A gargalhada do Padeiro veio de imediato. — Será interessante ver como. Não me despreze porque não tive educação, Tive outras coisas. Olhe, passe a noite pensando nisto. Talvez decida-se a aceitar ajuda.
Os olhos de Valona estavam abertos na escuridão. Sua cama era somente um cobertor atirado ao chão, mas era quase tão boa quanto as camas a que estava acostumada. Rik dormia profundamente sobre outro cobertor em um canto oposto. Sempre dormia profundamente em dias de excitação depois que suas dores de cabeça passavam.
O Conselheiro havia recusado uma cama e o Padeiro rira (parecia que ria de tudo), apagou a luz e disse-lhe que estivesse à vontade para sentar na escuridão.
Os olhos de Valona permaneceram abertos. O sono estava muito distante. Dormiria novamente? Ela havia nocauteado um patrulheiro!
Inexplicavelmente, estava pensando em seus pais.
Eles estavam muito obscuros em sua mente. Ela quase se esquecera deles, após tantos anos de separação. Mas agora lembrava-se do som das conversas sussurradas durante a noite, quando pensavam que ela já adormecera. Lembrava-se de pessoas que vinham das trevas.
Os patrulheiros haviam-na acordado uma noite e fizeram-lhe perguntas que ela não poderia entender mas tentava responder. Nunca mais vira seus pais novamente depois disso. Eles haviam desaparecido, contaram-lhe, e no dia seguinte ela fora colocada a trabalhar, quando outras crianças de sua idade ainda teriam dois anos para brincadeiras. As pessoas a observavam quando ela passava e as outras crianças estavam proibidas de brincar com ela, mesmo quando o período de trabalho estava encerrado. Ela aprendeu a manter-se sozinha. Aprendeu a não falar. Assim a apelidaram “Grande Lona” e riam dela e diziam que era imbecil.
Por que a conversa noturna lembrou-lhe seus pais?
— Valona.
A voz estava tão próxima que seu leve sopro agitou seu cabelo e tão baixa que mal podia ouvi-la. Ficou tensa, parcialmente por medo, parcialmente embaraçada. Havia somente um lençol sobre seu corpo nu.
Era o Conselheiro. — Não diga nada — sussurrou. — Somente ouça. Estou indo embora. A porta não está trancada. Mas voltarei, assim mesmo. Você está me ouvindo? Você me entendeu?
Estendeu sua mão no escuro, agarrou a dele, pressionou-a com seus dedos. Estava satisfeita.
— E cuide de Rik. Não o deixe longe de seus olhos. E, Valona… — houve uma longa pausa, então ele continuou — … não confie muito neste Padeiro. Eu não sei nada a seu respeito. Você entende?
Ouviu-se um ruído fraco de movimento, e um estalo ainda mais fraco. Ele se fora. Ela apoiou-se em um cotovelo, e, exceto pela respiração de Rik e a sua, havia somente o silêncio.
Fechou as pálpebras na escuridão, apertando-as, tentando pensar. Por que o Conselheiro, que sabia de tudo, falara aquilo sobre o Padeiro, que odiava patrulheiros e os havia salvado? Por quê?
Poderia pensar somente numa coisa. Ele tinha estado lá. Somente quando as coisas pareciam tão negras quanto poderiam estar, o Padeiro viera e agira rapidamente. Era quase como se fosse arranjado ou como se o Padeiro estivesse esperando que tudo isto acontecesse.
Ela balançou sua cabeça. Parecia estranho. Se não fosse pelo que o Conselheiro havia dito, ela nunca pensaria assim.
O silêncio foi quebrado em peças estremecidas por uma observação em voz alta e despreocupada. — Olá? Ainda aqui?
Gelou quando um facho de luz a atingiu em cheio. Lentamente relaxou e puxou o lençol para seu pescoço. O facho enfraqueceu.
Não teve de imaginar a identidade do novo interlocutor. Sua forma atarracada cresceu na meia-luz que vazava para trás da fonte de luz.
— Você sabe — disse o Padeiro —, eu pensei que você tivesse ido com ele.
— Quem, senhor? — disse Valona, fracamente.
