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— E quanto a você?

Lentamente Sark estava transformando-se de uma imensa e descaracterizada esfera de luzes ofuscante em algo mais vivo, numa superfície cortada por rios e enrugada em montanhas.

O sorriso de Genro era frio e sem graça. — Suas preocupações podem terminar com você mesmo. Quando descobrirem que você escapou, eu poderei ser executado como um traidor. Se eles me encontrarem indefeso e incapaz fisicamente de deter você, poderão simplesmente degradar-me como um tolo. Esta última possibilidade, eu suponho, é preferível, por isso peço que, antes de sair, use um chicote neurônico em mim.

— Você sabe do que é capaz um chicote neurônico? — disse o Conselheiro.

— Perfeitamente. — Havia pequenas gotas de suor em suas têmporas.

— Como pode ter certeza de que eu não vou matá-lo logo depois? Sou um assassino de Nobres, você sabe.

— Sei. Mas matar-me não vai ajudá-lo. Somente iria tomar seu tempo. Já me arrisquei mais do que isso.

A superfície de Sark, vista da visitela, estava se expandindo, suas fronteiras precipitavam-se através do limite da visibilidade, seu centro crescendo e os novos limites sumindo, por sua vez. Alguma coisa como um arco-íris de uma cidade sarkiana poderia ser percebida.

— Eu espero — disse Genro — que você não tenha a idéia de escapar por conta própria. Sark não é o lugar para isso. É Trantor ou os Nobres. Lembre-se.

A visão agora era definitivamente de uma cidade e uma mancha em seus limites expandia-se e tomava-se um espaçoporto abaixo deles. Flutuaram em sua direção numa velocidade baixa.

— Se Trantor não tiver você daqui a uma hora, os Nobres o pegarão antes que o dia termine — disse Genro. — Eu não garanto o que Trantor fará com você, mas eu posso garantir o que Sark faria.

Terens já havia sido do Funcionalismo Público. Ele sabia o que Sark iria fazer com um assassino de Nobres.

O porto parecia calmo na visitela, mas Genro não a observou por muito tempo. Estava mexendo nos instrumentos, cortando os jatos. A nave girou lentamente no ar, a mil e quinhentos metros de altura, e endireitou-se, a cauda para baixo.

Cem metros acima do fosso, os motores trovejaram intensamente. Através das molas hidráulicas, Terens podia sentir o estremecimento. Ficou tonto em seu assento.

— Pegue o chicote — disse Genro. — Rápido agora. Cada segundo é importante. A comporta de emergência fechará atrás de você. Levará cinco minutos até estranharem que eu não tenha aberto a porta principal, outros cinco minutos para arrombá-la, outros cinco para encontrá-lo Você tem quinze minutos para passar pelo portão e entrar no carro.

O estremecimento cessou e no pesado silêncio Terens sabia que havia feito contato com Sark.

Os campos diamagnéticos variáveis assumiram. O iate emborcou majestosamente e lentamente moveu-se até que repousasse sobre um dos lados.

— Agora! — disse Genro. Seu uniforme estava úmido pelo suor.

Terens, com a cabeça rodando e os olhos quase recusando entrar em foco, levantou seu chicote neurônico…

Terens sentia o frio cortante do outono de Sark. Passara anos em suas severas estações até quase esquecer o eterno e branco junho de Florina. Agora seus dias no Funcionalismo Público pesaram sobre ele como se nunca tivesse deixado este mundo de Nobres.

Exceto que agora era um fugitivo e sobre ele estava o estigma de seu crime máximo, o assassinato de um Nobre.

Caminhava no ritmo das batidas de seu coração. Atrás de si estava a nave e nela Genro, congelado na agonia do chicote. A câmara havia se fechado suavemente atrás dele, e caminhava por uma ampla trilha calçada. Havia operários e mecânicos ás dúzias em torno dele. Cada um deles tinha seu próprio trabalho e seus próprios problemas. Não pararam para olhar um homem no rosto. Não tinham motivo para isso.

