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O professor ficara muito satisfeito, e no final do ano, quando os outros meninos e meninas prosseguiam em suas curtas aulas de leitura, escrita e moralidade, fora promovido a uma classe especial onde aprendeu aritmética, galactografia e história sarkiana. Com dezesseis anos de idade fora levado para Sark.

Podia ainda lembrar-se da grandeza daquele dia, e estremeceu com essa lembrança. A consciência disso o envergonhou.

Terens se aproximava dos arredores da cidade, agora. Uma brisa ocasional trouxe-lhe o pesado aroma noturno das flores kyrt. Mais uns poucos minutos e estaria na relativa segurança dos campos abertos onde não havia batidas regulares de patrulheiros e onde, através das recortadas nuvens noturnas, veria as estrelas novamente. Até mesmo a estrela amarela brilhante, forte, que era o Sol de Sark.

Fora o seu Sol por metade de sua vida. Quando o viu pela primeira vez através da escotilha da espaçonave e percebeu que, mais que uma estrela, era uma pequena bola de gude intoleravelmente brilhante, quisera ajoelhar-se. A idéia de que estava se aproximando do paraíso removeu até mesmo o paralisante pavor de sua primeira viagem espacial.

Pousara em seu paraíso, e fora conduzido a um velho floriniano que verificou se estava limpo e vestido adequadamente. Foi levado para um grande edifício, e no caminho seu idoso guia curvou-se para alguém que passava.

— Curve-se! — o velho sussurrou raivosamente para o jovem Terens.

Terens obedeceu e estava confuso. — Quem era aquele?

— Um Nobre, seu peão ignorante.

— Ele! Um nobre?

Detivera-se inanimado no meio do caminho e tivera de ser impelido para a frente. Era sua primeira visão de um Nobre. Não tinha absolutamente dez metros de altura, mas era um homem como outro qualquer. Outros jovens florinianos poderiam ter se recuperado do choque de tal desilusão, mas não Terens. Algo mudara dentro dele, mudara permanentemente.

Em todo o treinamento que recebeu, em todos os estudos em que se houve tão bem, nunca esqueceu que os Nobres eram homens.

Por dez anos estudou, e quando não estudava, nem se alimentava e nem dormia, era ensinado a tornar-se útil em muitas pequenas coisas. Era ensinado a enviar mensagens e esvaziar cestos de lixo, a curvar-se quando passava um Nobre e a virar respeitosamente o rosto para a parede quando passava uma Dama.

Por outros cinco anos trabalhou no Funcionalismo Público, transferido de posto para posto, como de hábito, para que suas potencialidades fossem melhor testadas nas mais variadas condições.

Um floriniano gorducho, delicado, visitou-o certa vez, sorrindo à sua amizade, abraçando-o gentilmente, e perguntando o que ele pensava dos Nobres.

Terens reprimiu um desejo de virar-se e correr. Imaginava se seus pensamentos poderiam imprimir-se em algum código obscuro nas linhas de seu rosto. Balançou a cabeça, murmurou uma penca de banalidades quanto à bondade dos Nobres.

Mas o gorducho mordeu os lábios e disse: — Você não acredita nisso. Vá a este lugar esta noite. — Deu-lhe um pequeno cartão, que amassou e queimou em poucos minutos.

Terens foi. Estava preocupado, mas muito curioso. Lá encontrou amigos seus, que o olhavam com reservas e que posteriormente encontraram-no no trabalho com amenos olhares de indiferença.

Ouviu o que diziam e viu que muitos pareciam acreditar no que ele armazenara em sua própria mente e honestamente pensava ser criação sua e de mais ninguém.

Aprendeu que no mínimo alguns florinianos pensavam nos Nobres como sendo brutos desprezíveis que sangravam Florina de suas riquezas para seu próprio proveito inútil enquanto deixavam os trabalhadores nativos chafurdar em ignorância e pobreza. Aprendeu que a hora estaria chegando quando haveria uma insurreição gigante contra Sark e todo o luxo e opulência seriam tomados por seus legítimos donos.

Como? Perguntou Terens. Perguntou vezes e vezes sem conta. Afinal, os Nobres e os patrulheiros tinham as armas.

