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Bom. Parou na extremidade de um dos jardins do Palácio. Os arbustos de rosas e estrelas-brancas pareciam tão enlameados pela seca quanto estariam no palácio de verdade. Em alguns dos pináculos brancos que se erguiam acima dos telhados, o estandarte do Leão Branco ondulava, mas qualquer pináculo poderia mudar em um piscar de olhos. Bom, se eu não preciso dividir a mente com…

Sentia-se estranho. Imaterial. Levantou o braço e o encarou. Conseguia ver o jardim através da manga do casaco e do braço, como se enxergasse em meio à névoa. Uma névoa que se dispersava. Quando olhava para baixo, via os paralelepípedos do caminho através de si mesmo.

Não! O pensamento não foi dele. Uma imagem começou a se solidificar. Um homem alto, de olhos escuros, com o rosto vincado pela preocupação e mais fios brancos que castanhos no cabelo. Eu sou Lews Ther…

Eu sou Rand al’Thor, interrompeu Rand. Ele não sabia o que estava acontecendo, mas o débil Dragão começava a desaparecer do braço enevoado que ele tinha em frente ao rosto. O braço começou a parecer mais escuro, os dedos em sua mão, mais compridos. Eu sou eu. Aquilo ecoou no Vazio. Eu sou Rand al’Thor.

Lutou para formar a imagem de si mesmo na cabeça, batalhando para imaginar o que via todos os dias no espelho ao se barbear, o que via no espelho comprido ao se vestir. Era uma luta frenética. Jamais olhara de fato para si mesmo. As duas imagens se condensavam e se diluíam, o homem mais velho de olhos escuros e o mais jovem de olhos azul-acinzentados. Devagar, a imagem mais jovem se firmou, e a mais velha, desvaneceu. Devagar, seu braço foi ficando mais sólido. Seu braço, com o Dragão enlaçado e a garça marcada na palma da mão. Houvera ocasiões em que detestara aquelas marcas, mas agora, mesmo encapsulado no Vazio apático, quase abriu um sorriso ao vê-las.

Por que Lews Therin tentara tomar posse dele? Para transformá-lo em Lews Therin. Rand tinha certeza de que aquele homem de olhos escuros e rosto sofrido era ele. Por que agora? Por quê, naquele lugar, onde quer que fosse, ele podia fazer isso? Mas… Havia sido Lews Therin quem gritara aquele enfático “não”. Não fora um ataque de Lews Therin. Fora de Rahvin, e sem usar o Poder. Se o homem tivesse sido capaz de fazer isso em Caemlyn, na verdadeira Caemlyn, teria feito. Tinha que ser alguma habilidade que ele adquirira ali. E, se Rahvin a adquirira, talvez Rand também o tivesse. A imagem de si mesmo fora o que o segurara e o trouxera de volta.

Ele se concentrou no arbusto de rosas mais próximo, que tinha uma braça de altura, e o imaginou murchando, sumindo. Obedientemente, a vegetação derreteu até desaparecer, mas, assim que a imagem em sua mente também sumiu, o arbusto voltou, tão de repente quanto sumira.

Rand assentiu, frio. Então havia limites. Sempre havia limites e regras, e ele não sabia quais eram as dali. Mas conhecia o Poder, tudo que Asmodean lhe ensinara e que ele aprendera sozinho, e saidin ainda estava nele, toda a doçura da vida, toda a podridão da morte. Rahvin precisava vê-lo para atacá-lo. Com o Poder, era preciso ver algo para conseguir atingi-lo, ou saber exatamente onde ele estava em relação a si mesmo com a precisão de um fio de cabelo. Talvez fosse diferente naquele lugar, mas Rand achava que não. Quase desejou que Lews Therin não tivesse se calado de novo. Talvez o homem conhecesse aquele lugar e suas regras.

Varandas e janelas davam para o jardim, em alguns pontos a quatro andares de altura. Rahvin tinha tentado… desfazê-lo. Rand agarrou a torrente enfurecida de saidin por meio do angreal. Relâmpagos cintilaram no céu, uma centena de raios de prata bifurcados, até mais, apunhalando cada janela, cada varanda. Trovões preencheram o jardim, fazendo pedaços de pedra estourarem. O próprio ar crepitou, e o pelo dos braços e do peito tentou se eriçar debaixo da camisa. Até os cabelos começaram a se eriçar. Rand deixou os relâmpagos morrerem. Aqui e ali, pedaços de janelas de pedra e de varandas destroçadas se soltavam, o estrondo da queda emudecido pelos ecos dos trovões que ainda ressoavam em seus ouvidos.

