Assim, sentava-se atrás de uma escrivaninha e, exceto por sua filha e criados pessoais e, quando estava viva, sua esposa, ninguém o via em qualquer outra posição.
Ali parecia o homem que era. Sua grande cabeça, com sua boca larga e de lábios pequenos, nariz largo e de largas narinas e queixo pontudo e fendido, poderia demonstrar ser afável ou inflexível a cada vez, com igual facilidade. Seus cabelos, penteados rigidamente para trás e, num indiferente descaso para com a moda, caídos até quase os ombros, eram azuis-escuros, intocados pelo cinza. Um vago azul marcava as regiões de seu rosto onde um barbeiro floriniano duas vezes por dia combatia o tenaz crescimento de sua barba.
O Nobre fazia poses e sabia disso. Disciplinara a expressão de sua face e deixava as mãos, amplas, fortes e de dedos curtos, permanecerem vagamente crispadas contra uma escrivaninha, cuja superfície lisa e polida estava completamente vazia. Não havia sequer uma folha de papel sobre ela, um tubo de comunicações, um ornamento. Por sua extrema simplicidade a presença do próprio Nobre era enfatizada.
Dirigiu-se a seu pálido, branco como carne de peixe, secretário com o tom sem vida especial que reservava para aparelhos mecânicos e funcionários públicos florinianos. — Presumo que todos aceitaram.
Não tinha qualquer dúvida quanto à resposta.
Seu secretário respondeu em um tom igualmente sem vida: — O Nobre de Bort afirmou que a premência de arranjos comerciais anteriores impossibilitava seu comparecimento antes das três.
— E você lhe disse?
— Eu afirmei que a natureza do caso presente tornaria qualquer atraso desaconselhável.
— O resultado?
— Estará aqui, senhor. O resto concordou sem reservas.
Fife sorriu. Meia hora antes ou depois não teria feito qualquer diferença. Havia um novo princípio envolvido, isto era tudo. Os Grandes Nobres eram muito sensíveis quanto a sua própria independência, e tal sensibilidade teria que sumir.
Estava esperando, agora. A sala era grande, os lugares para os outros estavam preparados. O grande cronômetro, cujas minúsculas e potentes faíscas de radiatividade não haviam falhado ou faltado em mil anos, dizia que eram duas e vinte e um.
Que explosão a dos últimos dois dias! O velho cronômetro poderia ainda testemunhar eventos iguais a qualquer daqueles do passado.
Contudo, tal cronômetro havia visto muitos em seu milênio. Quando contava seus primeiros minutos, Sark era um mundo novo de cidades construídas manualmente com contatos duvidosos entre outros mundos mais antigos. Naqueles tempos o relógio estava na parede de um velho edifício de tijolos, os mesmos tijolos que desde então tornaram-se pó. Registrara seu curso uniforme através de três “impérios” sarkianos de curta duração, quando os indisciplinados soldados de Sark lograram governar, por um intervalo maior ou menor, uma meia dúzia de mundos vizinhos. Seus átomos radiativos explodiram em estrita seqüência estatística através de dois períodos, quando as frotas de mundos vizinhos ditaram a política de Sark.
Quinhentos anos atrás marcava um tempo tranqüilo quando Sark descobriu que o mundo mais próximo, Florina, possuía um tesouro incalculável em seu solo. Movera-se uniformemente durante duas guerras vitoriosas e registrou solenemente o estabelecimento de uma paz de conquistador. Sark abandonou seus impérios, absorveu firmemente Florina, e tornou-se poderoso de uma maneira que nem o próprio Trantor poderia alcançar.
Trantor queria Florina, e outras potências também a queriam. Os séculos marcaram Florina como um mundo para o qual mãos se estenderam através do espaço, tateando e tocando ansiosamente. Mas eram de Sark as mãos que o seguraram, e Sark, antes de libertá-lo, deflagrara a guerra galáctica.
Trantor sabia disso! Trantor sabia disso!
Era como se o ritmo silencioso do cronômetro estabelecesse a pequena ladainha no cérebro do Nobre.
