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Seu quarto era um aposento sem janelas perto do centro do edifício, um dos poucos que não era enorme, embora o teto ainda tivesse altura suficiente para fazer desta a sua maior dimensão. Para o que fora originalmente projetado, Rand não fazia ideia. Um mosaico de trepadeiras em torno da pequena lareira era sua única ornamentação. Ele poderia dizer que se tratava do quarto de um serviçal, mas quartos de serviçais não tinham aquela porta banhada em bronze, ainda que simples, que ele puxou até fechar quase completamente. Gai’shain haviam polido o metal até deixá-lo quase fosco. Havia algumas almofadas com borlas espalhadas pelos azulejos azuis do piso, para se sentar. E, para dormir, havia um espesso estrado encimado por tapetes brilhantes sobrepostos. Uma jarra azul esmaltada bem simples contendo água e uma caneca verde-escura repousavam no chão perto da “cama”. Era tudo, além de duas luminárias de pé com três lamparinas cada, já acesas, e uma pilha de livros de uma passada de altura em um dos cantos. Com um suspiro cansado, Rand se deitou no estrado ainda de casaco e botas. Não importava a posição: dormir ali não era muito mais confortável do que no chão.

O frio da noite já invadia o quarto, mas Rand não se preocupou em acender o esterco de vaca na lareira. Preferia enfrentar o frio do que o fedor. Asmodean tentara lhe mostrar uma maneira simples de manter ambientes aquecidos. Simples, mas que o homem não tivera força suficiente para fazer. Na única vez em que tentara, Rand acordara ofegante, no meio da noite, enquanto as extremidades dos tapetes ardiam em chamas por conta do calor do chão. Não fizera mais nenhuma tentativa.

Rand escolhera aquele edifício como alojamento por estar inteiro e por ficar perto da esplanada. Os tetos belos e altos permitiam um ar mais fresco até nas horas mais quentes do dia, e as paredes espessas isolavam o frio intenso da noite. Claro que não pretendera que o local abrigasse o Teto das Donzelas. Certa manhã, Rand simplesmente acordara e encantara Donzelas em cada aposento dos dois primeiros andares e suas guardas à porta. Levara um tempo para perceber que elas tinham a intenção de fazer do edifício o Teto da sociedade em Rhuidean, mas que esperavam que Rand permanecesse alojado ali. Na verdade, as Donzelas estavam prontas para deslocar o Teto para onde quer que Rand fosse. Por isso precisara se reunir com os chefes de clã em outro local. O máximo que conseguira negociar com as Donzelas fora fazê-las concordar em permanecer no andar inferior ao que ele dormia. Aquilo havia divertido demais todas elas. Nem o Car’a’carn é rei, lembrou, irônico. Já subira dois andares por conta do número cada vez maior de Donzelas. Pensou distraidamente em quantas mais ainda poderiam vir antes que passasse a dormir no telhado.

Era melhor pensar nisso do que se lembrar do modo como deixara Moiraine tirá-lo do sério. Não queria que a Aes Sedai descobrisse seus planos até que os Aiel estivessem em marcha. Moiraine sabia exatamente como manipular as emoções dele, como deixá-lo com tanta raiva que acabava dizendo mais do que gostaria. Eu nunca fui de sentir muita raiva. Por que é tão difícil controlar meu temperamento? Bem, não havia nada que a mulher pudesse fazer para pará-lo. Pelo menos ele achava que não. Precisava se lembrar de ser cuidadoso na presença dela. Com as habilidades aumentando, às vezes era relapso com Moiraine, e, embora Rand fosse bem mais forte, a mulher ainda sabia mais que ele, mesmo com os ensinamentos de Asmodean.

De certa forma, permitir que o Abandonado soubesse de seus planos era menos importante do que revelar suas intenções para a Aes Sedai. Para Moiraine, ainda sou apenas um pastor que ela pode usar para os objetivos da Torre. No entanto, para Asmodean sou o único galho em que ele pode se segurar caso ocorra uma enchente. Estranho pensar que talvez pudesse confiar mais em um dos Abandonados do que em Moiraine. Não que pudesse confiar muito em nenhum dos dois. Asmodean. Se os elos daquele homem com o Tenebroso o protegeram da mácula de saidin, tinha de haver outra maneira de fazer o mesmo. Ou de limpar a mácula.

O problema era que, antes de irem para o lado da Sombra, os Abandonados estavam entre os Aes Sedai mais poderosos da Era das Lendas, época em que coisas com que a Torre Branca jamais sonhara eram banais. Se Asmodean não conhecia um jeito, era porque provavelmente não existia. Tem que existir. Tem que existir alguma coisa. Não vou ficar de braços cruzados enquanto enlouqueço e morro.

