Fife estava impassível. Disse: — Esta explosão de ontem e de anteontem começou com um pedido à biblioteca floriniana de consulta a livros de Análise Espacial. Isto é conexão bastante para mim. Vamos ver se não posso fazer disso uma conexão também para o resto de vocês. Começarei por descrever as três pessoas envolvidas no incidente da biblioteca, e, por favor, não me interrompam por uns poucos momentos.
— Primeiro, há o Conselheiro. Ele é o mais perigoso dos três. Em Sark teve um excelente registro como uma peça de material inteligente e fiel. Infelizmente, agora virou suas capacidades contra nós. Ele indubitavelmente é o responsável pelos quatro assassinatos de agora. Um bom recorde para qualquer um. Considerando que nesses quatro estão incluídos dois patrulheiros e um sarkiano, é incrivelmente notável para um nativo. E ainda está solto.
— A segunda pessoa envolvida é uma mulher nativa. Ela não é educada e é completamente insignificante. Entretanto, no último par de dias tem se verificado uma pesquisa extensiva de cada faceta de seu caráter e sabemos sua história. Seus pais eram membros da “Alma do Kyrt”, se qualquer um de vocês ainda se lembrar daquela incrivelmente ridícula conspiração camponesa que foi eliminada sem problemas há cerca de vinte anos atrás.
— Isso nos conduz à terceira pessoa, a mais incomum das três. A terceira pessoa era um operário comum e um idiota.
Houve uma expulsão de fôlego de Bort e outra aguda risadinha de Steen. Os olhos de Baile permaneceram fechados e Rune estava imóvel no escuro.
— A palavra “idiota” não é utilizada figurativamente — continuou Fife. — O Depseg esforçou-se impiedosamente, mas sua história não poderia ser acompanhada antes de dez meses e meio atrás. Nessa época, ele foi encontrado numa vila nas vizinhanças da principal metrópole de Florina em um estado de completa debilidade mental. E não podia caminhar ou falar. Nem mesmo podia se alimentar.
— Agora notem que fez sua primeira aparição algumas poucas semanas após o desaparecimento do analista espacial. Notem, além disso, que, em questão de meses, aprendeu a falar e até mesmo a executar um trabalho na usina de kyrt. Que tipo de idiota poderia aprender tão rapidamente?
Steen começou a falar, quase ansiosamente: — Ah, realmente, se ele foi adequadamente psico-sondado pode ter sido preparado para… — Sua voz extinguiu.se aos poucos.
Fife disse sardonicamente — Não posso pensar em maior autoridade no assunto. Mesmo sem a opinião de expert de Steen, entretanto, a mesma idéia me ocorreu. Era a única explicação possível.
— Então, a psico-sondagem poderia ter ocorrido somente em Sark ou em Florina, na Cidade Superior. Como simples minúcia, os consultórios médicos da Cidade Superior foram verificados. Não havia traço de qualquer sondagem.psíquica não autorizada. Houve então a idéia de um de nossos agentes de checar os registros de médicos que haviam morrido desde que o idiota aparecera pela primeira vez. Eu verei que seja promovido por esta idéia.
— Encontramos um registro de nosso idiota em exatamente um daqueles consultórios. Fora levado para um check-up físico cerca de seis meses atrás por uma camponesa que é a segunda de nosso trio. Aparentemente, isto foi feito secretamente, já que ela estava ausente de seu trabalho naquele dia por um pretexto inteiramente diferente. O médico examinou o idiota e registrou a definitiva evidência da alteração por psico-sondagem
— Agora aqui está o ponto interessante. O médico era um desses que mantinham consultórios duplos na Cidade Superior e na Cidade Inferior. Era um desses idealistas que pensavam que os nativos mereciam cuidados médicos de primeira ordem. Era um homem metódico e mantinha registros em duplicata de tudo em ambos os consultórios, para evitar viagens desnecessárias no elevador. Também agradava seu idealismo, eu imagino, não praticar qualquer segregação entre sarkianos e florinianos em seus arquivos. Mas o registro do floriniano em questão não foi duplicado, era somente o único registro não duplicado.
