

— Somos parecidos em muitos aspectos, você e eu. Há uma escuridão em nós. Escuridão, dor, morte. Tudo isso irradia de nós. Se algum dia você amar uma mulher, Rand, abandone-a e deixe-a encontrar outro homem. Vai ser o maior presente que você pode dar a ela. — Lan se endireitou e ergueu a mão. — Que a paz favoreça a sua espada. Tai’shar Manetheren. — A saudação antiga. O verdadeiro sangue de Manetheren.

Rand ergueu a mão.

Tai’shar Malkier.

Lan esporou os flancos de Mandarb, e o garanhão deu um pinote para a frente, dispersando os Aiel e todos os demais do caminho, como se quisesse levar o último Malkier a galope durante todo o percurso até onde quer que ele estivesse indo.

— Que o último abraço da mãe o receba em casa, Lan — murmurou Rand, estremecendo. Aquilo era parte dos rituais funerais em Shienar e em todo o resto das Terras da Fronteira.

Todos ainda o observavam, os Aiel e as pessoas em cima das muralhas. A Torre saberia do que ocorrera ali, ou uma versão do ocorrido, tão logo um pombo pudesse voar até lá. Se Rahvin também tivesse alguma maneira de vigiá-lo — bastaria apenas um corvo na cidade, um rato ali à beira do rio —, certamente não esperaria nada naquele dia. Elaida pensaria que ele estava enfraquecido, talvez mais maleável, e Rahvin…

Rand percebeu o que estava fazendo e se retraiu. Pare com isso! Por pelo menos um minuto, pare e fique de luto! Não queria todos aqueles olhos nele. Os Aiel recuavam diante de Rand quase tão prontamente quanto tinham recuado diante de Mandarb.

A cabana com teto de ardósia do administrador das docas não passava de um único aposento de pedra sem janelas repleto de prateleiras entupidas de livros contábeis, rolos de pergaminho e papéis, iluminado por duas lamparinas sobre uma mesa rústica coberta de selos fiscais e carimbos de aduana. Rand fechou a porta atrás de si para se proteger de quaisquer olhos.

Moiraine morta, Egwene ferida e Lan ausente. Um preço alto a se pagar por Lanfear.

— Que a Luz o queime, fique de luto! — grunhiu ele. — Ela fez por merecer ao menos isso! Você não tem mais nenhum sentimento? — Mas, na maior parte, ele se sentia dormente. O corpo doía, mas, sob a dor, estava amortecido.

Rand deixou os ombros caírem, enfiou as mãos nos bolsos e sentiu as cartas de Moiraine. Pegou-as devagar. Tinha uma coisa na qual ele precisava pensar, ela dissera. Recolocando no bolso a carta de Thom, rompeu o lacre da outra. As páginas estavam densamente recobertas pela letra elegante de Moiraine.

Estas palavras vão desaparecer poucos momentos depois que esta carta sair da sua mão — uma proteção feita para você —, então tenha cuidado. O fato de você estar lendo isto significa que certos acontecimentos se passaram nas docas como eu esperava…

Ele parou, os olhos fixos no papel, e então continuou a leitura depressa.

Desde o primeiro dia em que cheguei a Rhuidean, eu soube — e você não deve se dar o trabalho de se perguntar como, já que alguns segredos pertencem aos outros, e não vou traí-los — que haveria um dia em que notícias a respeito de Morgase chegariam a Cairhien. Eu não sabia o conteúdo — se o que escutamos for verdade, que a Luz tenha misericórdia daquela alma, uma mulher voluntariosa e teimosa, às vezes com o gênio de uma leoa, mas, mesmo assim, uma rainha boa e graciosa —, mas, em todas as vezes, tal notícia conduzia às docas no dia seguinte. A partir das docas, havia três caminhos, mas, se você está lendo isto, eu parti, e Lanfear também…

As mãos de Rand apertaram as páginas ainda mais. Ela sempre soube. Soube, e mesmo assim o levou até lá. Apressado, desamassou o papel amarrotado.

Os outros dois caminhos eram muito piores. Em um deles, Lanfear matava você. No outro, levava-o embora e, quando eu o via de novo, você passara a se intitular Lews Therin Telamon, e era amante devoto dela.

Espero que Egwene e Aviendha tenham sobrevivido ilesas. Veja, eu não sei o que vai acontecer com o mundo no futuro, exceto, talvez, por uma coisinha que não tem a ver com você.