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Subitamente ele estava sem fome; não tinha a mínima fome. Com gesto repentino, colocou seu aumentador no tablete gelatinoso de carne e vegetais à sua frente, afastou a comida e fixou o olhar nas costas de suas mãos. Seus dedos puxaram e agarraram seus cabelos e cuidadosamente tentou seguir sua mente na meada de onde extraíra um único item — um obscuro e indecifrável item.

Então explodiu em lágrimas, no momento em que o estridente sino anunciava que a hora do almoço havia terminado.

Valona March estava a seu lado quando ele deixou a usina, naquela tarde. Ele quase não a reconheceu inicialmente, exceto como um individuo. Somente ouvia seus passos combinados. Parou e olhou para ela. Tinha cabelos de um tom entre loiro e castanho. Ela os usava em duas grossas tranças presas juntas com pequenos alfinetes magnetizados com pedras verdes. Eram alfinetes muito baratos e tinham um aspecto desbotado. Usava um vestido de algodão simples, o necessário para aquele clima ameno, da mesma maneira que o próprio Rik precisava somente de uma camisa aberta, sem mangas, e calças de algodão.

— Ouvi que algo saiu errado na hora do almoço — disse ela.

Falou com sotaque pronunciado, camponês, como esperado. A linguagem de Rik era cheia de vogais sonoras e tinha um toque anasalado. Eles riam de Rik por causa disso e imitavam sua maneira de falar, mas Valona lhe dizia que faziam isso somente por causa de sua própria ignorância.

Rik resmungou: — Nada está errado, Lona.

Ela persistiu: — Eu o ouvi dizer que se lembrava de alguma coisa. Isso é verdade, Rik?

Ela também chamava-o Rik. Não havia outra forma de chamá-lo. Ele não poderia lembrar-se de seu nome real. Havia tentado desesperadamente. Valona tentara com ele. Um dia ela havia obtido de algum modo uma lista de endereços da cidade destruída e havia lido todos os prenomes para ele. Nenhum deles parecera mais familiar que qualquer dos outros.

Ele olhou-a diretamente no rosto e disse: — Terei de ir embora da usina.

Valona franziu as sobrancelhas. Seu rosto redondo, cheio, com malares salientes, estava perturbado. — Não creio que você possa. Não seria correto.

— Eu tenho de descobrir mais a meu respeito.

— Preciso ir — disse ele.

— É de novo a dor de cabeça, Rik?

— Não. Eu realmente me lembro de alguma coisa. Eu me lembro qual meu trabalho antes — antes!

Não estava certo se queria lhe contar. Desviou o olhar. O sol morno, agradável, estava no mínimo duas horas acima do horizonte. As filas de cubículos dos trabalhadores que estiravam-se e rodeavam as usinas constituíam um cenário monótono, mas Rik sabia que, tão logo atingissem a elevação, o campo surgiria à frente deles em toda a beleza do escarlate e do dourado.

Gostava de olhar os campos. Já na primeira vez a vista havia-o confortado e agradado. Mesmo antes que soubesse que as cores eram o escarlate e o dourado, mesmo antes que soubesse que havia coisas como cores, antes que pudesse expressar seu prazer em algo mais que um suave gorgolhão, as dores de cabeça diminuíam mais rápido nos campos. Naqueles dias, Valona tomara emprestado uma aeromoto diamagnética e levava-a para fora da vila todos os dias de folga. Deslizavam, um pé acima da estrada, planando na suavidade amortecida do campo anti-gravitacional, até que estivessem a quilômetros de distância de qualquer habitação humana e tivessem somente o vento contra o rosto, perfumado com as flores kyrt.

Então sentavam-se à beira da estrada, cercados de cores e perfume, e repartiam um tablete de alimento, enquanto o Sol brilhava sobre eles até que fosse hora de voltar.

Rik estava agitado pela lembrança. Disse: — Vamos para o Campo, Lona.

— É tarde.

— Por favor. Perto da cidade.

Ela tateou a pequena bolsa de dinheiro que mantinha entre si e o cinto azul de couro macio que usava, o único luxo no vestir a que se permitia.

Rik pegou seu braço. — Vamos andando.

Valona umedeceu os lábios. — Não acho que você deva.

