— Você acredita na lei, não acredita, menino, e nos bons Nobres? — O Conselheiro mantinha-se fingindo, impressionantemente, consultando seu caderninho.
— Meu marido é um bom homem — explodiu a mulher voluvelmente. — Nunca se meteu em encrencas, Não se associa com lixo. E nem eu. Nem também as crianças. Nós sempre…
Terens fez sinal para que ela se calasse. — Sim. Sim. Agora olhe, menino, eu quero que você se sente aqui mesmo e faça o que eu disser. Eu quero uma lista de todo mundo que você conhece neste bloco. Nomes, endereços, o que fazem, e que tipo de meninos eles são. Se houver um daqueles agitadores, eu quero saber. Vamos fazer uma limpeza. Entendeu?
— Sim, senhor. Sim, senhor. Tem o Husting primeiro. Ele está ai no meio do bloco. Ele…
— Assim não, menino. Ponha-o num pedaço de papel, você. Agora sente-se lá e escreva tudo. Cada coisinha. Escreva devagar porque eu não posso ler garranchos de nativos.
— Eu tenho uma mão treinada para escrever, senhor.
— Vamos vê-la, então.
Jacof curvou-se sobre sua tarefa, a mão movendo-se lentamente. Sua esposa observava por cima de seu ombro.
Terens falou para a garota que o havia deixado entrar. — Vá para a janela e faça-me saber se quaisquer outros patrulheiros vierem nesta direção. Eu vou querer falar com eles. Não os chame. Só me avise. E então, finalmente, ele podia relaxar. Havia construído um nicho momentaneamente seguro para si no centro do perigo.
Exceto pela barulhenta sucção do bebê no canto da sala, havia silêncio razoável. Seria avisado da aproximação do inimigo com tempo para uma chance de escapar à luta.
Agora poderia pensar.
Em primeiro lugar, seu papel de patrulheiro estava quase terminado. Havia indubitavelmente bloqueios de estrada em todas as saídas possíveis da Cidade, e eles sabiam que ele não poderia utilizar qualquer meio de transporte mais complicado que uma aeromoto diamagnética. Não demoraria muito tempo antes que se começasse a ver os patrulheiros em ociosa busca que somente por um sistemático esquadrinhamento da Cidade, quarteirão por quarteirão e casa por casa, poderiam se certificar de encontrar seu homem.
Quando finalmente decidissem fazê-lo, começariam sem dúvida nos arredores da cidade e avançariam para o centro. Se fosse assim, esta casa estaria entre as primeiras a ser examinadas, assim seu tempo estava particularmente limitado.
Até agora, a despeito de sua evidência negra e prateada, o uniforme de patrulheiro havia sido útil. Os próprios nativos não o contestaram. Não se detiveram para observar seu pálido rosto floriniano; não estudaram sua aparência. O uniforme havia sido suficiente.
Dentro em breve os cães de caça perceberiam tal fato mostrando-se para eles. Iria ocorrer-lhes transmitir instruções a todos os nativos para que detivessem qualquer patrulheiro incapaz de mostrar identificação adequada, particularmente um com pele branca e cabelos ruivos. Identificações temporárias seriam distribuídas para todos os patrulheiros legítimos. Recompensas seriam oferecidas. Talvez somente um nativo em cem fosse corajoso o bastante para atacar o uniforme, não importando quão pacientemente falso o ocupante fosse. Um em cem seria o bastante.
Assim tinha de parar de ser um patrulheiro.
Isto era uma coisa. Agora outra. Não estaria seguro em lugar nenhum de Florina de agora em diante. Assassinar um patrulheiro era o pior dos crimes e em cinqüenta anos, se ele conseguisse iludir seus captores por tanto tempo, a caçada permaneceria quente. Por tanto, teria de deixar Florina.
Como?
Bem, dava a si mesmo mais um dia de vida. Esta era uma estimativa generosa. Supunha os patrulheiros como de máxima estupidez e a si mesmo em um estado de sorte máxima.
De certa forma tinha uma vantagem. Meras vinte e quatro horas de vida não eram muito a arriscar. Significava que poderia arriscar-se de uma forma que possivelmente nenhum homem são se arriscaria.
Levantou-se.
