— Entendo.
— Bom. Agora é a sua vez.
Os minutos se passavam. Subitamente, Rik arfou e começou a girar os controles para trás.
Quando parou, Terens leu o título e olhou satisfeito. — Lembra-se agora? Isto não é um palpite? Você se lembra?
Rik aprovou com a cabeça, vigorosamente. — Lembro, Conselheiro. Muito rápido.
Lia-se o artigo: Análise espacial.
— Eu não sei o que quer dizer — disse Rik. — Você verá, você verá. — Estava tendo dificuldade para respirar normalmente e Terens, por sua vez, estava quase igualmente excitado.
— Veja — disse Rik — eu sempre afirmei isto.
Lia alto, vacilante, mas de uma maneira muito mais competente que a que poderia ser computada às superficiais lições de leitura que recebera de Valona. O artigo dizia:
“Não é surpreendente que o analista espacial seja por temperamento um indivíduo introvertido e, com bastante freqüência, mal ajustado. Devotar a maior parte de sua vida adulta ao solitário registro do terrível vazio entre as estrelas é mais do que o que pode ser pedido a alguém inteiramente normal. É talvez com certa compreensão disso que o Instituto Analítico.espacial adotou como seu slogan oficial a afirmação, um tanto deturpada, Nós Analisamos Nada”.
Rik terminou com o que era quase uma risada estridente.
— Você entende o que leu? — perguntou Terens.
O menor dos dois olhou.o com os olhos brilhantes. — Diz: “Nós Analisamos Nada”. Isto é do que me lembrei. Eu era um deles.
— Você era um analista espacial?
— Sim — gritou Rik. Depois, em tom mais baixo: — Minha cabeça dói.
— Porque você está se lembrando?
— Suponho que sim. — Olhou-o, a testa vincada. — Tenho de me lembrar mais. Há perigo. Tremendo perigo! Eu não sei o que fazer.
— A biblioteca está à sua disposição, Rik. — Terens o observava cuidadosamente, pesando suas palavras. — Use você mesmo o catálogo e procure alguns textos de Análise Espacial. Veja onde isto o levará.
Rik atirou-se sobre o leitor. Estava visivelmente trêmulo. Terens moveu-se para o lado para dar-lhe espaço.
— Que tal o Tratado de Instrumentação Analítico-espacial, de Wrijt? — perguntou Rik. — Não soa bem?
— Está tudo em suas mãos, Rik.
Rik introduziu o número do catálogo e a tela iluminou-se brilhante e fixamente. Dizia: “Por favor, consulte a bibliotecária para o livro em questão”.
Terens fez um gesto rápido e neutralizou a tela. — Melhor tentar outro livro, Rik.
— Mas… — Rik hesitou, então seguiu em ordem. Outra pesquisa pelo catálogo e então escolheu Composição do Espaço, de Enning.
A tela preencheu-se novamente com um pedido para uma consulta à bibliotecária. Terens disse — Droga! — e apagou a tela outra vez.
— O que houve? — perguntou Rik.
— Nada. Nada. Agora não entre em pânico, Rik. Eu na verdade não compreendi tudo…
Havia um pequeno alto-falante atrás da grade na lateral do mecanismo de leitura. A voz aguda, seca, da bibliotecária emergiu dele e os congelou.
— Sala 242! Há alguém na Sala 242?
Terens respondeu asperamente. — O que você quer?
A voz disse: — Qual o livro que vocês querem?
— Nenhum deles. Obrigado. Estamos somente testando o leitor.
Houve uma pausa, como se alguma consulta invisível estivesse sendo feita. Então a voz retornou com uma rispidez até mesmo mais acentuada.
— O registro indica um pedido de leitura do Tratado de Instrumentação Analítico-espacial, de Wrijt, e Composição do Espaço, de Enning. Correto?
— Estávamos introduzindo números de catálogos a esmo — disse Terens.
