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Então ela desejou apagar a memória que renascia em Rik. Ela sabia que não tinha nada para oferecer-lhe; era egoísmo dela querer que ele permanecesse com a mente vazia e desamparado para sempre. Era porque ninguém antes dependera tão uterinamente dela. Era por que aterrorizava-lhe um retorno à solidão.

— Tem certeza de que se lembra, Rik? — perguntou ela.

— Tenho.

Pararam no campo, com o Sol adicionando seu brilho avermelhado a tudo que os circundava. A brisa amena e perfumada da tarde logo surgiria, e os canais de irrigação, como um tabuleiro de xadrez, já começavam a purpurear.

Ele disse: — Eu posso guardar minhas lembranças quando voltam, Lona. Eu sei que eu posso. Você não me ensinou a falar, por exemplo. Eu me lembrei das palavras sozinho. Não lembrei? Não lembrei?

— Lembrou — respondeu relutante.

— Eu até me lembro das vezes em que você me levava para o campo antes que eu pudesse falar. Eu continuei lembrando de novas coisas todo o tempo. Ontem me lembrei que uma vez você apanhou uma mosca kyrt para mim, a manteve presa em suas mãos e me fez pôr o olho no espaço entre seus polegares para que eu pudesse vê-la cintilar púrpura e laranja na escuridão. Eu ri e tentei forçar minhas mãos entre as suas para apanhá-la, e assim ela voou e deixou-me chorando, depois de tudo. Eu não sabia que era uma mosca kyrt então, ou qualquer coisa a respeito dela, mas está tudo muito claro para mim agora. Você nunca me contou nada disso, contou, Lona?

Ela meneou a cabeça.

— Mas aconteceu, não? O que eu me lembro é real, não é?

— Sim, Rik.

— E agora eu me lembro de algo a meu respeito, do passado. Deve ter havido um passado, Lona

Deve ter havido. Ela sentiu apertar-lhe o coração quando pensou nisso. Era um passado diferente, nada como o agora que viviam. Tinha sido em um mundo diferente. Sabia disso porque uma palavra que ele nunca havia se lembrado era kyrt. Tivera que lhe ensinar a palavra para o objeto mais importante de todo o mundo de Florina.

— De que é que você se lembrou? — indagou ela.

Nisto, a excitação de Rik pareceu repentinamente morrer. Retraiu-se. — Não faz muito sentido, Lona. Somente que já tive um trabalho, e sei qual era. Pelo menos de certa forma.

— Qual era?

— Eu analisava Nada.

Ela virou-se abruptamente para ele, olhando atentamente seus olhos. Por um momento pôs a palma de sua mão sobre a testa de Rik, até que ele afastou-se, irritado. Ela disse: — Você não está com dor de cabeça outra vez, Rik, está? Há semanas você não a tem.

— Estou bem. Não me aborreça.

Os olhos de Lona baixaram, e ele ao mesmo tempo completou:

— Não quis dizer que você me aborrece, Lona. Só que eu me sinto bem e que eu não quero que você se preocupe.

Ela animou-se. — O que significa “analisar”? — Ele conhecia palavras que ela não conhecia. Sentia-se humilhada demais quando pensava quão educado ele deveria ter sido anteriormente.

Ele pensou por um momento. — Significa… significa “desmontar”. Você sabe, quando nós desmontamos um separador para saber por que o feixe explorador estava fora do alinhamento.

— Ah. Mas, Rik, como pode alguém ter o trabalho de analisar coisa alguma? Isso não é trabalho.

— Eu não disse que não analisava coisa alguma. Eu disse que analisava Nada. Com N maiúsculo.

— E não é a mesma coisa? — Estava recobrando a memória, pensou. Ela estava começando a parecer estúpida para ele. Logo ele a rejeitaria com repulsa.

— Não, claro que não. — Tomou bastante fôlego. — Temo que não possa explicar ainda. É tudo de que me lembro sobre isso. Mas deve ter sido um trabalho importante. Assim me parece. Eu não poderia ter sido um criminoso.