— Por que faria isso? Se, por alguma razão, tivesse decidido por si mesmo não duplicar esse registro em particular, por que ele deveria ter aparecido somente nos registros da Cidade Superior, que foi onde apareceu? Por que não somente nos registros da Cidade Inferior, que foi onde não apareceu? Afinal, o homem era um floriniano. Foi levado por uma floriniana. Foi examinado no consultório da Cidade Inferior. Tudo isto foi claramente registrado na cópia que encontramos.
— Há somente uma resposta para este quebra-cabeça especial. O registro deu entrada devidamente em ambos os arquivos, mas foi destruído nos arquivos da Cidade Inferior por alguém que não imaginava que permaneceria outro registro no consultório superior. Agora vamos passar adiante.
— Inclusa com o registro do exame do idiota estava a anotação explícita para incluir o diagnóstico deste caso no próximo relatório de rotina do médico para o Depseg. Isto foi completamente correto. Qualquer caso de sondagem psíquica poderia envolver um criminoso ou mesmo um subversivo. Mas tal relatório nunca foi feito. Após uma semana estava morto em um acidente de trânsito.
— As coincidências passam de toleráveis, não?
BaIle abriu os olhos e disse: — Isto é uma novela policial que você está nos contando.
— Sim — gritou Fife com satisfação —, uma novela policial. E por ora eu sou o detetive.
— E quem são os acusados? — perguntou Baile em um sussurro cansado.
— Ainda não. Deixe-me bancar o detetive um pouco mais.
No meio do que Fife considerou a mais perigosa crise que já assolara Sark, ele repentinamente percebeu que estava se divertindo imensamente.
— Vamos abordar a história de outra forma — disse ele. — Esqueceremos, por ora, o idiota e voltaremos ao analista espacial. A primeira coisa que ouvimos a respeito dele é a notificação ao Departamento de Transportes de que sua nave logo pousaria. Uma mensagem dele recebida anteriormente acompanha a notificação.
— O analista espacial nunca chegou. Ele não está em lugar nenhum do espaço próximo. Além disso, a mensagem enviada pelo analista espacial, que tinha sido emitida para o DeTrans, desapareceu. O DAI afirmou que estávamos deliberadamente encobrindo a mensagem. O Depseg acreditou que estavam inventando uma mensagem fictícia com propósitos de propaganda. Agora me ocorre que estávamos todos errados. A mensagem havia sido enviada mas não havia sido ocultada pelo governo de Sark.
— Vamos inventar alguém e, por enquanto, chamá-lo de X. X tinha acesso aos registros do DeTrans. Tomou conhecimento deste analista espacial e de sua mensagem e tinha inteligência e habilidade para agir rapidamente. Ele arranjou que este subetergrama secreto fosse enviado para a nave do analista espacial, ordenando que o homem pousasse em algum campo pequeno e privado. O analista espacial cumpriu a ordem e X o encontrou lá.
— X tomou a mensagem do analista espacial sobre o juízo final para si. Podem haver duas razões para isso. Primeira, isto confundiria possíveis tentativas de detecção eliminando uma evidência. Segunda, serviria, talvez, para ganhar a confiança do analista espacial maluco. Se o analista espacial sentia que somente poderia falar sobre isso com seus próprios superiores, e ele bem poderia sentir-se assim, X poderia persuadi-lo a confiar nele provando-lhe que já estava de posse dos detalhes essenciais da história.
— Indubitavelmente o analista espacial falou. Embora incoerente, maluca e impossível pudesse ter parecido esta conversa, X reconheceu nela um excelente instrumento para propaganda. Enviou sua carta de chantagem aos Grandes Nobres, a nós. Seu procedi mento, como então planejado, era provavelmente precisamente este que eu atribuí a Trantor na época. Se não foi ao final com ele, planejava interromper a produção floriniana com boatos de destruição até que capitulasse.