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— Às vezes eu me esqueço de que você foi criado longe do nosso sangue, Rand al’Thor. Agora me ouça. Eu sou o que eu sou. Isto é o que eu sou. — E levantou a lança.

— Sulin…

— Escute bem, Rand al’Thor. Eu sou a lança. Quando um amante se colocou entre mim e a lança, eu escolhi a lança. Há quem escolha diferente. Algumas decidem que já passaram tempo demais com a lança e que querem um marido, um filho. Eu nunca quis outra coisa. Nenhum chefe hesitaria em me mandar para onde quer que a dança estivesse mais intensa. Se eu morresse lá, minhas irmãs-primeiras fariam luto por mim, mas nem uma unha a mais do que quando nosso irmão-primeiro faleceu. Um Assassino da Árvore que me apunhalasse no coração enquanto eu estivesse dormindo estaria me honrando mais do que você honra. Entende agora?

— Entendo, mas… — Ele de fato entendia. Sulin não queria que ele fizesse dela algo diferente do que era. Tudo o que ele tinha de fazer era estar disposto a vê-la morrer. — O que acontece se você quebrar a última lança?

— Se eu não tenho honra nesta vida, talvez na próxima. — Ela disse aquilo como se fosse apenas outra explicação. Rand levou alguns momentos para compreender. Tudo o que tinha de fazer era estar disposto a vê-la morrer.

— Você não me deixa escolha, não é? — Não mais do que Moiraine deixara.

— Sempre há escolhas, Rand al’Thor. Você tem uma opção, e eu tenho outra. O ji’e’toh só permite isso.

Rand queria rosnar para ela, xingar o ji’e’toh e todos que o seguiam.

— Escolha suas Donzelas, Sulin. Não sei quantas posso levar, mas vão ser tantas Far Dareis Mai quanto de qualquer outra sociedade.

Ele passou rápido por ela, que abriu um sorriso súbito. Não de alívio. De prazer. Prazer porque teria a chance de morrer. Rand devia tê-la deixado amarrada por saidin, amarrada ali para que pudesse lidar com ela quando voltasse de Caemlyn. Abriu a porta com força, avançou a passos largos até o desembarcadouro… e parou.

Enaila encabeçava uma fila de Donzelas, cada uma com três lanças nas mãos. A fila começava junto à porta da cabana e desaparecia no portão da cidade mais próximo. Alguns dos homens Aiel na doca lançavam olhares curiosos para a cena, mas estava bem claro que se tratava de uma questão entre as Far Dareis Mai e o Car’a’carn, e que nenhuma outra sociedade tinha nada a ver com o assunto. Amys e mais três ou quatro Sábias que um dia haviam sido Donzelas observavam com mais atenção. A maior parte dos que não eram Aiel já tinha ido embora, exceto por alguns homens que endireitavam nervosamente as carroças de grãos tombadas e tentavam olhar para o outro lado. Enaila deu um passo na direção de Rand e então parou e sorriu assim que Sulin saiu. Não de alívio. De prazer. Sorrisos de prazer que se estendiam por toda aquela longa fila de Donzelas. Sorrisos das Sábias também, além de um meneio firme de Amys, como se Rand tivesse dado um fim a algum comportamento imbecil.

— Cheguei a pensar que elas entrariam uma a uma para lhe tirar da miséria com beijos — afirmou Mat.

Rand franziu o cenho para ele, que sorria recostado na lança, o chapéu de aba larga na cabeça, inclinado para trás.

— Como você pode estar tão animado? — O cheiro de carne tostada ainda recendia no ar, assim como as lamúrias de homens e mulheres queimados sendo tratados pelas Sábias.

— Porque estou vivo — rosnou Mat. — O que você quer que eu faça? Chore? — Ele deu de ombros, um tanto constrangido. — Amys disse que Egwene vai ficar bem de verdade em alguns dias. — Mat deu uma olhada em volta, mas parecia não querer ver o que via. — Que me queime, se vamos mesmo fazer isso, então vamos. Dovie’andi se tovya sagain.

— O quê?

— Eu disse que é hora de lançar os dados. Sulin tampou seus ouvidos?

— É hora de lançar os dados — concordou Rand. As chamas haviam se extinguido dentro da chaminé vítrea de Ar, mas a fumaça branca ainda subia como se o fogo continuasse consumindo o ter’angreal. Moiraine. Ele deveria ter… O que estava feito estava feito. As Donzelas já se amontoavam ao redor de Sulin, tantas quantas cabiam no desembarcadouro. O que estava feito estava feito, e ele teria que lidar com isso. A morte seria uma libertação de tudo com que ele tinha que conviver. — Então vamos.

