— E o que você teria para eu fazer? Eu, devo dizer-lhe, ainda não estou certo. — Abel parecia indiferente.
— Verifique se eles o mataram — disse Junz severamente. — Você deve ter uma organização de espionagem aqui. Ora, não façamos rodeios. Eu tenho perambulado pela Galáxia o tempo suficiente para ultrapassar minha adolescência política. Chegue ao fundo disto enquanto eu distraio sua atenção com as negociações com as bibliotecas. E quando você descobrir neles os assassinos que são, eu quero que Trantor saiba para que nenhum governo em qualquer parte da Galáxia jamais tenha novamente a idéia de que pode matar um homem do DAI e escapar impune.
E aí terminou sua primeira entrevista com Abel.
Junz estava certo quanto a uma coisa. Os oficiais sarkianos foram cooperativos e até mesmo simpáticos até onde os arranjos para as bibliotecas estavam relacionados.
Mas parecia errado quanto a tudo o mais. Os meses se passaram, e os agentes de Abel não puderam encontrar qualquer pista do desaparecido homem de campo em qualquer lugar de Sark, vivo ou morto.
Por mais de onze meses isto pareceu real. Por pouco, Junz começou a sentir-se pronto a desistir. Por pouco, decidiu esperar o décimo segundo mês ser completado e então nenhum mais. E então a brecha chegara e não da parte de Abel, em absoluto, mas do quase esquecido homem insignificante que ele próprio havia criado. Chegara um comunicado da Biblioteca Pública de Sark e Junz encontrava-se agora sentado à escrivaninha de um funcionário público floriniano no Departamento de Assuntos Florinianos.
O escrivão completou seu arranjo mental do caso. Virara a última folha.
Levantou os olhos. — O que posso fazer pelo senhor, agora?
Junz falou com precisão. — Ontem, às 16:22, fui informado de que a filial floriniana da Biblioteca Pública de Sark tentou deter um homem para mim que tentara consultar dois textos-chaves para a Análise Espacial e que não era um nativo sarkiano. Não tive notícias da biblioteca desde então.
Continuou, elevando sua voz para anular qualquer comentário do escrivão. Disse: — Um boletim de telejornal recebido de um instrumento público pertencente ao hotel em que mantenho residência, às 17:05 de ontem, afirmava que um membro da Patrulha Floriniana havia sido golpeado à inconsciência na filial floriniana da Biblioteca Pública de Sark e que se acreditava que três nativos de Florina eram responsáveis pela violência e estavam sendo perseguidos. Este boletim não foi repetido nos sumários de notícias transmitidos posteriormente.
— Agora não tenho dúvidas de que essas duas peças de informação estão relacionadas. Não tenho dúvidas de que o homem que quero está sob custódia da Patrulha. Pedi permissão para viajar para Florina e foi recusada. Mandei um subetérico a Florina para enviar-me o homem em questão a Sark e não recebi resposta. Vim ao Departamento para Assuntos Florinianos para exigir ação a respeito disso. Ou vou lá ou ele vem aqui.
A voz sem vida do escrivão disse: — O governo de Sark não pode aceitar ultimatos de oficiais do DAI. Fui alertado por meus superiores que o senhor provavelmente me interrogaria a respeito desses assuntos e tenho sido instruído quanto aos fatos de que posso dar-lhe conhecimento. O homem denunciado como o que consultava os textos reservados, juntamente com dois companheiros, um Conselheiro e uma mulher floriniana, realmente cometeu a agressão a que o senhor se referiu, e eles foram perseguidos pela Patrulha. Entretanto, não foram presos.
Um amargo desapontamento arrebatou Junz. Não se preocupou em tentar escondê-lo. — Eles escaparam?
— Não exatamente. Foram seguidos até a padaria de um certo Matt Khorov.
Junz olhou-o fixamente. — E deixaram que ficassem lá?
— O senhor tem conferenciado com Sua Excelência, Ludigan Abel, ultimamente?
— O que tem isso a ver com…
— Fomos informados de que o senhor tem sido freqüentemente visto na Embaixada Trantoriana.