— O Conselheiro. Você sabe que ele foi embora, garota. Não perca tempo fingindo.
— Ele voltará, senhor.
— Ele falou que voltaria? Se voltar, estará errado. Os patrulheiros o pegarão. Ele não é um homem muito esperto, o Conselheiro, ou saberia quando uma porta é deixada aberta com um propósito. Vocês estão planejando ir embora também?
— Eu esperarei pelo Conselheiro — disse Valona.
— Faça o que bem entender. Será uma longa espera. Vá quando lhe der vontade.
Seu facho de luz de repente deixou-a de vez e. passeou pelo chão, escolhendo o rosto pálido, magro, de Rik. As pálpebras de Rik apertaram-se automaticamente, ao impacto da luz, mas continuou dormindo.
A voz do Padeiro tomou-se bondosa — Mas para mim tanto faz que você vá desde que alguém fique. Você entende isso, eu suponho. Se você decidir ir embora, a porta está aberta, mas não está aberta para ele.
— Ele é apenas uma pessoa doente, infeliz… — Valona começou a falar em um tom alto, horrorizado.
— É? Bem, eu recolho caras infelizes e doentes e este permanece aqui, lembre-se disso!
O facho de luz não se moveu do rosto adormecido de Rik.
5. O Cientista
O Dr. Selim Junz havia sido impaciente por um ano, mas ninguém se acostuma à impaciência com o tempo. Muito pelo contrário. Contudo, o ano ensinara-lhe que o Funcionalismo Público Sarkiano não poderia ser apressado; tudo o mais era assim desde que os próprios funcionários públicos eram em grande parte florinianos transferidos e portanto horrivelmente atentos à sua própria dignidade.
Uma vez perguntara ao velho Abel, o Embaixador Trantoriano, que havia vivido em Sark tanto tempo que suas botas haviam criado raízes, porque os sarkianos permitiam que seus departamentos governamentais funcionassem através das mesmas pessoas que desprezavam tão visceralmente.
Abel franzira seus olhos sobre um copo de vinho verde.
— Política, Junz — disse. — Política. Uma questão de genética prática, levada adiante com lógica sarkiana. Formam um mundo pequeno, sem importância, esses sarkianos, por si mesmos, e somente são importantes enquanto controlam essa eterna mina de ouro, Florina. Assim, a cada ano examinam os campos e vilas de Florina, levando a nata de sua juventude a Sark para treinamento. Os medíocres são preparados para preencher seus papéis e preencher seus questionários e assinar seus formulários, e aqueles realmente talentosos são mandados de volta a Florina para servirem como governadores nativos para as cidades. Chamam-nos Conselheiros.
O Dr. Junz era um analista espacial, primariamente. Não conseguia enxergar de todo o ponto principal naquilo tudo. Disse-lhe isso.
Abel apontou um indicador grosso e enrugado para Junz e a luz verde que brilhava através do conteúdo de seu copo tocou sua unha sulcada e suavizou sua cor amarelo.acinzentada.
Disse: — Você nunca formará um administrador. Não me peça recomendações. Olhe, os elementos mais inteligentes de Florina são conquistados pela causa sarkiana, sinceramente, já que, enquanto servirem Sark, serão bem tratados, enquanto que, se virarem suas costas para Sark, o melhor que poderão esperar é um retomo à existência floriniana, que não é boa, amigo, não é boa.
Engoliu o vinho de uma vez e continuou: — Além disso, nem os Conselheiros nem os assistentes clericais de Sark podem procriar sem perder suas posições. Isto é, até mesmo com mulheres de Florina. A miscigenação com sarkianos está, é lógico, fora de cogitação. Desta forma o melhor dos gens florinianos está sendo continuamente retirado de circulação, de forma que gradualmente será composta somente de lenhadores e puxadores de água.
— Ficarão sem funcionários nesse ritmo, não?
— Um problema para o futuro.
Então o Dr. Junz sentou-se em uma das ante-salas externas do Departamento para Assuntos Florinianos e esperou impacientemente que lhe fosse permitido passar as lentas barreiras, enquanto que subalternos florinianos moviam-se rápida e interminavelmente através de um labirinto burocrático.