Выбрать главу

Não pude lhe dizer, pelo mesmo motivo que não pude contar a Lan. Mesmo conhecendo as opções, eu não sabia ao certo qual você escolheria. Os homens de Dois Rios, ao que parece, têm muito do famoso Manetheren, assim como os homens das Terras da Fronteira. Dizem que um nativo das Terras da Fronteira levaria uma facada para evitar que uma mulher se machucasse, e consideraria justo. Não ousei arriscar que você colocasse minha vida acima da sua, certo de que, de alguma forma, se esquivaria do destino. Não se trata de um risco, eu temo, mas de uma certeza tola, como certamente ficou provado hoje…

— Minha escolha, Moiraine — resmungou ele. — Era minha escolha.

Algumas considerações finais.

Se Lan ainda não partiu, diga-lhe que o que eu fiz com ele foi pensando no melhor. Um dia ele vai entender e, eu espero, me abençoar por isso.

Não confie cegamente em nenhuma mulher que hoje seja uma Aes Sedai. Não me refiro apenas à Ajah Negra, embora você sempre deva ficar atento a elas. Desconfie tanto de Verin quanto de Alviarin. Temos feito o mundo dançar conforme a nossa música durante três mil anos. Esse é um hábito difícil de quebrar, como bem aprendi enquanto dancei conforme a sua música. Você deve dançar como quiser, e até a mais bem-intencionada de minhas irmãs pode tentar guiar seus passos, assim como um dia eu tentei.

Por favor, entregue a carta para Thom Merrilin em segurança quando o encontrar de novo. Há uma pequena questão que tratei com ele certa vez e que, em nome da paz de espírito de Thom, quero esclarecer.

Por fim, fique sempre atento também ao Mestre Jasin Natael. Não o aprovo plenamente, mas entendo. Talvez fosse a única alternativa. Mas tenha cuidado com ele. Ele continua sendo o mesmo homem que sempre foi. Tenha isso sempre em mente.

Que a Luz o ilumine e proteja. Você vai se sair bem.

Estava assinada simplesmente com “Moiraine”. Ela quase nunca utilizara o nome de sua Casa.

Rand releu o penúltimo parágrafo com atenção. De alguma forma, ela sempre soube quem era Asmodean. Só podia ser isso. Soubera que um dos Abandonados estava bem ali, diante dela, e não pestanejara uma vez sequer. Também soubera por quê, caso ele tivesse entendido direito. Rand pensaria que, em uma carta que se apagaria assim que ele a soltasse, Moiraine poderia ser explícita e dizer logo o que queria. Não só no que se referia a Asmodean, mas também sobre como descobrira aquilo tudo em Rhuidean — algo a ver com as Sábias, a não ser que estivesse enganado, e elas não lhe revelariam mais que a carta —, sobre as Aes Sedai — havia alguma razão para ela ter mencionado Verin? E por que Alviarin, em vez de Elaida? — e até sobre Thom e Lan. Rand não achava que ela tivesse deixado uma carta para Lan. O Guardião não era o único que acreditava em feridas limpas. Ele quase abriu a carta endereçada a Thom, mas Moiraine poderia tê-la protegido do mesmo jeito que protegera a dele. Aes Sedai e cairhiena, ela se embrulhara até o fim em mistério e manipulação. Até o fim.

Era isso que ele estava tentando evitar com toda aquela baboseira sobre ela guardar segredos. Moiraine sempre soube o que aconteceria e o acompanhara com a mesma bravura de qualquer Aiel. Veio se encontrar com a morte mesmo sabendo que ela a esperava. Morrera porque ele não conseguira se obrigar a matar Lanfear. Não fora capaz de matar uma mulher, então outra morrera. Os olhos dele retornaram às últimas palavras.

Você vai se sair bem.

Elas cortavam feito navalha.

— Por que está chorando aqui sozinho, Rand al’Thor? Ouvi falar que alguns aguacentos acham vergonhoso ser pego chorando.

Ele cravou os olhos em Sulin, de pé junto à porta. Estava com seu equipamento completo, o arco em um estojo às costas, a aljava na cintura, um broquel redondo de couro e três lanças nas mãos.

