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Continuou fornecendo detalhes, fazendo perguntas, ouvindo suas respostas.

Rik estava satisfeito por ser capaz de demonstrar as operações de sua memória, sua capacidade de aprender facilmente, mas os olhos de Valona estavam obscuros pela preocupação.

O Padeiro não estava cego para isso. Disse para a garota: — Se você me causar o mínimo problema eu o enviarei sozinho e deixarei você para trás.

As fortes mãos de Valona cerraram-se espasmodicamente. — Não vou te causar problemas.

O Sol já ia alto quando o Padeiro levantou-se e disse: — Vamos!

Sua última ação foi colocar pequenas tiras pretas flexíveis imitando couro nos seus bolsos de cima.

Uma vez fora do esconderijo, Rik olhou com espanto o que podia ver de si mesmo. Não entendia como aquelas roupas podiam ser tão complicadas. O Padeiro o ajudara a colocá-las, mas quem o ajudaria a tirá-las? Valona não parecia de modo algum uma camponesa. Mesmo suas pernas estavam cobertas com um material fino, e seus sapatos eram elevados nos calcanhares de forma que tinha de equilibrar-se cuidadosamente enquanto andava.

Passantes reuniam-se, olhavam fixa e embasbacadamente, chaman do mais alguém. A maioria eram crianças, algumas mulheres, e vagabundos esfarrapados, esquivos. O Padeiro parecia indiferente a eles. Carregava um grosso bastão que colocava, ocasionalmente, como que por acaso, entre as pernas de quem quer que passasse muito perto.

E então, quando estavam distantes somente uns cem metros da padaria, e haviam contornado só uma esquina, as filas externas da multidão ao redor entraram em redemoinho excitadamente e Rik divisou o negro e prateado de um patrulheiro.

Foi então que aconteceu. A arma, o jato, e novamente uma selvagem revoada. Houve algum momento em que o medo não estivesse com ele, em que a sombra de um patrulheiro não estivesse atrás dele? Encontraram-se na esqualidez de um dos distritos afastados da Cidade. Valona arquejava asperamente; seu novo vestido apresentava as manchas úmidas da transpiração.

Rik ofegava — Não posso mais correr.

— Temos de correr.

— Não assim. Ouça. — Pulou para trás firmemente contra a pressão do agarro da mão da garota. — Ouça-me.

O terror e o pânico o estavam deixando.

— Por que não continuamos e fazemos o que o Padeiro queria que fizéssemos? — perguntou Rik.

— Como você sabe o que ele queria que a gente fizesse? — disse ela. Estava ansiosa. Queria continuar a fuga.

— Devíamos fingir que éramos de outro mundo, e ele nos deu isso. — Rik estava excitado. Tirou o pequeno retângulo de seu bolso, olhando ambos os lados e tentando abri-lo como se fosse um livrinho.

Não poderia. Era uma tira única. Examinou as bordas e quando seus dedos chegavam a um dos cantos ele ouvia, ou melhor, sentia, algo ceder, e a face virada para seus olhos tomava uma assustadora cor branco leitoso. O fraseado nela contido era difícil de entender, embora ele começasse a decifrar as sílabas.

— É um passaporte — disse finalmente.

— O que é isso?

— Algo para escaparmos daqui. — Estava certo disso. Estourara em sua cabeça. Uma única palavra, “passaporte”, como essa. — Não percebe? Ele estava tentando tirar a gente de Florina. Numa nave. Vamos terminar isso.

— Não — disse Lona. — Eles pararam ele. Eles mataram ele. Nós não poderíamos, Rik, não poderíamos.

Ele insistia nisso. Estava quase balbuciando. — Mas seria a melhor coisa a fazer. Eles não estariam esperando que fizéssemos isso. E não iríamos na nave em que ele queria que fôssemos. Eles a estariam vigiando. Iríamos em outra nave. Qualquer outra nave.

Uma nave. Qualquer nave. As palavras repicavam em seus ouvi-dos. Se sua idéia era boa ou não, não se importava. Queria estar em uma nave. Queria estar no espaço.

— Por favor, Lona!