Eram duas e vinte e três.
Quase um ano antes, os cinco Grandes Nobres de Sark haviam se encontrado. Então, como agora, haviam estado ali, em sua própria sala. Naquela época, como agora, os Nobres, espalhados pela face do planeta, cada um em seu próprio continente, encontraram-se em personificação tridimensional.
Grosso modo, equivalia à televisão tridimensional em tamanho natural com som e cor. A duplicata poderia ser encontrada em qualquer sala privada moderadamente abastada de Sark. O incomum era a ausência de qualquer receptor visível. Exceto por Fife, os Nobres presentes estavam ali de todas as maneiras possíveis, menos a real. A parede poderia não ser vista atrás deles, eles não tremulavam, contudo uma mão poderia ser passada através de seus corpos.
O corpo material do Nobre de Rune estava sentado nas antípodas, seu continente era o único em que, nesse momento, a noite prevalecia. A área cúbica que imediatamente circundava sua imagem no estúdio de Fife tinha o brilho frio, branco, da luz artificial, obscurecida pela luz mais brilhante do dia sobre ela.
Presente em uma sala, real ou em imagens, estava o próprio Sark. Era uma personificação estranha e não totalmente heróica do planeta. Rune era calvo e obeso, rosado, enquanto que Balle era pardo e secamente enrugado. Steen era empoado e usava ruge, mostrando o desesperado sorriso de um homem cansado que pretendia uma força vital que não mais tinha, e Bort transmitia indiferença quanto ao bem-estar ao ponto desagradável de manter uma barba de dois dias e unhas sujas.
Contudo eram os cinco Grandes Nobres.
Eram o ponto mais alto das três pirâmides de poderes dirigentes de Sark. A menor pirâmide era, claro, o Funcionalismo Público Floriniano, que permanecia estável através de todas as vicissitudes que marcavam a ascensão e a queda das nobres casas dos indivíduos de Sark. Eram eles que realmente lubrificavam os eixos e faziam girar as rodas do governo. Acima deles estavam os ministros e chefes de departamentos apontados pelo hereditário (e inofensivo) Chefe de Estado. Seus nomes e o do próprio Chefe eram necessários em documentos de Estado para torná-los comprometidos legalmente, mas suas únicas tarefas consistiam em assinar seus nomes.
O posto mais alto era ocupado por estes cinco, cada um deles tacitamente com um continente concedido pelos outros quatro. Eram os chefes das famílias que controlavam o volume principal do comércio do kyrt, e as rendas que dele derivavam. Era dinheiro que dava poder e eventualmente ditava a política em Sark, e estes o tinham. E dos cinco, era Fife o que tinha mais.
O Nobre de Fife encarou-os nesse dia, há quase um ano atrás, e disse aos outros mestres do segundo planeta mais rico da Galáxia (segundo mais rico após Trantor, que, afinal, tinha meio milhão de mundos a explorar, em vez de somente dois):
— Recebi uma mensagem curiosa.
Nada disseram. Esperaram.
Fife entregou uma tira de filme de metalita a seu secretário, que caminhou de uma figura sentada a outra, segurando-a bem alto para que cada um a visse, permanecendo assim somente o tempo suficiente para que a lessem.
Para cada um dos quatro que compareceram à conferência no escritório de Fife, ele, somente ele, era real, mas todos, afinal, incluindo Fife, eram apenas sombras. O filme de metalita era também uma sombra. Podiam somente sentar-se e observar os raios de luz que focalizavam através dos vastos setores-mundos do Continente de Fife aos de Balle, Bort, Steen e a ilha-continente de Rune. As palavras que liam eram sombra sobre sombra. Somente Bort, direto e pouco dado a sutilezas, esqueceu este fato e procurou alcançar a mensagem.
Sua mão estendeu-se para a borda do receptor de imagens retangular e foi cortada. Seu braço terminava em um toco descaracterizado. Em seus próprios aposentos, Fife sabia, o braço de Bort havia logrado simplesmente aproximar-se de nada e passado através da mensagem filmada. Sorriu, e também os outros. Steen deu uma risadinha.