Dormiu horas; dormiu tão profundamente e tão sem sonhos como nunca em sua vida.
Não se mexia; não mostrava um único sinal de vida além de sua tranqüila respiração quando o barrete foi removido de sua cabeça.
Terens acordou estonteado, lentamente. Por longos minutos não teve a menor noção de onde estava. Pensou que estivesse de volta à sua cabana de Conselheiro; o estado real de coisas surgia em etapas. Eventualmente poderia sorrir para Genro, que ainda estava nos controles, e dizer: — Acho que adormeci.
— Acho que sim. Eis Sark. — Genro inclinou a cabeça para o grande crescente branco da visitela.
— Quando pousamos?
— Em cerca de uma hora.
Terens estava acordado o bastante agora para sentir uma sutil mudança na atitude do outro. Foi um choque glacial para ele que o objeto cinza metálico na mão de Genro revelasse ser o gracioso cano de uma pistola de agulha.
— Mas, pelo Espaço… — começou Terens, pondo-se de pé.
— Sente-se — disse Genro atentamente. Havia um barrete em sua outra mão.
Terens levou uma das mãos à cabeça e seus dedos se acharam agarrando cabelos ruivos.
— É — disse Genro — é bastante óbvio. Você é um nativo.
Terens o encarou e nada disse.
— Eu sabia que você era um nativo antes que eu tivesse chegado à nave do pobre Deamone — disse Genro.
A boca de Terens estava seca como algodão e seus olhos estavam inflamados. Observava a boca minúscula e mortal da arma e esperava um clarão repentino, silencioso. Tinha ido muito longe, muito longe, e tinha afinal perdido a aposta.
Genro não parecia apressado. Mantinha a pistola de agulha firme e suas palavras eram tranqüilas e lentas,
— Seu erro básico, Conselheiro, foi pensar que poderia realmente passar a perna numa indefinida força policial organizada. Mesmo assim, agiria melhor se não tivesse feito a infeliz escolha de Deamone como sua vítima,
— Eu não o escolhi — grasnou Terens.
— Então digamos que fosse sorte. Alstare Deamone, cerca de doze horas atrás, estava no Parque da Cidade, esperando sua mulher. Não havia razão, a não ser sentimental, para que a encontrasse lá dentre todos os lugares. Haviam se encontrado pela primeira vez exatamente naquele ponto, e iam novamente encontrar-se lá em cada aniversário de tal encontro. Não há nada particularmente original nesse tipo de cerimônia entre casais jovens, mas parece importante para eles. Caro que Deamone não imaginava que o relativo isolamento do lugar fizesse dele uma vítima apropriada para um assas sino. Quem teria pensado nisso na Cidade Superior?
— Na marcha comum dos acontecimentos, o assassino não poderia ter sido descoberto por dias. A mulher de Deamone, entretanto, estava no local meia hora depois do crime. O fato de que seu marido não estava lá a espantou. Ele não era o tipo de pessoa, ela explicou, que ia embora furioso porque ela estava um pouco atrasada. Ela freqüentemente estava atrasada. Ele teria esperado mais um pouco. Ocorreu-lhe que seu marido poderia estar esperando dentro da “sua” caverna.
— Deamone havia esperado fora de “sua” caverna, naturalmente. Era a mais próxima da cena do ataque, conseqüentemente, e aquela para a qual ele fora arrastado. Sua esposa entrou na caverna e encontrou… bem, você sabe o que ela encontrou. Ela conseguiu passar a notícia para o Posto de Patrulheiros através de nossas próprias agências do Depseg, embora estivesse quase incoerente com o choque e a histeria.
— Como se sente, Conselheiro, ao matar um homem a sangue frio, deixando.o ser encontrado por sua esposa em um ponto repleto de recordações felizes para ambos?
Terens estava chocado. Engasgou, numa mistura terrível de ódio e frustração. — Vocês, sarkianos, têm assassinado milhões de florinianos. Mulheres. Crianças. Ficaram ricos às nossas custas. Este iate… — Foi tudo o que conseguiu dizer.
