Bort enrubesceu. Puxou de volta o braço e sua mão reapareceu.
— Bem, cada um de vocês o viu — disse Fife. — Se não se importarem, agora vou lê-lo alto para que possam considerar seu conteúdo.
Estendeu-se para cima, e seu secretário, apressando os passos, conseguiu segurar o filme na posição adequada para que a mão de Fife o agarrasse sem tatear um instante em vão.
Fife leu suavemente, dramatizando as palavras, como se a mensagem fosse sua, e apreciou fazê-lo.
— Esta é a mensagem — começou: — “Você é um Grande Nobre de Sark e não há ninguém que rivalize com você em poder e opulência. Contudo, tais poder e opulência sustentam-se em alicerces frágeis. Você pode pensar que um fornecimento planetário de kyrt, como o que existe em Florina, de modo algum seja um alicerce frágil, mas, pergunte-se, por quanto tempo existirá Florina? Para sempre?
— “Não! Florina pode ser destruída amanhã. Pode existir por um milênio. Das duas possibilidades, é mais provável que seja destruída amanhã. Não por mim, estejam certos, mas de uma maneira que não podem prever ou prognosticar. Considere tal destruição. Considere, também, que seu poder e opulência já se tenham ido, visto que demandarei a maior parte deles. Vocês terão tempo para considerar, mas não muito tempo.
— “Tentem se acomodar e anunciarei a toda Galáxia e particularmente para Florina a verdade em relação à destruição esperada. Depois dela não mais haverá o kyrt, opulência ou poder. Nenhum deles para mim, mas então estarei acostumado a isso. Nenhum deles para vocês, e isto seria extremamente sério, já que nasceram para grande riqueza.
— “Transfiram a maior parte de seus bens para mim na quantidade e na forma que imporei em futuro próximo e permanecerão na posse segura do que restar. Pelos seus padrões atuais não lhes será deixado uma grande fatia, estejam certos, mas será mais que o nada que de outra forma lhes seria deixado. Não zombem do fragmento que reterão, tampouco. Florina pode durar enquanto viverem, e viverão, se não prodigamente, ao menos confortavelmente”.
Fife terminou. Virou e virou o filme em suas mãos, dobrou-o gentilmente em um cilindro translúcido de prata através do qual as letras em estêncil fundiram-se em um borrão avermelhado.
— É uma carta engraçada — disse com naturalidade. — Não há assinatura e o tom da carta, como ouviram, é elevado e pomposo. O que acham disso, Nobres?
O rosto corado de Rune manifestava desprazer. — É obviamente obra de um homem não muito distante da psicose — disse ele. — Escreve como se fosse uma novela histórica. Francamente, Fife, eu não vejo por que tal asneira seja uma desculpa decente para romper nossas tradições de autonomia continental nos convocando. E não gosto que isto continue na presença de seu secretário, por favor.
— Meu secretário? Porque ele é floriniano? Você teme que sua mente seja pervertida por coisas como esta carta? Bobagem. — O tom de sua voz passou de suavemente divertido para as imoduladas sílabas de comando: — Vire-se para o Nobre de Rune.
O secretário obedeceu. Seus olhos estavam discretamente baixados, seu rosto, pálido e liso, era inexpressivo. Parecia quase intocado pela vida.
— Este floriniano — disse Fife, indiferente à presença do homem — é meu servo pessoal. Nunca está longe de mim, nunca com outros de sua espécie. Mas não é por esta razão que ele é absolutamente digno de confiança. Não lhe é óbvio que está sob efeito da sonda psíquica? É incapaz de qualquer pensamento desleal para comigo, por mais insignificante que seja. Sem tencionar qualquer ofensa, posso dizer que antes confiaria nele que em qualquer um de vocês.
Bort sorriu com desdém. — Não o censuro. Nenhum de nós deve a você a lealdade de um servo floriniano sondado.
Steen novamente deu uma risadinha e contorceu-se em seu assento como se este estivesse tornando-se paulatinamente quente.
