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— Conselheiro! Conselheiro!

Passou a correr. — O que há, Rasie? — Tinha se proposto a aprender os nomes dos garotos quando veio para a Cidade. Saía-se bem com as mães e tomava o primeiro ou os dois primeiros meses mais fáceis.

Rasie estava olhando angustiado. — Olhe aqui, Conselheiro — disse.

Estava apontando para algo branco e que se contorcia, e era Rik. Os outros meninos gritavam ao mesmo tempo numa confusa tentativa de explicação. Terens pôde entender que estavam jogando algo que envolvia correr, esconder-se e procurar. Estavam decididos a contar-lhe o nome do jogo, sua evolução, o ponto em que haviam sido interrompidos, com um leve argumento complementar relativo a exatamente quem ou que lado estava “ganhando”. Tudo isso não importava, é claro.

Rasie, um garoto de doze anos e cabelos negros, ouvira um murmúrio e se aproximara cautelosamente. Esperava um animal, talvez um rato do campo que proporcionasse uma boa caçada. Encontrara Rik.

Todos os meninos encontravam-se entre uma óbvia náusea e uma igualmente óbvia fascinação quanto à estranha visão. Era um ser humano adulto, quase nu, com o queixo molhado de saliva, lamuriando e chorando debilmente, braços e pernas movendo-se a esmo. Desbotados olhos azuis vagavam num rosto coberto por uma barba crescida. Por um momento os olhos encontraram os de Terens e pareceram enfocá-los. Lentamente o polegar do homem levantou-se e inseriu-se em sua boca.

Uma das crianças zombou. — Olhe, Conselheiro. Tá chupando o dedo!

O grito repentino fez estremecer a figura debruçada. Seu rosto corou e se contorceu. Uma fraca lamúria, não acompanhada de lágrimas, foi ouvida, mas seu polegar permaneceu onde estava. Mostrava-se molhado e rosado em contraste com o resto de sua mão imunda.

Terens demonstrou seu próprio entorpecimento pela visão. — Tudo bem — disse. — Olhem, amigos, não devem ficar correndo para lá e para cá aqui no campo kyrt. Estão estragando a plantação e vocês sabem o que isto significará se os colonos pegarem vocês. Vão andando, e mantenham-se quietos quanto a isto. E ouça, Rasie, corra até o Sr. Jencus e mande-o vir aqui.

Ull Jencus era a pessoa mais próxima de um médico que a cidade possuía. Trabalhara algum tempo como aprendiz no consultório de um médico da Cidade e, por isso, fora liberado do serviço nas fazendas ou nas usinas. Não trabalhava muito mal. Podia tomar temperaturas, ministrar pílulas, aplicar injeções e, o mais importante, poderia dizer quando algum tumulto era suficientemente sério para justificar uma ida ao hospital da Cidade. Apesar do amparo semi-profissional, os infelizes atingidos por meningite raquidiana ou apendicite aguda poderiam sofrer intensamente, mas não por muito tempo. Por assim dizer, os capatazes resmungavam e acusavam Jencus de ser cúmplice das conspirações em que fingiam doença para fugir do trabalho.

Jencus ajudou Terens a colocar o homem no reboque da aeromoto e, tão discretamente quanto pudessem, leva-lo-iam para a cidade.

Juntos levaram a sujeira acumulada e endurecida. Não havia nada a ser feito com o cabelo. Jencus raspou todo o corpo e fez o que podia em termos de exame físico.

Jencus disse: — Nenhuma infecção qu’eu possa distinguir, Conselheiro. Ele tem sido alimentado. As costelas não estão muito saltadas. Eu não sei o que fazer com ele. Como acha que ele veio parar aqui, Conselheiro?

Fez a pergunta com um tom pessimista, como se ninguém pudesse esperar que Terens tivesse uma resposta para tudo. Terens aceitou-a filosoficamente. Quando uma vila perde o Conselheiro, a quem se acostumara em um período de quase cinqüenta anos, um recém-chegado de tenra idade deve esperar um período de transição de suspeita e desconfiança. Não havia nisso nada de pessoal.

— Não sei — respondeu Terens.

— Não pode andar, s’or sabe. Não pode dar um passo. Teve que ser colocado lá. Quase não posso entender, parece um bebê. Tudo parece não ter sentido.