— Deamone não era responsável pelo estado de coisas que encontrou ao nascer — disse Genro. — Se você tivesse nascido sarkiano, o que teria feito? Renunciado à sua condição social, se renunciasse, iria trabalhar nos campos de kyrt?
— Muito bem, então, atire — gritou Terens, contorcendo-se. — O que você está esperando?
— Não há pressa. Há tempo suficiente para acabar minha história. Não estávamos certos quanto à identidade do cadáver e do assassino, mas um palpite muito bom eram Deamone e você, respectivamente. Parecia óbvio para nós, a partir do fato de que as cinzas perto do corpo eram de um uniforme de patrulheiro, que você estava disfarçado de sarkiano. Parecia ainda provável que você se dirigisse para o iate de Deamone. Não superestime nossa estupidez, Conselheiro.
— As coisas estavam ainda mais complexas. Você era um homem desesperado. Seria insuficiente segui-lo. Você estava armado e indubitavelmente cometeria suicídio se não tivesse escapatória.
— O suicídio era algo que não queriam. Queriam você em Sark e o queriam ativo.
— Era um caso particularmente delicado para mim e era extremamente necessário convencer o Depseg que eu poderia cuidar de você sozinho, que eu poderia levá-lo a Sark sem barulho ou dificuldade. Você tem de admitir que é exatamente o que eu estou fazendo.
— Para dizer a verdade, queria primeiro saber se você era realmente nosso homem. Você estava vestido em trajes comuns de negócios nos jardins do iateporto. Era de um incrível mau gosto. Ninguém, eu acho, sonharia passar por um iatista sem as roupas adequadas. Eu pensei que você estivesse deliberadamente como isca, que você estivesse tentando ser preso enquanto o homem que queríamos escapava em outra direção.
— Hesitei e testei você de outras formas. Eu tateei com a chave da nave no lugar errado. Nenhuma nave já inventada abriria pelo lado direito da câmara de descompressão. Ela abre sempre e invariavelmente pelo lado esquerdo. Você não demonstrou qualquer surpresa pelo meu erro. Absolutamente nenhuma. Então eu lhe perguntei se sua nave já havia feito Sark-Florina em menos de 6 horas. Você disse que sim — ocasionalmente. Isto é notável demais. O tempo recorde para a viagem é de mais de 9 horas.
— Eu decidi que não poderia ser unia isca. À ignorância era suprema. Você tinha de ser naturalmente ignorante e provavelmente o homem certo. Era somente uma questão de que você caísse no sono e era óbvio pela sua cara que você precisava desesperadamente dormir — para que o desarmasse e o ameaçasse calmamente com uma arma adequada. Removi seu barrete mais por curiosidade que por qualquer outra coisa. Queria ver como ficava um costume sarkiano com uma cabeça ruiva projetando-se dele.
Terens mantinha os olhos na arma. Talvez Genro visse os músculos de seus maxilares juntarem-se. Talvez simplesmente tentasse adivinhar o que Terens estava pensando.
— Claro que não devo matá-lo, mesmo se me atacar — disse. — Não posso matá-lo nem mesmo em autodefesa. Não pense que vou lhe dar qualquer vantagem. Comece a mexer-se que eu arranco a sua perna.
A combatividade de Terens sumiu. Levou as costas das mãos à testa e sentou-se rigidamente.
— Sabe por que lhe contei tudo isso? — disse Genro suavemente.
Terens não respondeu.
— Primeiro — disse Genro — eu gosto de vê-lo sofrer. Não gosto de assassinos e particularmente não gosto de nativos que matam sarkianos. Tive ordens de entregá-lo vivo, mas nada em minhas ordens diz que eu tenho de tomar esta viagem agradável para você. Segundo, é necessário para você estar completamente a par da situação já que, depois de pousar em Sark, os passos seguintes dependerão de você.
Terens olhou para ele. — O quê?
— O Depseg sabe que você está chegando. A agência regional de Florina enviou a noticia logo que esta nave livrou-se da atmosfera de Florina. Pode estar certo disso. Mas eu disse que era inteiramente necessário para mim convencer o Depseg de que eu podia cuidar disto sozinho e o fato de que posso faz toda a diferença.