Samia deteve-se na soleira. — Não vão machucá-lo?
— Eu duvido que ele vá nos fazer chegar a extremos. Ele será fácil de tratar.
— Madame! Madame! — Rik chamou. — Eu posso prová-lo! Eu sou da Terra!
Samia permaneceu irresoluta por um momento. — Vamos ouvir o que ele tem a dizer.
— Como desejar, Madame — disse friamente o Capitão.
Ela se aproximou, mas não muito. Permaneceu a um passo da porta.
Rik estava ruborizado. Com um esforço de memória, os lábios puxados para trás na caricatura de um sorriso, disse: — Eu me lembro da Terra. Era radiativa. Eu me lembro das Áreas Proibidas e o horizonte azul à noite. O solo incandescente e nada poderia crescer nele. Havia somente alguns pontos em que o homem poderia viver. Isto porque eu era um analista espacial. Isto é porque eu não me importava de permanecer no espaço. Meu mundo era um mundo morto.
Samia meneou os ombros. — Acompanhe-me Capitão. Ele simplesmente está delirando.
Mas desta vez foi o Capitão Racety quem permaneceu ali, boquiaberto. Murmurou: — Um mundo radiativo!
— Você quer dizer que existe tal coisa? — inquiriu Samia.
— Sim. — Virou os olhos assustados para ela. — Agora, onde ele poderia ter aprendido isto?
— Como um mundo poderia ser radiativo e inabitado?
— Mas existe um. E está no Setor Sirius. Não me lembro de seu nome. Poderia mesmo ser Terra.
— É Terra — disse Rik, orgulhosamente e com confiança. — É o planeta mais antigo da Galáxia. É o planeta em que toda a raça humana se originou.
— Isso mesmo! — concordou o Capitão.
Samia perguntou, mente em turbilhão: — Você quer dizer que a raça humana originou-se nessa Terra?
— Não, não — disse o Capitão distraidamente. — Isso é superstição. Isto é justamente como eu vim a saber do planeta radiativo. Pretende-se que seja o planeta natal do Homem.
— Eu não sabia que nós supostamente temos um planeta natal.
— Eu suponho que começamos em algum lugar, Madame, mas duvido que alguém possa saber em que planeta aconteceu.
Com súbita decisão ele caminhou na direção de Rik. — De que mais você se lembra?
Quase adicionou “menino”, mas refreou-se.
— Da nave, principalmente — disse Rik — e da Análise Espacial.
Samia uniu-se ao Capitão. Permaneceram ali, diretamente ante Rik, e Samia sentiu a excitação retomar. — Quer dizer que tudo isto é verdade? Mas então como ele veio a ser psico-sondado?
— Psico-sondado! — disse o Capitão Racety pensativamente.
— Suponha que lhe perguntemos. Ei, você, nativo ou extra-sarkiano ou o que quer que seja. Como veio a ser psico-sondado?
Rik olhou indeciso. — Todos vocês dizem isso. Até mesmo Lona. Mas eu não seio que significa a palavra.
— Quando você parou de se lembrar, então?
— Não estou certo. — Começou novamente, desesperadamente. — Eu estava numa nave.
— Sabemos disso. Continue.
— É inútil ladrar, Capitão — disse Samia. — Poderá afugentar o pouco bom senso que lhe resta.
Rik estava inteiramente absorvido em arrancar a obscuridade de dentro de sua mente. O esforço não deixava qualquer espaço para emoções. Era para seu próprio assombro que dizia: — Eu não a temo, Madame. Estou tentando lembrar. Havia perigo. Estou certo disso. Grande perigo para Florina, mas eu não posso lembrar de detalhes sobre isso.
— Perigo para todo o planeta? — Samia lançou um olhar rápido para o Capitão.
— Sim. Estava nas correntes.
— Que correntes? — perguntou o Capitão.
— As correntes do espaço.
O Capitão abriu os braços e deixou-os cair. — Isto é loucura!
— Não, não. Deixe-o continuar. — A onda de convicção mudara-se para Samia novamente. Seus lábios estavam separados, seus olhos escuros brilhavam e pequenas covinhas entre a bochecha e o queixo formavam seu semblante quando ela sorria. — O que são as correntes do espaço?