— Há alguma doença que tenha este efeito?

— Nenhuma, que eu saiba. Pode ser doença da cabeça, mas eu não sei nada a respeito. Problema de cabeça eu mandava pra Cidade. S’or já viu esse aí antes, Conselheiro?

Terens sorriu e disse gentilmente: — Eu só estou aqui há um mês.

Jencus suspirou e pegou seu lenço. — É, o velho Conselheiro, ele era um homem fino. Cuidou bem da gente, cuidou. Eu tô aqui faz uns sessenta anos, e nunca vi esse camarada antes. Deve de ser d’outra cidade.

Jencus era um homem gorducho. Parecia ter nascido gorducho, e se a esta tendência natural fora adicionado o efeito de uma vida grandemente sedentária, não era surpreendente que tendesse a pontuar até mesmo pequenas frases com arfadas e um gesto mais precisamente fútil à sua brilhante testa com seu grande lenço vermelho.

Ele disse: — Não sei exatamente o que falar pros patrulheiros.

Os patrulheiros viriam, com certeza. Era inevitável. Os meninos contariam a seus pais; seus pais contariam uns aos outros. A vida na Cidade era calma demais. Mesmo isso seria suficientemente incomum para valer a pena contar em todas as combinações possíveis de informantes e informados. Em todas as conversas, os patrulheiros não poderiam deixar de ouvir e interrogar.

Os chamados patrulheiros eram membros da Patrulha de Florina. Não eram nativos de Florina e, por outro lado, não eram conterrâneos dos Nobres do planeta Sark. Eram simplesmente mercenários em que se poderia confiar para manter a ordem pelo amor ao seu soldo e nunca seriam levados ao descrédito da simpatia por florinianos através de quaisquer laços de sangue ou nascimento.

Havia dois deles e um dos capatazes da usina veio ter com eles, na plenitude de sua minúscula autoridade.

Os patrulheiros estavam entediados e indiferentes. Um idiota descuidado poderia tomar parte do dia de trabalho, mas certamente não era uma parte excitante. Um deles disse ao capataz: — Bem, quanto tempo você leva para fazer uma identificação? Quem é este homem?

O capataz balançou energicamente a cabeça. — Eu nunca o tinha visto, oficial. Não é daqui!

O patrulheiro virou-se para Jencus. — Algum documento com ele?

— Não, senhor. Ele só tinha uns trapos no corpo. Queimei eles pra evitar infecção.

— O que há de errado com ele?

— Sem juízo, quase não posso entender.

Neste ponto, Terens afastou os patrulheiros. Por estarem entediados, foram complacentes. O patrulheiro que fizera as perguntas guardou sua caderneta e disse: — Está bem, não vale mesmo a pena fazer um registro. Não temos mais nada a fazer, livrem-se dele.

Então, foram-se.

O capataz permaneceu. Era um homem sardento, de cabelo vermelho, com um bigode grande e hirsuto. Fora um capataz de princípios rígidos por cinco anos, o que indicava que sua responsabilidade para o preenchimento da quota em sua usina repousava pesadamente sobre seus ombros.

— Olhe aqui — disse ferozmente. — O que deve ser feito com isto? Essa maldita gente está muito ocupada falando, ninguém mais trabalha.

— Manda ele pro hospital da Cidade, eu não posso resolver o caso — disse Jancus, brandindo seu lenço diligentemente. — Não há nada qu’eu possa fazer.

— Pra Cidade! — O capataz estava pasmado. — Quem vai pagar? Quem vai assumir as contas? Ele não é dos nossos, é?

— Nem imagino quem seja — admitiu Jencus.

— Então por que deveríamos pagar? Descubra de onde ele veio. Deixe a sua cidade pagar.

— Como vamos descobrir? Diga-me, como?

O capataz meditou. Umedeceu os lábios com a língua e alisou o espesso bigode avermelhado. Disse: — Então, só o que temos a fazer é nos livrarmos dele. Como o patrulheiro falou.

Terens interrompeu. — Olhe aqui. O que você quer dizer com isso?

— Ele poderia muito bem ser morto — disse o capataz. — Seria um ato de caridade.