Jacof levantou os olhos de seu papel. — Não acabei tudo, senhor. Eu estou escrevendo com muito cuidado.
— Deixe-me ver o que você escreveu.
Olhou para o papel que lhe foi entregue. — é suficiente — disse. — Se outros patrulheiros vierem, não gaste o tempo deles dizendo que você já vez uma lista. Estão com pressa e poderão ter outras tarefas para você. Só faça o que eles mandarem. Tem algum vindo para cá agora?
A menina à janela disse: — Não, senhor. Quer que eu vá lá fora e olhe?
— Não é necessário. Vamos ver agora. Onde fica o elevador mais próximo?
— É mais ou menos a quatrocentos metros para a esquerda, senhor, saindo da casa. O senhor pode…
— Sim. Sim. Deixe-me ir.
Um esquadrão de patrulheiros passou pela rua justamente quando a porta do elevador fechou-se atrás do Conselheiro. Podia sentir seu coração pesado. A busca sistemática estava provavelmente começando, e estavam em seus calcanhares.
Um minuto mais tarde, o coração ainda como um tambor, caminhou do elevador para a Cidade Superior. Aqui não havia cobertura. Nem pilares. Nem cimentoliga para escondê-lo do que estava acima.
Sentia-se como uma pequena mancha negra entre o brilho dos edifícios de cores berrantes. Sentia-se visível para um raio de três quilômetros e em oito quilômetros na direção do céu. Parecia haver grandes setas apontando para ele.
Não havia patrulheiros à vista. Os Nobres que passavam olhavam através dele. Se um patrulheiro era um motivo de medo para um floriniano, era motivo de indiferença para um Nobre. Se alguma coisa iria salvá-lo, seria isso.
Tinha uma vaga noção da geografia da Cidade Superior. Em alguma parte deste setor estava o Parque da Cidade. O passo mais lógico seria pedir informações, o mais lógico seguinte seria entrar em qualquer edifício moderadamente alto e observar de vários terraços dos pavimentos superiores. A primeira alternativa era impossível. Nenhum patrulheiro poderia possivelmente pedir informações. O Segundo era muito arriscado. Dentro de um edifício, um patrulheiro sena bastante evidente. Evidente demais.
Simplesmente seguiu na direção indicada por sua memória dos mapas da Cidade Superior que vira de vez em quando. Servia bastante bem. Era inconfundivelmente o Parque da Cidade com que se deparava após cinco minutos de caminhada.
O Parque da Cidade era uma mancha artificial verde de cerca de quatrocentos metros quadrados de área. No próprio Sark, o Parque da Cidade tinha fama exagerada por muitas coisas, da paz bucólica a orgias noturnas. Em Florina, aqueles que vagamente haviam ouvido algo a respeito imaginavam-no com de dez a cem vezes o seu tamanho real e de cem a mil vezes sua real luxúria.
A realidade era bastante agradável. No clima ameno de Florina era verde durante todo o ano. Tinha trechos gramados, áreas arborizadas e grutas rochosas. Tinha um pequeno lago com peixes decorativos e um maior para as crianças remarem. À noite era feericamente iluminado com luzes coloridas até que o chuvisco começasse. Era entre o crepúsculo e a chuva que mais fervilhava. Havia bailes, shows tridimensionais, e casais perdendo-se ao longo dos passeios sinuosos.
Terens na realidade nunca havia entrado nele. Notou sua repelente artificialidade quando entrou no Parque. Sabia que o solo e as rochas que pisava, a água e as árvores em torno dele, tudo repousava sobre uma base rasa e morta de cimentoliga e isso o irritava. Pensou nos campos de kyrt, vastos e planos, e nas cadeias de montanhas ao sul. Desprezava os forasteiros que haviam construído brinquedos para si mesmos no meio da magnificência.
Por meia hora vagueou pelas alamedas sem rumo. O que tinha de fazer teria de ser feito no Parque da Cidade. Mesmo aqui poderia ser impossível. Em qualquer outro lugar era impossível.
Ninguém o viu. Ninguém tinha consciência dele. Estava certo disso. Os Nobres e Damas que passavam por ele perguntavam-se: — Você viu um patrulheiro no Parque ontem?