Aquilo era uma absoluta tolice. A Profecia já preparara um encontro para Rand em Shayol Ghul. Quando, ele não sabia. Mas, depois disso, já não precisaria se preocupar com estar enlouquecendo. Sentiu um calafrio e pensou em desdobrar os cobertores.

O som distante de pegadas suaves no corredor o fez levantar-se rapidamente. Eu falei para elas! Se não puderem…! A mulher que abriu a porta, carregando espessos cobertores de lã, era alguém que ele não esperava.

Aviendha parou logo na entrada do quarto para observá-lo com os frios olhos azul-esverdeados. Mais do que bonita e de idade próxima à de Rand, ela fora uma Donzela até abrir mão da lança para se tornar Sábia, não muito tempo antes. Seu cabelo escuro e avermelhado ainda estava bem acima dos ombros, e ela mal precisava da faixa marrom para impedi-lo de cair no rosto. Parecia um pouco desajeitada no xale marrom, além de um pouco impaciente com as saias cinza.

Rand sentiu uma ponta de ciúme por conta do colar de prata que Aviendha usava, um elaborado cordão com discos intricadamente trabalhados, um diferente do outro. Quem lhe deu isto? A jovem não teria escolhido a peça sozinha, não parecia gostar de joias. A única outra peça que usava era um bracelete largo de marfim com detalhados entalhes de rosas. Fora presente dele, que ainda não tinha certeza de ela já o ter perdoado por isso. Em todo caso, sentir ciúme era uma bobagem de sua parte.

— Faz dez dias que não nos vemos — comentou Rand. — Pensei que as Sábias fossem amarrar você ao meu braço assim que descobrissem que eu as bloqueei dos meus sonhos. — Asmodean havia se divertido com a primeira coisa que Rand quisera aprender, mas depois se frustrara com o tempo que ele levara para dominar a técnica.

— Tenho um treinamento a fazer, Rand al’Thor. — Ela seria uma das poucas Sábias capazes de canalizar. Aquilo fazia parte do que lhe estava sendo ensinado. — Não sou uma das suas aguacentas, que ficam à disposição para você poder olhar para elas quando tiver vontade. — Apesar de conhecer Egwene, e até Elayne, aliás, Aviendha tinha uma visão estranhamente deturpada das mulheres que chamava de aguacentas, e de todos os aguacentos, em geral. — Elas não estão nada contentes com o que você fez. — Referia-se a Amys, Bair e Melaine, as três Sábias Andarilhas dos Sonhos que a estavam treinando e que tentavam vigiá-lo. Aviendha balançou a cabeça de forma pesarosa. — Ficaram bem chateadas por eu ter deixado você descobrir que elas estavam caminhando nos seus sonhos.

Rand a encarou.

— Você contou a elas? Mas você nem chegou a me dizer nada. Eu descobri sozinho, e acabaria descobrindo mesmo que você não tivesse deixado escapar aquela dica. Aviendha, elas me disseram que conseguiam falar com as pessoas em sonhos. Depois daí, foi só um passo.

— Você queria que eu me desonrasse ainda mais? — Sua voz soava tranquila, mas os olhos poderiam ter ateado fogo na lareira. — Não vou me desonrar por você e nem por homem nenhum! Eu lhe dei a dica e não vou negar minha vergonha. Devia ter deixado você congelar. — Aviendha arremessou os cobertores na cabeça dele.

Rand se livrou dos tecidos e os largou no estrado ao lado enquanto tentava pensar no que dizer. O ji’e’toh outra vez. Aviendha estava tão arredia quanto um espinheiro. Em tese, ela recebera a incumbência de ensiná-lo os costumes Aiel, mas Rand sabia que a verdadeira tarefa era espioná-lo para as Sábias. Qualquer desonra que a atividade de espionar carregasse entre os Aiel aparentemente não se estendia àquelas mulheres. Todas sabiam que ele sabia, mas, por algum motivo, isso não parecia preocupá-las. E se as Sábias estavam dispostas a manter a questão assim, por Rand, tudo bem. Para começar, Aviendha não era das melhores como espiã. Quase nunca tentava descobrir nada, e seu temperamento não permitia que causasse em Rand a raiva ou a culpa que Moiraine despertava. Além disso, quando se esquecia de deixar os espinhos à mostra, podia ser uma companhia agradável. Pelo menos Rand sabia quem era a pessoa que Amys e as outras haviam designado para vigiá-lo. Se não fosse ela, seria outra, e ele ficaria o tempo todo se perguntando quem. Fora isso, Aviendha não parecia ficar nervosa com a presença dele.