— Não vejo o Embaixador há uma semana.
— Então eu sugiro que o veja. Permitimos que criminosos permaneçam incólumes na padaria de Khorov em respeito a nossas delicadas relações interestelares com Trantor. Fui instruído para dizer-lhe, se parecesse necessário, que Khorov, como provavelmente não se surpreenderá ao ouvir — e aqui o rosto branco assumiu algo extra ordinário como um sorriso de escárnio — é conhecido por nosso Departamento de Segurança como um agente de Trantor.
6. O Embaixador
Foi dez horas antes que Junz tivesse sua entrevista com o escrivão que Terens deixou a padaria de Khorov.
Terens mantinha uma das mãos nas superfícies ásperas das cabanas dos operários pelas quais passava, enquanto caminhava cautelosa mente ao longo das vielas da Cidade. Exceto pela pálida luz que escorria num tremeluzir periódico da Cidade Superior, estava em total escuridão. A luz que porventura houvesse na Cidade Inferior seria os clarões perolados dos patrulheiros, marchando aos pares ou trios.
A Cidade Inferior jazia como um nocivo monstro sonolento, suas bobinas engorduradas escondidas pela resplandecente cobertura da Cidade Superior. Partes dela provavelmente mantinham uma vida às sombras quando a produção era recolhida e armazenada para o dia seguinte, mas isto não acontecia aqui, não nestes bairros pobres.
Terens encolheu-se em uma viela suja (mesmo os chuviscos noturnos de Florina quase não podiam penetrar nas regiões sombrias abaixo do cimentoliga) quando o retinir distante de passos o atingiu. Luzes apareceram, passaram e desapareceram a cem metros de distância.
Durante toda a noite os patrulheiros marchavam de um lado para outro. Precisavam somente marchar. O medo que inspiravam era forte o bastante para manter a ordem com quase nenhuma demonstração de força. Sem as luzes da Cidade, a escuridão bem poderia ser a cobertura para inúmeros humanos mal-intencionados, mas mesmo sem patrulheiros como uma ameaça distante, este perigo poderia ser desprezado. Os armazéns de produtos alimentícios e as oficinas eram bem guardados; o luxo da Cidade Superior era inatingível; e roubar um outro, parasitar a miséria de outro qualquer, era obviamente fútil.
O que seria considerado crime em outros mundos virtualmente não o era aqui na escuridão. O pobre estava à mão mas era mantido ‘limpo”, e o rico estava estritamente fora de alcance.
Terens movia-se rapidamente, seu rosto era iluminado quando passava sob uma das aberturas no cimentoliga, e não poderia evitar de olhar para cima.
Fora de alcance!
Estariam eles realmente fora de alcance? Quantas mudanças de atitude ante os Nobres de Sark teria de aturar em sua vida? Quando era uma criança, tinha sido apenas uma criança. Os patrulheiros eram monstros em negro e prata, de quem se fugia como uma questão de rotina, quer se tivesse feito algo errado ou não. Os Nobres eram super-homens enevoados e míticos, imensamente bons, que viviam em um paraíso conhecido como Sark e meditavam vigilante e pacientemente pelo bem-estar dos tolos homens e mulheres de Florina.
Repetia todo dia, na escola: Possa o Espírito da Galáxia zelar pelos Nobres enquanto eles zelam por nós.
Sim, pensava agora, exatamente! Exatamente! Seja o Espírito para eles o que eles são para nós. Nem mais nem menos. Seus punhos cerraram-se e brilharam na noite.
Quando tinha dez anos, havia escrito um ensaio para a escola sobre como imaginava a vida em Sark. Havia sido um trabalho de imaginação puramente criativa, planejado para demonstrar sua caligrafia. Lembrava-se muito pouco, somente uma passagem de fato. Nela, descrevia os Nobres, reunidos todas as manhãs em um grande salão de cores como as das flores kyrt e eretos meio circunspectos em um esplendor de dez metros de altura, debatendo os pecados dos florinianos, e pesarosamente e lúgubres quanto à necessidade de conquistá-los de volta à virtude.