E falaram-lhe de Trantor, do gigantesco império que havia crescido nos últimos séculos até que metade dos mundos desabitados da Galáxia fosse sua parte. Trantor, diziam, destruiria Sark com a ajuda dos florinianos.

Mas, disse Terens, primeiro para si mesmo, depois para os outros, se Trantor era tão grande e Florina tão pequena, Trantor simplesmente não substituiria Sark como um dominador ainda maior e mais tirânico? Se esta fosse a única escapatória, Sark teria de ser tolerado preferivelmente. Era melhor o dominador que conheciam do que aquele que não conheciam.

Foi ridicularizado e expulso, com ameaças contra sua vida se em qualquer ocasião falasse sobre o que ouvira.

Mas, algum tempo depois notou que um a um os conspiradores desapareciam, até que somente o gorducho original restasse.

Ocasionalmente vira este sussurrar para algum recém-chegado aqui e ali, mas não seria seguro avisar a jovem vitima de que estava sendo apresentada a uma tentação e um teste. Ela teria de encontrar seu próprio caminho, como Terens.

Terens até mesmo passou algum tempo no Departamento de Segurança, o que somente uns poucos florinianos poderiam esperar cumprir. Foi uma curta permanência, pois o poder vinculado a um oficial da Segurança era tal que o tempo que lá passava qualquer indivíduo era ainda menor que em outro lugar qualquer.

Mas aqui Terens verificou, um pouco para sua surpresa, que havia conspirações reais a serem contidas. Por alguma razão homens e mulheres encontravam-se em Florina e tramavam uma rebelião. Normalmente, estas eram sub-repticiamente sustentadas por dinheiro trantoriano. Algumas vezes os supostos rebeldes realmente pensavam que Florina teria sucesso sem ajuda.

Terens meditou sobre o assunto. Suas palavras eram poucas, sua postura correta, mas seus pensamentos vagueavam descontroladamente. Odiava os Nobres, em parte porque não tinham dez metros de altura, em parte porque ele não poderia olhar suas mulheres, e em parte porque servira a uns poucos, e vira que para toda sua arrogância eram criaturas fúteis, não mais educadas que ele mesmo e normalmente muito menos inteligentes.

Contudo, que alternativa haveria para sua escravidão pessoal? Trocar o estúpido Nobre sarkiano pelo estúpido Imperialista trantoriano era inútil. Esperar que os colonos florinianos fizessem algo por si mesmos era fantasticamente tolo. Assim, não havia saída.

Era o problema que estivera em sua mente por anos, como estudante, como subalterno e como Conselheiro.

E então surgira o peculiar conjunto de circunstâncias que colocaram uma resposta jamais sonhada em suas mãos e na pessoa deste homem de aparência insignificante que fora uma vez um analista espacial e que agora balbuciava algo que punha a vida de todos, homens e mulheres de Florina, em perigo.

Terens estava nos campos agora, onde a chuva noturna se dissipava e as estrelas brilhavam na umidade por entre as nuvens. Aspirou profundamente o kyrt que era o tesouro de Florina e sua maldição.

Não tinha mais ilusões. Não mais era um Conselheiro. Não era nem mesmo um camponês floriniano livre. Era um criminoso em fuga, um fugitivo que devia esconder-se.

Contudo, havia uma combustão em sua mente. Nas últimas vinte e quatro horas tivera em suas mãos a maior arma contra Sark que alguém poderia ter sonhado. Não havia dúvidas quanto a ela. Ele sabia que Rik lembrava-se corretamente, que fora um analista espacial uma vez, que fora psico-sondado até quase a eliminação de seu cérebro, e que o que se lembrava era algo real e horrível e… poderoso.

Estava certo disso.

E agora este Rik estava nas grossas mãos de um homem que pretendia ser um patriota floriniano, mas realmente era um agente trantoriano.

Terens sentiu o amargor de seu ódio no fundo da garganta. Claro que este padeiro era um agente trantoriano. Não tinha dúvidas disso desde o primeiro momento. Quem mais entre os habitantes da Cidade Inferior teria o capital para construir um falso forno-radar?