54

Para Caemlyn

Quinhentas das Donzelas atrás de Sulin acompanharam Rand de volta ao Palácio Real, onde Bael aguardava no grande pátio interno junto dos portões frontais, ao lado de Andarilhos do Trovão, Olhos Negros, Buscadores das Águas e homens de todas as outras sociedades, seus números lotando o pátio e invadindo o palácio através de todas as portas, até as menores passagens dos serviçais. Alguns assistiam a tudo das janelas mais baixas, esperando sua vez de sair. As sacadas de pedra que circundavam a área estavam desertas. Em todo o pátio, só um dos homens que aguardava não era Aiel. Tairenos e cairhienos — cairhienos, em especial — não davam as caras quando os Aiel se juntavam. A exceção estava de pé acima de Bael nos largos degraus cinzentos que conduziam ao locaclass="underline" Pevin, o estandarte carmesim mal pendurado no mastro, e o fato de estar cercado de Aiel não parecia mexer com ele mais do que qualquer outra situação.

Na garupa da sela, Aviendha agarrava-se a Rand com firmeza, os seios lhe pressionando as costas até o momento em que ele desceu do cavalo. Ela conversara com algumas das Sábias, nas docas, e Rand achava que não deveria ter escutado.

— Vá com a Luz — dissera Amys, tocando o rosto de Aviendha. — E vigie-o de perto. Você sabe quanta coisa depende dele.

— Muita coisa depende de vocês dois — disse Bair a Aviendha, quase em uníssono com Melaine, que advertiu, irritada:

— Seria mais fácil se, a esta altura, você já tivesse conseguido.

— Na minha época, até as Donzelas sabiam como lidar com os homens — rosnou Sorilea.

— Ela tem se saído melhor do que você imagina — afirmou Amys. Aviendha balançou a cabeça. O bracelete de marfim com rosas e espinhos deslizando pelo braço quando ela ergueu a mão para interromper a outra mulher, mas Amys prosseguiu sem dar atenção aos protestos. — Eu esperei que ela mesma nos contasse, mas, já que ela não vai…

Foi então que ela viu Rand a apenas dez pés de distância, as rédeas de Jeade’en nas mãos, e se interrompeu bruscamente. Aviendha se virou para seguir o olhar de Amys e, quando seus olhos o encontraram, um vermelho intenso cobriu seu rosto, e então sumiu tão rápido que até suas bochechas bronzeadas ficaram pálidas. As quatro Sábias cravaram os olhos nele, indecifráveis.

Asmodean e Mat surgiram por trás de Rand, conduzindo seus cavalos.

— Mulheres aprendem esse olhar no berço? — resmungou Mat. — São as mães que ensinam? Eu diria que o poderoso Car’a’carn vai ficar com as orelhas chamuscadas se ficar por aqui por muito mais tempo.

Rand balançou a cabeça e estendeu os braços quando Aviendha girou a perna para descer, então a tirou do dorso do sarapintado. Por um momento, ele a segurou pela cintura e encarou seus límpidos olhos verde-azulados. Ela não desviou o olhar nem alterou sua expressão, mas as mãos se apertaram devagar nos antebraços dele. O que será que ela tinha que conseguir? Rand pensara que Aviendha fora designada pelas Sábias para espioná-lo, mas, sempre que ela perguntava sobre coisas que ele escondia das Sábias, era com raiva explícita por ele manter esses segredos. Nunca com ironia, nunca tentando desencavar alguma coisa. Era ameaçadora, às vezes, mas nunca dissimulada. Ele considerara a possibilidade de que ela fosse como uma das jovens de Colavaere, mas só durante o breve momento que levara para se dar conta da ideia. Aviendha jamais permitiria que a usassem dessa forma. Além do mais, mesmo que fosse o caso, ter dado a ele um gostinho dela para então negar até mesmo um mero beijo, sem falar em tê-lo obrigado a persegui-la por meio mundo, não era uma boa maneira de conduzir a questão. Se ficar nua na frente dele era mais do que natural para ela, era porque os costumes Aiel eram diferentes. Se a aflição dele quanto a isso a satisfazia, provavelmente era porque ela achava divertidíssimo brincar com Rand. Então, o que será que ela tinha que conseguir? Armações por todo lado. Será que todos estavam tramando algo? Ele via o próprio rosto nos olhos dela. Quem dera aquele colar de prata a Aviendha?