— Não sei. Algo como ela, talvez, se o preço for correto. Mas, de qualquer modo, você se importaria se eu olhasse os controles e mecanismos?
O Nobre permaneceu calado.
A voz de Genro tornou um pouco mais fria. — Claro, se lhe aprouver. — Virou-se.
— Poderia vendê-lo — disse o Nobre, e tateou seus bolsos. — Aqui está a licença.
Genro olhou cada lado com bastante rapidez e prática. Devolveu-a. — Você é Deamone?
O Nobre deu de ombros. — Pode entrar, se quiser.
Genro observou rapidamente o cronômetro de bombordo, os ponteiros luminescentes, faiscando como os raios do Sol, indicando o início da segunda hora após o pôr-do-sol.
— Obrigado. Poderia guiar-me?
O Nobre remexeu novamente seus bolsos e estendeu-lhe um maço de cartões codificados. — Primeiro o senhor.
Genro pegou o maço. Folheou os cartões, procurando as pequenas marcas em código para “selo da nave”. O outro homem não fez qualquer tentativa para ajudá-lo.
— Este, suponho? — disse, finalmente.
Caminhou pela pequena rampa até o patamar da câmara de descompressão e observou atentamente o fino encaixe à direita do fecho. — Não vejo… ah, aqui está e passou para o outro lado da comporta.
Lentamente, silenciosamente, a escotilha se abriu e Genro moveu-se na escuridão. A luz vermelha da câmara acendeu-se automaticamente quando a porta fechou-se atrás deles. A porta interna abriu-se e à medida que andavam pela nave, as luzes certas acendiam e apagavam ao longo do percurso.
Myrlyn Terens não tinha escolha. Não mais se lembrava do momento, há muito tempo, em que uma coisa como “escolha” havia existido. Por três longas e infelizes horas, agora, permanecera próximo à nave de Deamone, esperando e impotente para fazer qualquer outra coisa. Chegara a nada até agora. Nada via que pudesse conduzi-lo a outra coisa que não a captura,
E então este camarada viera para ver a nave. Lidar com ele além de tudo era loucura. Possivelmente, não poderia manter seu embuste em tal proximidade. Mas, então, possivelmente poderia não permanecer onde estava, tampouco.
Ao menos dentro da nave poderia haver comida. Estranho que isto não lhe ocorresse antes.
Havia.
— Está quase na hora do jantar — disse Terens. — Gostaria de comer alguma coisa?
O outro mal olhou por cima dos ombros. — Bem, mais tarde, talvez. Obrigado.
Terens não insistiu. Deixou-o perambular pela nave e entregou-se gratamente à carne enlatada e às frutas embrulhadas em celulita. Bebeu sofregamente. Havia um chuveiro no corredor da cozinha. Fechou a porta e tomou uma banho. Era um prazer ser capaz de remover o barrete apertado, ao menos temporariamente. Encontrara até mesmo um pequeno armário do qual poderia escolher uma muda de roupa.
Era muito mais dono de si quando Genro retornou.
— Você se importaria se eu tentasse pilotar esta nave? — disse Genro.
— Não tenho objeções. Você pode manejar este modelo? — perguntou Terens com uma excelente imitação de desinteresse.
— Acho que sim — disse o outro com um pequeno sorriso. — Eu me gabo de poder manejar qualquer dos modelos regulares. De qualquer modo, tomei a liberdade de chamar a torre de controle e há um fosso de decolagem disponível. Aqui está minha licença de iatista se você quiser vê-la antes que eu assuma.
Terens deu-lhe uma olhadela rápida quando Genro a entregou.
— Os controles são seus — disse.
A nave rolou para fora do hangar como uma baleia aerotransportada, movendo-se lentamente, sua quilha diamagnetizada separada dez centímetros da argila batida do campo.
Terens observou Genro manejar os controles com precisão decorada. A nave parecia uma coisa viva com o seu toque. A reprodução do campo, que estava sobre a visitela, transferia-se e mudava com o leve acionamento de qualquer contato.
