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forem inteligentes, Boas noites, eminência, desejo-lhe um sono tranquilo

e reparador, Boas noites, senhor primeiro-ministro, se a morte resolver

regressar esta noite, espero que não se lembre de o ir escolher a si, se a

justiça neste mundo não é uma palavra vã, a rainha-mãe deverá ir

primeiro que eu, Prometo que não o denunciarei amanhã ao rei, Quanto

lhe agradeço, eminência, Boas noites, Boas noites.

Eram três horas da madrugada quando o cardeal teve de ser levado a

correr ao hospital com um ataque de apendicite aguda que obrigou a

uma imediata intervenção cirúrgica. Antes de ser sugado pelo túnel da

anestesia, naquele instante veloz que precede a perda total da

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consciência, pensou o que tantos outros têm pensado, que poderia vir a

morrer durante a operação, depois lembrou-se de que tal já não era

possível, e, finalmente, num último lampejo de lucidez, ainda lhe

passou pela mente a ideia de que se, apesar de tudo, morresse mesmo,

isso significaria que teria, paradoxalmente, vencido a morte. Arrebatado

por uma irresistível ânsia sacrificial ia implorar a deus que o matasse,

mas já não foi a tempo de pôr as palavras na sua ordem. A anestesia

poupou-o ao supremo sacrilégio de querer transferir os poderes da

morte para um deus mais geralmente conhecido como dador da vida.

Embora tivesse sido imediatamente posta a ridículo pelos jornais da

concorrência, que haviam conseguido arrancar à inspiração dos seus

redactores principais os mais diversos e substanciosos títulos, algumas

vezes dramáticos, líricos outras, e, não raro, filosóficos ou místicos,

quando não de comovedora ingenuidade, como tinha sido o caso

daquele diário popular que se contentou com a pergunta E Agora Que

Irá ser De Nós, acrescentando como rabo da frase o alarde gráfico de

um enorme ponto de interrogação, a já falada manchete Ano Novo,

Vida Nova, não obstante a confrangedora banalidade, caiu como sopa

no mel em algumas pessoas que, por temperamento natural ou

educação adquirida, preferiam acima de tudo a firmeza de um

optimismo mais ou menos pragmático, mesmo se tivessem motivos

para suspeitar de que se trataria de uma mera e talvez fugaz aparência.

Tendo vivido, até estes dias de confusão, naquilo que haviam

imaginado ser o melhor de todos os mundos possíveis e prováveis,

descobriam, deliciados, que o melhor, realmente o melhor, era agora

que estava a acontecer, que já o tinham ali mesmo, à porta de casa, uma

vida única, maravilhosa, sem o medo quotidiano da rangente tesoura

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da parca, a imortalidade na pátria que nos deu o ser, a salvo de

incomodidades metafísicas e grátis para toda a gente, sem uma carta de

prego para abrir à hora da morte, tu para o paraíso, tu para o

purgatório, tu para o inferno, nesta encruzilhada se separavam em

outros tempos, queridos companheiros deste vale de lágrimas chamado

terra, os nossos destinos no outro mundo. Posto isto, não tiveram os

periódicos reticentes ou problemáticos outra solução, e com eles as

televisões e as rádios afins, que unir-se à maré alta de alegria colectiva

que alastrava de norte a sul e de leste a oeste, refrescando as mentes

temerosas e arrastando para longe da vista a longa sombra de tânatos.

Com o passar dos dias, e vendo que realmente ninguém morria, os

pessimistas e os cépticos, aos poucos e poucos no princípio, depois em

massa, foram-se juntando ao mare magnum de cidadãos que aprovei-

tavam todas as ocasiões para sair à rua e proclamar, e gritar, que, agora

sim, a vida é bela.

Um dia, uma senhora em estado de viúva recente, não encontrando

outra maneira de manifestar a nova felicidade que lhe inundava o ser, e

se bem que com a ligeira dor de saber que, não morrendo ela, nunca

mais voltaria a ver o pranteado defunto, lembrou-se de pendurar para a

rua, na sacada florida da sua casa de jantar, a bandeira nacional. Foi o

que se costuma chamar meu dito, meu feito. Em menos de quarenta e

oito horas o embandeiramento alastrou a todo o país, as cores e os sím-

bolos da bandeira tomaram conta da paisagem, com maior visibilidade

nas cidades pela evidente razão de estarem mais beneficiadas de

varandas e janelas que o campo. Era impossível resistir a um tal fervor

patriótico, sobretudo porque, vindas não se sabia donde, haviam

começado a difundir-se certas declarações inquietantes, para não dizer

francamente ameaçadoras, como fossem, por exemplo, Quem não puser

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a imortal bandeira da pátria à janela da sua casa, não merece estar vivo,

Aqueles que não andarem com a bandeira nacional bem à vista é

porque se venderam à morte, Junte-se a nós, seja patriota, compre uma

bandeira, Compre outra, Compre mais outra, Abaixo os inimigos da

vida, o que lhes vale a eles é já não haver mais morte. As ruas eram um

autêntico arraial de insígnias desfraldadas, batidas pelo vento, se este

soprava, ou, quando não, um ventilador eléctrico colocado ajeito fazia-

lhe as vezes, e se a potência do aparelho não era bastante para que o

estandarte virilmente drapejasse, obrigando-o a dar aqueles estalos de

chicote que tanto exaltamos espíritos marciais, ao menos fazia com que

ondulassem honrosamente as cores da pátria. Algumas raras pessoas, à

boca pequena, murmuravam que aquilo era um exagero, um

despropósito, que mais tarde ou mais cedo não haveria outro remédio

que retirar aquele bandeiral todo, e quanto mais cedo o fizermos,

melhor, porque da mesma maneira que demasiado açúcar no pudim dá

cabo do paladar e prejudica o processo digestivo, também o normal e

mais do que justo respeito pelos emblemas patrióticos acabará por

converter-se em chacota se permitirmos que descambe em autênticos

atentados contra o pudor, como os exibicionistas de gabardina de

execrada memória. Além disso, diziam, se as bandeiras estão aí para

celebrar o facto de que a morte deixou de matar, então de duas uma, ou

as retiramos antes de que com a fartura comecemos a embirrar com os

símbolos da pátria, ou vamos levar o resto da vida, isto é, a eternidade,

sim, dizemos bem, a eternidade, a mudá-los de cada vez que os

apodreça a chuva, que o vento os esfarrape ou o sol lhes coma o

colorido. Eram pouquíssimas as pessoas que tinham a coragem de pôr

assim, publicamente, o dedo na ferida, e um pobre homem houve que

teve de pagar o antipatriótico desabafo com uma tareia que, se não lhe

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acabou ali mesmo com a triste vida, foi só porque a morte havia

deixado de operar neste país desde o princípio do ano.

Nem tudo é festa, porém, ao lado de uns quantos que riem, sempre

haverá outros que chorem, e às vezes, como no presente caso, pelas

mesmas razões. Importantes sectores profissionais, seriamente

preocupados com a situação, já começaram a fazer chegar a quem de

direito a expressão do seu descontentamento. Como seria de esperar, as

primeiras e formais reclamações vieram das empresas do negócio

funerário. Brutalmente desprovidos da sua matéria-prima, os