Nenhum deles fez qualquer comentário a respeito do uso de Fife de uma sonda psíquica em servos pessoais. Fife teria ficado tremendamente espantado se o fizessem. O uso da sonda psíquica por outra razão que não a correção de doenças mentais ou a remoção de impulsos criminosos era proibido. Mais rigorosamente, era proibido até mesmo para os Grandes Nobres.
Contudo, Fife aplicava a sonda quando achasse necessário, particularmente quando o paciente era um floriniano. A sondagem de um sarkiano era um assunto muito mais delicado. O Nobre de Steen, cujas contorções à menção da sondagem Fife não esquecera, tinha bem a fama de fazer uso de florinianos sondados de ambos os sexos para propósitos bem distintos dos do secretário de Fife.
— Continuando — Fife juntou seus grossos dedos. — Não reuni todos vocês para a leitura de uma carta maluca. Isto, eu espero, está entendido. Realmente temo que tenhamos um problema importante em nossas mãos. Em primeiro lugar, eu me pergunto, por que somente eu devo me preocupar? Certamente, sou o mais rico dos Nobres, mas, sozinho, controlo somente um terço do comércio de kyrt. Juntos, nós cinco controlamos todo ele. É fácil fazer cinco celucópias de uma carta, tão fácil quanto fazer uma.
— Você fala muito e não diz nada — resmungou Bort. — O que você quer?
Os lábios murchos e descoloridos de Balle moveram-se num rosto tolo e cinzento. — Ele quer saber, meu Nobre Bort, se recebemos cópias desta carta.
— Então, deixe-o dizer isso.
— Pensei que estivesse dizendo — disse Fife calmamente. — Então?
Entreolharam-se, duvidosa ou desafiadoramente, conforme a personalidade de cada um impunha.
Rune falou primeiro. Sua testa rosada estava úmida, com discretas gotas de suor; ele puxou do macio quadrado de kyrt para enxugar a umidade das rugas entre dobras de gordura que formavam semi-círculos de orelha a orelha.
— Não saberia, Fife — disse. — Posso perguntar a meus secretários, que, a propósito, são todos sarkianos. Afinal, mesmo se tal carta chegasse a meu escritório, teria sido considerada… como direi?… considerada uma carta excêntrica. Nunca teria chegado às minhas mãos. Isto é certo. Somente seu próprio sistema peculiar de secretário o mantém a par de seu próprio lixo.
Olhou em torno e sorriu, com a goma de mascar brilhando úmida entre os lábios, para cima e para baixo nos dentes artificiais de aço-cromo. Cada um dos dentes era implantado profundamente, soldado ao maxilar, e mais forte que qualquer dente natural. Seu sorriso mostrava-se mais aterrorizante que sua carranca.
Balle deu de ombros. — Eu imagino que o que Rune disse pode perfeitamente valer para todos nós.
Steen riu nervosamente. — Eu nunca leio a correspondência. Realmente, nunca leio. É muito chato, e vem em tal quantidade que eu nunca teria tempo. — Olhou em torno de si com seriedade, como se fosse necessário convencer os companheiros deste importante fato.
— Bolas! — disse Bort. — O que está errado com vocês todos? Medo de Fife? Olhe aqui, Fife, eu não mantenho nenhum secretário porque não preciso de ninguém entre mim e meus negócios. Recebi uma cópia desta carta e estou certo de que estes três também. Querem saber o que eu fiz com a minha? Atirei no duto de refugos. Eu os aconselho a fazerem o mesmo com as suas. Vamos acabar com isso. Estou cansado.
Sua mão procurou acima dele o interruptor articulado que cortaria o contato e libertaria sua imagem da presença ante Fife.
— Espere, Bort. — A voz de Fife soou asperamente. — Não faça isso. Eu não terminei. Você não iria querer que tomássemos medidas e tomássemos decisões em sua ausência. Certamente que não.
— Vamos permanecer, Nobre Bort — apressou-se Rune em sua voz mais suave, embora seus pequenos olhos enterrados em gordura não estivessem particularmente amáveis. — Eu estou curioso em saber por que o Nobre Fife parece tão preocupado com uma ninharia.