E se alguém realmente o vira sair da nave?

Disse a si mesmo que ninguém o vira fazê-lo, ou nesse momento já teria surgido o clamor da perseguição.

Tocou seu barrete brevemente. Ainda estava enterrado até às orelhas, e o pequeno medalhão que agora levava era liso ao toque. Genro havia-lhe dito que serviria como identificação. Os homens de Trantor estariam alertas exatamente para o medalhão, brilhando ao sol.

Poderia retirá-lo, vagar por sua própria vontade, encontrar seu caminho para outra nave — de algum jeito. Fugiria de Sark — de algum jeito. Escaparia — de algum jeito.

“De-algum-jeito” demais! Em seu coração ele sabia que chegara ao ponto final, e, como dissera Genro, era Trantor ou Sark. Odiava e temia Trantor, mas sabia que qualquer opção que tomasse não poderia ser Sark.

— Você! Você ai!

Terens gelou. Levantou os olhos em um pânico gelado. O portão estava a uns trinta metros de distância. Se corresse… — Mas não permitiriam que um homem saísse correndo. Era uma coisa que não ousaria fazer. Ele não deveria correr.

A Jovem mulher estava olhando pela janela aberta de um carro que Terens jamais havia visto, nem mesmo durante seus quinze anos de Sark. Luzia como metal e cintilava como gemita translucente.

— Venha cá — disse ela.

As pernas de Terens levaram-no lentamente para o carro. Genro havia lhe dito que um carro de Trantor estaria esperando fora do porto. Ou não? E teriam mandado uma mulher numa missão dessas? Uma garota, de fato. Urna garota de rosto moreno, Lindo.

— Você chegou na nave que pousou agora, não é? — disse a garota.

Ele não respondeu.

— Venha, eu o vi sair da nave! — Deu uma pancadinha em seus óculos de pólo. Ele já havia visto óculos como aqueles antes.

— Sim. Sim — murmurou Terens.

— Entre então.

Segurou a porta aberta para ele, O carro era até mesmo mais luxuoso por dentro, O assento era macio e tudo nele cheirava a novo e perfumado, e a garota era linda.

— Você é um membro da tripulação? — perguntou ela.

Ela o estava testando. Terens imaginou. — Você sabe quem eu sou — disse. Levantou seus dedos momentaneamente até o medalhão,

Sem qualquer som de força motriz, o carro deu a ré e fez a volta.

No portão, Terens encolheu-se contra o estofamento macio, frio, coberto de kyrt, mas não havia necessidade de cautela. A garota falou autoritariamente e passaram pelo portão.

— Este homem está comigo. Sou Samia de Fife — disse.

Passaram.se alguns segundos até que Terens ouvisse e entendesse isso. Quando inclinou-se tensamente para a frente o carro estava viajando pelas vias expressas a duzentos por hora.

Um trabalhador de dentro do porto olhava, e resmungou brevemente para sua lapela. Então entrou no prédio e retornou a seu trabalho. Seu superintendente fechou a cara e tomou nota mentalmente para falar com Tip sobre este hábito de demorar-se fora do posto para fumar cigarros de meia em meia hora.

Fora do porto um dos dois homens dentro de um carro diamagnético falou com irritação: — Entrou no carro de uma garota? Que carro? Que garota? — Apesar de seu traje sarkiano, seu sotaque pertencia definitivamente aos mundos arcturianos do Império Trantoriano.

Seu companheiro era um sarkiano, bem versado nos noticiários da visitela. Quando o carro em questão rodou através do portão e ganhou velocidade quando virava e subia para o nível expresso, ergueu-se de seu assento e gritou: — É o carro de Madame Samia. Não há outro como ele. Minha boa Galáxia, o que vamos fazer?

— Seguir — disse o outro brevemente.