— Os diferentes elementos — disse vagamente Rik. Havia explicado isso antes. Não queria passar por tudo novamente.
Continuou rapidamente, quase incoerentemente, falando quando os pensamentos vinham a ele, puxados por ele. — Eu enviei uma mensagem para a agência local de Sark. Lembro-me disso com muita clareza. Eu tinha sido cuidadoso. Era um perigo que ia além de Florina. Sim. Além de Florina. Era tão grande quanto a Via-láctea. Tinha de ser manejado cuidadosamente.
Ele parecia ter perdido todo o contato real com aqueles que o ouviam, como se vivesse em um mundo do passado ante o qual uma cortina estava se rasgando em pontos esparsos. Valona colocou uma mão confortadora sobre seu ombro e disse: — Não continue! — mas ele estava insensível até mesmo para isso.
— De algum modo — continuou ofegante — minha mensagem foi interceptada por algum oficial de Sark. Foi um erro. Eu não sei como aconteceu.
Franziu as sobrancelhas. — Estou certo de que enviei a mensagem para a agência local no comprimento de onda próprio do Departamento. Você acha que um subetérico poderia ser interceptado? — Nem mesmo estranhou como a palavra “subetérico” veio tão facilmente para ele. Poderia ter esperado por uma resposta, mas ainda não enxergava nada. — De qualquer maneira, quando pousei em Sark estavam esperando por mim.
Novamente uma pausa, desta vez longa e reflexiva. O Capitão nada disse para não quebrá-la; ele mesmo parecia estar meditando.
Samia, entretanto, disse: — Quem estava esperando por você? Quem?
— Eu… eu não sei — disse Rik. — Não posso me lembrar. Não era a agência. Era alguém de Sark. Eu me lembro de ter falado com ele. Ele sabia do perigo. Falou dele. Estou certo de que falou dele. Sentamos juntos numa mesa. Lembro-me da mesa. Sentou-se à minha frente. Está claro como o espaço. Falamos por um bom tempo. Parece que eu não estava ansioso para fornecer detalhes. Estou certo disso. Eu teria de falar primeiro para a agência. E então ele…
— Sim? — estimulou Samia.
— Ele fez algo. Ele… Não, nada mais virá. Nada virá!
Gritou essas palavras e então houve silêncio, um silêncio que era anticlimaticamente quebrado pelo prosaico zumbido do comunicador de pulso do Capitão.
— O que é? — perguntou o Capitão.
A voz em resposta era aguda e precisamente respeitosa. — Uma mensagem de Sark para o Capitão. Solicita-se que ele a receba pessoalmente.
— Muito bem. Estarei no subetérico agora mesmo.
Virou-se para Samia. — Madame, devo lembrar-lhe que é hora de jantar.
Ele viu que a Dama estava quase alegando sua falta de apetite, para apressá-lo a deixá-la e não se preocupar com ela. Continuou, mais diplomaticamente: — Também é hora de alimentar estas criaturas. Provavelmente estão cansados e famintos.
Samia nada poderia dizer contra isto. — Devo então vê-los novamente, Capitão.
O Capitão curvou-se silenciosamente. Poderia ter sido aquiescência. Poderia não ter sido.
Samia de Fife estava emocionada. Seus estudos sobre Florina satisfizeram uma certa aspiração do intelecto dentro dela, mas o Caso Misterioso do Terráqueo Psico-sondado (ela pensava no assunto em maiúsculas) apelou para algo muito mais primitivo e muito mais exigente. Despertara a curiosidade puramente animal dentro de si.
Era um mistério!
Havia três pontos que a fascinavam. Entre estes não estava a questão talvez razoável (sob as circunstâncias) de se a história do homem era uma delusão ou uma mentira deliberada, em vez da verdade. Acreditar em qualquer outra coisa que não a verdade estragaria o mistério e Samia não poderia permitir isso.
Os três pontos eram portanto estes: (1) Qual era o risco que ameaçava Florina, ou, mais precisamente, toda a Galáxia? (2) Quem era a pessoa que havia psico-sondado o terráqueo? (3) Por que esta pessoa usou a psico-sonda?