Valona estremeceu. Ele nunca deveria ter-lhe dito isto. Ela tinha dito a si mesma que era somente para sua própria proteção que ela o prevenia, mas agora sentia que na realidade tinha sido para mantê-lo ainda mais preso a ela.

Foi quando ele tinha começado a falar. Foi tão repentino que a apavorou. Ela ainda não tinha ousado falar sobre isso com o Conselheiro. No dia de folga seguinte ela tinha reservado cinco créditos de suas economias — nunca haveria um homem para pretendê-la como dote, de forma que não importava — e levado Rik a um médico da Cidade. Ela tinha o nome e o endereço em um pedaço de papel, mas mesmo assim passou duas terríveis horas tentando encontrar o caminho para o edifício adequado através dos imensos pilares que mantinham a Cidade Superior voltada para o Sol.

Havia insistido em assistir e o médico havia feito toda a sorte de coisas terríveis com estranhos instrumentos. Quando pôs a cabeça de Rik entre dois objetos de metal e então a fez fulgir como uma mosca kyrt na noite, ela atirou-se a seus pés e tentou fazê-lo parar. Ele chamou dois homens que a arrastaram, lutando selvagemente.

Meia hora depois o médico foi ter com ela, alto e carrancudo. Ela se sentia desconfortável com ele porque era um Nobre, mesmo que ele mantivesse um consultório na Cidade Inferior, mas seus olhos eram meigos, até indulgentes. Estava limpando suas mãos numa pequena toalha, que atirou numa lata de lixo, mesmo parecendo perfeitamente limpa para ela.

— Onde encontrou este homem? — perguntou ele.

Ela lhe havia contado as circunstâncias cautelosamente, reduzindo-as ao mais simples e essencial e omitindo qualquer participação do Conselheiro e dos patrulheiros.

— Então não sabe nada sobre ele?

Ela meneou a cabeça. — Nada antes disso.

— Este homem foi tratado com uma sonda psíquica. Você sabe o que é? — perguntou.

Inicialmente ela meneou novamente a cabeça, mas então disse, num sussurro ríspido: — É o que fazem com gente doida, doutor?

— E com criminosos. É feito para mudar suas mentes para seu próprio bem. Torna suas mentes saudáveis, ou anula as partes que os fazem querer roubar e matar. Você compreende?

Ela compreendia. — Rik nunca roubou nada nem machucou ninguém — disse ela, corando.

— Você o chama Rik? — Parecia divertir-se. — Agora, olhe aqui, como você sabe o que ele fazia antes que o encontrasse? E duro falar-lhe da condição de sua mente agora. A sondagem foi meticulosa e brutal. Não posso dizer-lhe quanto de sua mente foi permanentemente removido e quanto foi temporariamente perdido pelo choque. O que quero dizer é que algo voltará, como sua fala, com o tempo, mas não tudo. Deve ser mantido em observação.

— Não, não. Ele precisa ficar comigo. Estou cuidando muito bem dele, doutor.

Ele franziu as sobrancelhas, e então sua voz tomou-se mais amena. — Bem, estou pensando em você, minha menina. Nem todo o mal pode estar fora de sua mente. Você não gostaria que ele a machucasse algum dia.

Naquele momento uma enfermeira trouxe Rik. Ela o estava ninando, para aquietá-lo, como se fosse uma criança. Rik pôs uma das mãos na cabeça e correu os olhos até que se concentrassem em Valona; então estendeu suas mãos e chorou, debilmente. — Lona.

Ela correu para ele e o abraçou ternamente. Disse ao médico:

— Ele não me machucaria, não importa por quê.

— Seu caso terá que ser relatado, claro. Não sei como ele escapou das autoridades na condição em que se encontra — disse bondosamente o médico.

— Isso significa que o tomarão de mim, doutor?