Fendas enormes passaram a existir no lugar das janelas. Pareciam as órbitas oculares de alguma caveira monstruosa, as varandas em ruínas feito uma dúzia de bocas estilhaçadas. Se Rahvin estivesse em qualquer uma delas, com certeza teria morrido. Rand só acreditaria quando visse o cadáver. Queria ver Rahvin morto.

Abrindo um sorriso predatório, sem perceber, ele voltou depressa para dentro do palácio. Quisera ver Rahvin morrer.

Nynaeve se jogou de peito no chão e se arrastou pelo piso do salão quando algo atravessou a parede mais próxima com tudo. Moghedien pulou tão rápido quanto ela, mas, caso não o tivesse feito, Nynaeve a teria arrastado pelo a’dam. Teria sido aquilo obra de Rand ou Rahvin? Tinha visto barras de fogo branco, uma luz líquida feito a de Tanchico, e não sentia o menor desejo de voltar a ficar por perto de uma delas. O fogo devastador era uma tessitura que ela não sabia nem queria saber fazer. Que se queimem esses dois tolos, eu quero Curar, não aprender um jeito bonito de matar!

Ela ficou agachada e espiou na direção de onde tinham vindo. Nada. Um corredor vazio do Palácio. Com um rasgo de dez pés de comprimento nas duas paredes, tão exato quanto qualquer pedreiro teria feito, e pedaços de tapeçaria caídos no chão. Nenhum sinal de qualquer dos dois. Até aquele momento, Nynaeve não os vira nem de relance. Vira apenas seus feitos. Às vezes, ela quase fora destruída junto com os tapetes. Ainda bem que podia fazer uso da raiva de Moghedien, filtrá-la do terror que lutava para escapar, e deixar que o sentimento a invadisse. Sua própria raiva era um algo desprezível que mal lhe teria permitido sentir a Fonte Verdadeira, e menos ainda canalizar o fluxo de Espírito que a mantinha em Tel’aran’rhiod.

Moghedien estava curvada abraçando os joelhos e tendo ânsias de vômito. A boca de Nynaeve se estreitou em reprovação. A mulher tentara remover o a’dam mais uma vez. Sua cooperação se dissipara depressa quando elas descobriram que Rand e Rahvin estavam ali em Tel’aran’rhiod. Bem, tentar desatar aquela coleira quando ela estava no próprio pescoço era um castigo em si mesmo. Ao menos Moghedien já não tinha mais nada no estômago, àquela altura.

— Por favor. — Moghedien agarrou a saia de Nynaeve. — Eu estou avisando, nós precisamos ir embora. — O pânico absoluto tornava sua voz sofrida. O terror agoniante de Moghedien se espelhava em sua face. — Eles estão aqui em carne e osso. Em carne e osso!

— Fique quieta — respondeu Nynaeve, distraída. — A menos que você tenha mentido para mim, isso é uma vantagem. Para mim.

A outra mulher afirmou que estar fisicamente no Mundo dos Sonhos limitava o controle sobre o Sonho. Ou melhor, ela admitiu isso, após deixar um pouco de seu conhecimento escapar. Também tinha admitido que Rahvin não conhecia Tel’aran’rhiod tão bem quanto ela. Nynaeve esperava que aquilo significasse que o Abandonado não conhecia aquele mundo tão bem quanto ela. Que o homem conhecia mais que Rand, ela não tinha dúvidas. Aquele cabeça de vento! Qualquer que fosse o motivo para vir atrás de Rahvin, ele jamais deveria ter permitido que o Abandonado o levasse até ali, onde ele não conhecia as regras, onde pensamentos podiam matar.

— Por que você não entende o que eu digo? Mesmo que eles só tivessem sonhado que estavam aqui, seriam mais fortes que nós. Estando aqui de carne e osso, eles podem nos esmagar sem nem piscar. De carne e osso, eles podem canalizar mais saidin do que nós somos capazes de urdir saidar sonhando.

— Estamos unidas.