— Eu não… — As bochechas dele estavam úmidas. Rand tratou de secá-las. — Está quente aqui. Estou suando feito um… O que você quer? Pensei que tinham decidido me abandonar e voltar para a Terra da Trindade.

— Não fomos nós que abandonamos você, Rand al’Thor. — Sulin fechou a porta atrás de si, sentou-se no chão e largou o broquel e um par de lanças. — Foi você que nos abandonou. — Em um único movimento, a mulher pôs o pé contra a lança que tinha nas mãos, fez pressão, e partiu-a no meio.

— O que você está fazendo? — Ela jogou os dois pedaços para o lado e apanhou mais uma lança. — Eu perguntei o que você está fazendo!

O rosto da Donzela de cabelo branco poderia até ter feito Lan hesitar, mas Rand se curvou e lhe tomou a lança das mãos. O pé dela, revestido em uma bota macia, acabou indo parar nas articulações do dedo dele. E com força.

— Você vai nos mandar vestir saias e nos obrigar a casar e cuidar do lar? Ou vamos ter que ficar do lado da sua fogueira e lamber sua mão sempre que você nos der um pedaço de carne? — Os músculos da mulher se retesaram, e a lança se partiu, as farpas rasgando a palma da mão dele.

Rand praguejou ao afastar a mão ferida e sacudiu as gotículas de sangue.

— Eu não quero nada disso. Achei que vocês tinham entendido. — Sulin apanhou a última lança, posicionou o pé, e Rand canalizou, tecendo Ar para mantê-la na posição em que estava. A mulher apenas o encarou em silêncio. — Que me queime, você não disse nada! Então eu mantive as Donzelas longe da batalha com Couladin. Nem todos lutaram naquele dia. E você nunca disse uma só palavra.

Os olhos de Sulin se arregalaram, incrédulos.

Você impediu as Donzelas de dançarem as lanças? Nós é que impedimos você. Parecia uma garota recém-casada com a lança, pronto para sair correndo e matar Couladin sem nem pensar na lança que poderia atingi-lo pelas costas. Você é o Car’a’carn. Não tem o direito de se arriscar sem necessidade. — A voz dela ganhou um tom neutro. — E agora lá vai você enfrentar o Abandonado. O segredo está bem guardado, mas já ouvi o suficiente daqueles que lideram as outras sociedades.

— E você quer me impedir de lutar dessa vez também? — perguntou ele, bem baixo.

— Não seja tolo, Rand al’Thor. Qualquer um poderia ter dançado as lanças com Couladin. Você ter cogitado correr esse risco foi o pensamento de uma criança. Nenhum de nós é capaz de enfrentar os Devotos da Sombra, só você.

— Então por que…? — Ele fez uma pausa. Já sabia a resposta. Depois daquele dia sangrento contra Couladin, se convencera de que elas não se importariam. Quisera acreditar que não.

— Os que o acompanham foram escolhidos. — As palavras foram ditas como pedras sendo atiradas. — Homens de todas as sociedades. Homens. Não tem nenhuma Donzela, Rand al’Thor. As Far Dareis Mai carregam a sua honra, e você nos tira a nossa.

Ele respirou fundo, atrapalhando-se para encontrar as palavras.

— Eu… não gosto de ver mulheres morrendo. Eu detesto, Sulin. Me embrulha o estômago. Eu não seria capaz de matar uma mulher nem se minha vida dependesse disso. — As páginas da carta de Moiraine farfalhavam em suas mãos. Morta porque ele não fora capaz de matar Lanfear. Nem sempre era só a vida dele. — Sulin, eu preferiria ir até Rahvin sozinho do que ver uma de vocês morrer.

— Bobagem. Qualquer pessoa precisa de outra na retaguarda. Então é Rahvin. Até Roidan, dos Andarilhos do Trovão, e Turol, dos Cães de Pedra, esconderam isso. — Ela deu uma olhada para seu pé erguido, preso contra a lança pelos mesmos fluxos que lhe enredavam os braços. — Me solte, e conversaremos.

Após um momento de hesitação, Rand desfez a tessitura. Estava pronto para amarrá-la de novo, caso necessário, mas Sulin apenas cruzou as pernas e se sentou, quicando a lança nas palmas das mãos.