— Está bem — disse ela. — Se você realmente pensa assim. Eu sei onde fica o aeroporto. Quando era uma garotinha costumava ir lá algumas vezes nos dias de folga e olhar de muito longe para ver as naves subirem velozmente.

Estavam de novo em seu caminho, e somente uma leve inquietação arranhava em vão a porta da consciência de Rik. Certa lembrança, não do passado longínquo, mas do passado muito próximo; alguma coisa de que deveria lembrar-se e não podia; realmente não podia. Alguma coisa.

Afogara-a na idéia da nave que esperava por eles.

O floriniano no portão de entrada estava se fartando de excitação naquele dia, mas era excitação a longa distância. Havia as selva gens histórias da tarde anterior, narrando ataques a patrulheiros e fugas audaciosas. Nesta manhã, as histórias se espalharam e havia boatos de patrulheiros mortos.

Não ousou deixar seu posto, mas esticou o pescoço e observou os discos passarem, e patrulheiros carrancudos irem embora, enquanto o contingente no espaçoporto diminuía, diminuía, até que fosse quase nenhum.

Estavam enchendo a Cidade de patrulheiros, pensou, e estava simultaneamente aterrorizado e com o moral ebriamente alto. Por que pensar em patrulheiros sendo mortos deveria fazê-lo feliz? Nunca o aborreceram. Ao menos não muito. Tinha um bom trabalho. Não era como se fosse um estúpido camponês.

Mas estava feliz.

Mal teve tempo para o casal diante de si, desconfortável e transpirando em roupas bizarras que os distinguia como estrangeiros. A mulher estava mostrando um passaporte através da abertura.

Uma olhada para ela, uma olhada para o passaporte, uma olhada na lista de reservas. Pressionou o botão adequado e duas faixas de filme translucentes saltaram para eles.

— Vão em frente — disse impacientemente. — Coloquem em seus pulsos e vão embora.

— Qual nave é a nossa? — perguntou a mulher em um sussurro polido.

Isto o agradou. Não eram freqüentes estrangeiros no espaçoporto floriniano. Nos últimos anos haviam se tornado cada vez menos freqüentes. Mas quando vieram não eram patrulheiros nem Nobres. Pareciam não imaginar que ele era somente um floriniano e falavam-lhe polidamente.

Isso o fez sentir-se bem melhor. Disse: — Vai encontrá-la no ancoradouro 17, madame. Desejo.lhe uma viagem agradável a Wotex.

Disse isto em grande estilo.

Então retornou à sua tarefa de fazer sub-reptícias chamadas para amigos da Cidade para obter mais informações e de tentar, até mesmo mais discretamente, interceptar conversas privadas em raios de força na Cidade Superior.

Passaram-se horas antes que descobrisse que havia cometido um erro horrível.

— Lona! — disse Rik.

Puxava-a pelo cotovelo, apontando rapidamente e sussurrando.

— Aquele!

Valona olhou a nave indicada duvidosamente. Era muito menor que a nave do ancoradouro 17, para a qual suas passagens eram válidas. Parecia mais polida. Quatro comportas de ar abriam-se como bocejando e a porta principal escancarava-se, com uma rampa conduzindo dela ao chão como uma língua estendida.

— Estão arejando-o — disse Rik. — Normalmente ventilam naves de passageiros antes dos vôos para limpar o odor acumulado de ar enlatado, usado e reusado.

Valona olhou espantada para Rik: — Como você sabe?

Rik sentiu uma ponta de vaidade crescer dentro de si. — Só sei. Veja, não deve haver ninguém dentro dela agora. Não é confortável, com a corrente de ar.

Olhou ao redor apreensivamente. — Mesmo assim, não sei por que não tem mais gente por aqui. Era assim quando você costumava vir vê-los?

Valona não refletiu, mas mal poderia lembrar-se. As lembranças da infância iam muito longe.

Não havia nenhum patrulheiro à vista quando subiram a rampa com as pernas trêmulas. As figuras que podiam ver eram empregados civis, absortos em seu trabalho, e pequenos à distância.

A corrente de ar atravessou-os quando entraram no compartimento e o vestido de Valona enfunou-se de forma que ela teve de baixar suas mãos para mantê-lo no lugar.