Rik voltou-se. Ele sabia que o interesse dela era sincero. Em primeiro lugar, ela havia conseguido o trabalho na usina para ele. Ele não possuía experiência com maquinaria de usina. Ou talvez possuísse, mas não se lembrava. Em todo caso, Lona insistira em que era muito pequeno para o trabalho manual e concordaram em dar-lhe treinamento técnico sem despesas. Antes disso, nos dias de pesadelo em que mal podia emitir sons e quando nem ao menos sabia para que servia a comida, ela cuidara dele e o alimentara. Ela o havia mantido vivo.

Deixaram a rodovia para tomar, meia hora mais tarde, as estradas sinuosas, poeirentas de areia batida. Havia um pesado silêncio entre eles, e Valona sentia um temor familiar se apossar dela. Não tinha palavras para expressar seus sentimentos por ele, de forma que nunca havia tentado.

O que fazer se ele queria deixá-la? Ele era um sujeito pequeno, não maior que ela e pesando um pouco menos, de fato. Em muitos aspectos, era ainda como uma criança desamparada. Mas antes de haver perdido o juízo, devia ter sido um homem educado. Um homem educado e muito importante.

Valona nunca recebera qualquer educação, exceto ler e escrever e a tecnologia de escola de comércio suficiente para ser capaz de manejar a maquinaria da usina, mas era o bastante para saber que as pessoas não eram tão limitadas. Havia o Conselheiro, é claro, cujo grande conhecimento era tão útil para todas elas. Ocasionalmente os Nobres vinham em viagens de inspeção. Ela nunca os tinha visto de perto, mas certa vez havia visitado a Cidade e visto um grupo de criaturas incrivelmente magníficas à distância. Ocasionalmente os trabalhadores ouviam a pronúncia das pessoas educadas. Falavam diferente, mais fluentemente, com palavras compridas e tons mais suaves. Rik falava cada vez mais como eles, conforme sua memória melhorava.

Ela tinha ficado horrorizada com suas primeiras palavras. Vieram tão repentinamente após as longas lamúrias da dor de cabeça. Foram pronunciadas de modo estranho. Quando ela tentou corrigi-lo, ele não o permitiu.

Havia então se preocupado com o fato de que ele pudesse lembrar-se demais e deixá-la. Ela era somente Valona March. Chamavam-na Grande Lona. Nunca havia se casado. Nunca casaria. Uma garota robusta, de pés grandes e mãos avermelhadas pelo trabalho como ela nunca poderia casar-se. Nunca tinha sido capaz de fazer mais que olhar os rapazes com um ressentimento mudo quando a ignoravam nos festivos jantares dos dias de folga. Ela era muito grande para as risadinhas e gargalhadas deles.

Nunca teria um bebê para acariciar e cuidar. As outras garotas os tinham, um após o outro. Ela poderia somente abrir caminho na multidão para vislumbrar rapidamente algo vermelho e careca com olhos assustados, mãos impotentemente apertadas, boca viscosa.

— Agora é a sua vez, Lona.

— Quando você vai ter um bebê, Lona?

Ela retirava-se, calada.

Mas quando Rik chegou, era como um bebê. Tinha de ser alimentado e levado para o sol, acalmado para dormir quando as dores de cabeça o atormentavam.

As crianças corriam à sua volta, rindo. Gritavam: — Lona arranjou um namorado. Grande Lona arranjou um namorado maluco. O namorado de Lona é um retardado.

Mais tarde, quando Rik podia caminhar sozinho (ela ficara tão orgulhosa no dia em que ele deu seu primeiro passo, como se realmente ele tivesse um ano de idade, em vez de mais de trinta e um) e sair, sem companhia, pelas ruas da aldeia, as crianças corriam em torno dele em roda, gritando suas zombarias tolas e dando gargalhadas para ver um homem crescido cobrir seus olhos de medo e encolher-se, com nada mais que lamúrias para responder a elas. Dezenas de vezes ela tinha sido chamada para fora da casa, gritando com elas, brandindo seus grandes punhos.

Mesmo homens crescidos temiam aqueles punhos. Ela tinha derrubado seu chefe de seção com um único golpe selvagem no primeiro dia em que levara Rik para trabalhar na usina, por causa de uma obscenidade dita entredentes relativa a eles que ela ouvira por acaso. O Conselho da usina multou-a em uma semana de pagamento pelo incidente, e poderia tê-la mandado para a Cidade para outro julgamento na corte dos Nobres, mas pela intervenção do Conselheiro, o incidente havia sido considerado uma provocação.