as suas instruções, estou convencido de que dará boa conta do recado,
tal como eu tinha dito antes, nunca me deu a menor razão de queixa,
Nem a maior, creio, Nem nenhumas destas nem nenhumas daquelas,
respondeu a hierarquia, que tinha compreendido enfim a finura do
jocoso toque.
Tudo, ou quase tudo, para sermos mais precisos, se passou como o
ministro havia previsto. Exactamente à hora marcada, nem um minuto
antes, nem um minuto depois, o emissário da associação de delin-
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quentes que a si mesma se denomina máphia telefonou para ouvir o
que o ministério tinha para dizer. o director de serviço desobrigou-se
com nota alta da incumbência que lhe havia sido adjudicada, foi firme e
claro, persuasivo na questão fundamental, isto é, os vigilantes permane-
ceriam nos seus lugares, porém desactivados, e teve a satisfação de
receber em troca, e logo transmitir à hierarquia, a melhor das respostas
possíveis na actual circunstância, a de que a sugestão alternativa do
governo iria ser atentamente examinada e de que passadas vinte e
quatro horas seria feita outra chamada. Assim sucedeu. Do exame tinha
resultado que a proposta do governo poderia ser aceite, mas com uma
condição, a de que só deveriam ser desactivados os vigilantes que se
mantivessem leais ao governo, ou, por outras palavras, aqueles a quem
a máphia, simplesmente, não tivesse convencido a colaborar com o
novo patrão, isto é, ela própria. Façamos um esforço para entender o
ponto de vista dos criminosos. Colocados perante uma complexa
operação de longa duração e à escala nacional, e tendo de empregar
uma boa parte do seu mais experimentado pessoal nas visitas às
famílias que em princípio estariam inclinadas a desfazer-se dos seus
entes queridos para louvavelmente os poupar a sofrimentos não só
inúteis, como eternos, estava mui claro que lhes conviria, na medida do
possível, e utilizando para tal as suas armas preferidas, corrupção,
suborno, intimidação, aproveitar os serviços da gigantesca rede de
informadores já montada pelo governo. Foi contra esta pedra de súbito
atirada ao meio do caminho que a estratégia do ministro do interior
esbarrou com grave dano para a dignidade do estado e do governo.
Entalado entre a espada e a parede, entre sila e caribdes, entre a cruz e a
caldeirinha, correu a consultar o primeiro-ministro sobre o inesperado
nó górdio surgido. o pior de tudo era que as cousas haviam ido
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demasiado longe para que se pudesse agora voltar atrás. o chefe do
governo, apesar de mais experiente que o ministro do interior, não
encontrou melhor saída para a dificuldade que propor uma nova
negociação, agora com o estabelecimento de uma espécie de numerus
clausus, qualquer cousa como o máximo de vinte e cinco por cento do
número total de vigilantes em actividade que passariam a trabalhar
para a outra parte. Mais uma vez viria a caber ao director de serviço
transmitir a um interlocutor já impaciente a plataforma conciliatória
com a qual, forçados pela sua própria ansiedade a acalentar esperanças,
o chefe do governo e o ministro do interior acreditavam que o acordo
viria a ser finalmente homologado. sem assinaturas, uma vez que se
tratava de um acordo de cavalheiros, desses em que é suficiente o
simples empenho da palavra, prescindindo, como nos explica o
dicionário, de formalidades legais. Era não fazer a menor ideia do
retorcido e maligno que é o espírito dos maphiosos. Em primeiro lugar,
não marcaram um prazo para a resposta, deixando sobre áscuas o pobre
do ministro do interior, já resignado a entregar a sua carta de demissão.
Em segundo lugar, quando ao cabo de vários dias lhes ocorreu que
deviam telefonar foi somente para dizer que ainda não haviam chegado
a nenhuma conclusão sobre se a plataforma seria toleravelmente
conciliatória para eles, e, de passagem, assim como quem não quer a
cousa, aproveitaram a ocasião para informar que não tinham qualquer
responsabilidade no facto lamentável de no dia anterior terem sido
encontrados em péssimo estado de saúde mais quatro vigilantes. Em
terceiro lugar, graças a que toda a espera tem seu fim, feliz ou infeliz ele
seja, a resposta que acabou por ser comunicada ao governo pela
direcção nacional maphiosa, via director de serviço e hierarquia,
dividia-se em dois pontos, a saber, ponto a, o numerus clausus não seria
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de vinte e cinco por cento, mas de trinta e cinco, ponto b, sempre que o
considerasse conveniente para os seus interesses, e sem necessidade de
prévia consulta às autoridades e menos ainda consentimento, a
organização exigia que lhe fosse reconhecido o direito de transferir
vigilantes ao seu próprio serviço para lugares onde se encontrassem
vigilantes desactivados, sendo escusado dizer que aqueles iriam ocupar
os lugares destes. Era pegar ou largar. Vê alguma maneira de fugir a
esta disjuntiva, perguntou o chefe do governo ao ministro do interior,
Não creio sequer que ela exista, senhor, se recusarmos, calculo que
iremos ter quatro vigilantes inutilizados para o serviço e para a vida em
cada dia que passe, se aceitarmos, ficaremos nas mãos dessa gente deus
sabe por quanto tempo, Para sempre, ou ao menos enquanto houver
famílias que se queiram ver livres a qualquer preço dos empecilhos que
têm lá em casa, Isso acaba de dar-me uma ideia, Não sei se deva
alegrar-me, Tenho feito o melhor que posso, senhor primeiro-ministro,
se me tornei num empecilho de outro tipo só tem que dizer uma
palavra, Adiante, não seja tão susceptível, que ideia é essa, Creio,
senhor primeiro-ministro, que nos encontramos perante um claríssimo
exemplo de oferta e procura, E isso a que propósito vem, estamos a falar
de pessoas que neste momento só têm uma maneira de morrer, Tal
como na dúvida clássica de saber o que apareceu primeiro, se o ovo, se
a galinha, também nem sempre é possível distinguir se foi a procura
que precedeu a oferta ou se, pelo contrário, foi a oferta que pôs em
movimento a procura, Estou a ver que não seria de má política tirá-lo da
pasta do interior e passá-lo para a economia, Não são assim tão
diferentes, senhor primeiro-ministro, da mesma maneira que no interior
existe uma economia, existe também na economia um interior, são
vasos comunicantes, por assim dizer, Não divague, diga-me qual é a
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ideia, se àquela primeira família não lhe tivesse ocorrido que a solução
do problema podia estar à sua espera no outro lado da fronteira, talvez
a situação em que hoje nos encontramos fosse diferente, se muitas
famílias não lhe tivessem seguido o exemplo depois, a máphia não teria
aparecido a querer explorar um negócio que simplesmente não existiria,
Teoricamente assim é, ainda que, como sabemos, eles sejam capacíssi-
mos de espremer de uma pedra a água que lá não está e depois vendê-
la mais cara, de um modo ou outro continuo sem ver que ideia é essa
sua, É simples, senhor primeiro-ministro, oxalá o seja, Em poucas
palavras, estancar o caudal da oferta, E isso como se conseguiria,