— Posso perguntar-lhes a razão para desejarem tais livros? — A voz era inexorável.
— Eu lhe digo que não os queremos… Agora pare com isso. — Estas últimas palavras eram um raivoso aparte para Rik, que havia começado a choramingar
Novamente uma pausa. Então a voz disse: — Se descerem até a minha escrivaninha poderão ter acesso aos livros. Estão numa listagem reservada e vocês terão de preencher um formulário.
Terens estendeu a mão para Rik. — Vamos.
— Talvez tenhamos desrespeitado alguma regra — disse Rik, com voz trêmula.
— Besteira, Rik. Estamos indo embora.
— Não vamos preencher o formulário?
— Não, pegaremos os livros outra hora.
Terens estava apressado, forçando Rik a acompanhá-lo. A passos largos entrou no saguão principal. A bibliotecária os olhou.
— Já aqui? — gritou, levantando e dando a volta na escrivaninha. — Um momento. Um momento!
Eles não estavam parando para ela, pelo menos até que um patrulheiro surgiu à frente deles. — Vocês estão com uma pressa terrível, rapazinhos.
A bibliotecária, um tanto sem fôlego, alcançou-os. — Vocês são 242, não são?
— Olhe aqui — disse Terens firmemente —, por que estamos sendo detidos?
— Vocês não pediram informações sobre certos livros? Gostaríamos de consegui-los para vocês.
— É muito tarde. Uma outra vez. Não entende que não queremos os livros? Voltaremos amanhã.
— A biblioteca — disse empertigadamente a mulher — a qualquer hora empenha-se para dar satisfação. Os livros estarão disponíveis para vocês em um minuto. — Duas manchas vermelhas coloriram suas faces. Virou-se, precipitando-se através de uma pequena porta que abriu à sua aproximação.
— Oficial, se o senhor não se importar… — disse Terens.
Mas o patrulheiro estendeu seu chicote neurônico moderadamente longo, pesado. Poderia servir como um excelente cassetete, ou como uma arma de maior alcance de potencialidades paralisantes. Disse: — Agora, rapazinho, por que você não se senta quietinho e espera a moça voltar? Seria delicadeza fazê-lo.
O patrulheiro não era nem jovem nem esbelto. Parecia próximo da aposentadoria e estava provavelmente passando seu tempo vegetando como guarda de biblioteca, mas estava armado e a jovialidade em seu rosto moreno tinha uma aparência insincera.
A testa de Terens estava úmida e ele podia sentir a transpiração acumular-se na base de sua espinha. Por alguma razão havia subestimado a situação. Estivera certo de sua própria análise do assunto, de tudo. Neste ponto ainda estava. Não deveria ter sido tão imprudente. Fora seu maldito desejo de invadir a Cidade Superior, andar empertigadamente pelos corredores da biblioteca como se fosse um sarkiano…
Por um desesperado momento quisera atacar o patrulheiro e então, inesperadamente, não teve de fazê-lo.
De início foi somente um lampejo de movimento, O patrulheiro começou a virar um pouco tarde demais. As reações mais lentas da idade traíram-no, O chicote neurônico fora arrancado da mão que o agarrava e antes que pudesse fazer mais que iniciar um grito rouco, o chicote estalou em sua têmpora. Sofrera um colapso.
Rik gritou estridentemente com alegria, e Terens berrou: Valona! Por todos os demônios de Sark, Valona!
4. O Rebelde
Terens recuperou-se quase simultaneamente. Disse: — Pra fora, rápido! — e começou a caminhar.
Por um momento teve o impulso de arrastar o corpo inconsciente do patrulheiro para as sombras atrás dos pilares que delineavam o saguão principal, mas obviamente não havia tempo.
Emergiram na rampa, com o sol da tarde tornando o mundo brilhante e quente em tomo deles. As cores da Cidade Superior tinham mudado para um tom laranja.
Valona estava ansiosa. — Vamos! — disse ela, mas Terens segurou seu cotovelo.