A nave parou momentaneamente na beira do fosso de decolagem. O campo diamagnético fortalecia-se progressivamente à frente da proa da nave e ela começou a inclinar-se para cima. Terens estava misericordiosamente alheio a isto quando a cabina do piloto girou sobre seu balancim para ajustar-se à mudança de gravidade, Majestosamente, os flanges traseiros da nave encaixaram-se nos entalhes apropriados do fosso. Ela ficou na vertical, apontando para o céu.
O revestimento de duralita do fosso de decolagem correu para seu recesso, revelando o revestimento neutralizado, com uns cem metros de profundidade, que recebia os primeiros empuxos de energia dos motores hiperatômicos.
Genro mantinha uma criptica troca de informações com a torre de controle. Finalmente, disse: — Dez segundos para a decolagem.
Uma linha vermelha em ascensão marcava os segundos se desvanecendo. Fez contato e a primeira vaga de potência rompeu em suas costas.
Terens tomou-se mais pesado, sentiu-se pressionado contra o assento. O pânico o atingia.
— Como funcionam os controles? — grunhiu.
Genro parecia indiferente à aceleração. Sua voz tinha quase seu timbre natural quando disse: — Moderadamente bem.
Terens recostou-se na cadeira, tentando relaxar com a pressão, observando as estrelas na visitela ficarem mais fortes e brilhantes Conforme a atmosfera entre a nave e elas desaparecia. O kyrt em sua pele parecia frio e úmido
Estavam no espaço agora. Genro acelerava a nave. Terens não tinha como dizer diretamente, mas podia ver as estrelas marcharem firmemente através da visitela enquanto os dedos longos e esguios do iatista brincavam com os controles como se eles fossem as chaves de um instrumento musical. Finalmente, um volumoso segmento laranja de globo encheu a superfície clara da visitela.
— Nada mal — disse Genro. — Você mantém sua embarcação em boas condições, Deamone. É pequena, mas tem sua garra.
Terens retrucou cuidadosamente: — Suponho que gostaria de testar sua velocidade e sua capacidade de escape. Você pode, se quiser. Não tenho objeções.
Genro confirmou com a cabeça. — Muito bem. Para onde sugere que devamos ir? O que acha… — Hesitou, então continuou. — Bem, por que não para Sark?
Terens ofegava. Esperara isso. Estava a ponto de acreditar estar vivendo em um mundo de magia. Como as coisas forçavam seus movimentos, mesmo sem sua conivência. Não teria sido difícil convencê-lo de que não eram as “coisas”, mas o objetivo que induzira os movimentos. Sua infância fora embebida pela superstição que os Nobres criavam entre os nativos e tais coisas eram difíceis de superar. Em Sark estava Rik e suas lembranças retornando. O jogo não estava encerrado.
— Por que não, Genro? — disse selvagemente.
— Então é para Sark.
Recuperando velocidade, o globo de Florina fugiu do campo de visão da visitela e as estrelas retomaram.
— Qual é o seu melhor tempo entre Florina e Sark? — perguntou Genro.
— Nenhuma quebra de recorde — disse Terens. — Aí pela média.
— Então você tem feito melhor que em seis horas, suponho?
— De vez em quando, sim.
— Concorda que eu tente reduzir para cinco?
— Claro! — disse Terens.
Levou horas até que atingissem um ponto distante o bastante da distorção da massa estelar da constituição do espaço que tornasse possível um salto.
Terens achou a espera uma tortura. Era a terceira noite de pouco ou nenhum sono e a tensão dos dias aumentara essa falta.
Genro olhou-o de soslaio. — Por que você não vai dormir?
Terens forçou uma expressão de vivacidade em seus frouxos músculos faciais e disse: — Não é nada. Nada.
Bocejou prodigiosamente e sorriu, desculpando-se. O iatista voltou-se para seus instrumentos e os olhos de Terens vidraram uma vez mais.
Os assentos em um iate espacial são confortáveis por pura necessidade. Devem amortecer o efeito da aceleração. Um homem não especialmente cansado pode fácil e suavemente adormecer neles. Terens, que podia, naquele momento, ter dormido sobre vidro moído, nunca soube quando passou a fronteira.