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proprietários começaram por fazer o gesto clássico de levar as mãos à

cabeça, gemendo em carpideiro coro, E agora que irá ser de nós, mas

logo, perante a perspectiva de uma catastrófica falência que a ninguém

do grémio minero pouparia, convocaram a assembleia geral da classe,

ao fim da qual, após acabadas discussões, todas elas improdutivas

porque todas, sem excepção, iam dar com a cabeça no muro indestru-

tível da falta de colaboração da morte, essa a que se haviam habituado,

de pais a filhos, como algo que por natureza lhes era devido, aprovaram

um documento a submeter à consideração do governo da nação, o qual

documento adoptava a única proposta construtiva, construtiva, sim,

mas também hilariante, que havia sido apresentada a debate, Vão-se rir

de nós, avisou o presidente da mesa, mas reconheço que não temos

outra saída, ou é isto, ou será a ruína do sector. Informava pois o

documento que, reunidos em assembleia geral extraordinária para

examinar a gravíssima crise com que se estavam debatendo por motivo

da falta de falecimentos em todo o país, os representantes das agências

funerárias, depois de uma intensa e participada análise, durante a qual

sempre havia imperado o respeito pelos supremos interesses da nação,

tinham chegado à conclusão de que ainda era possível evitar as

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dramáticas consequências do que sem dúvida irá passar à história como

a pior calamidade colectiva que nos caiu em cima desde a fundação da

nacionalidade, isto é, que o governo decida tornar obrigatórios o

enterramento ou a incineração de todos os animais domésticos que

venham a defuntar de morte natural ou por acidente, e que tal

enterramento ou tal incineração, regulamentados e aprovados, sejam

obrigatoriamente levados a cabo pela indústria funerária, tendo em

contra as meritórias provas prestadas no passado como autêntico

serviço público que têm sido, no sentido mais profundo da expressão,

gerações após gerações. o documento continuava, solicitamos ainda a

melhor atenção do governo para o facto de que a indispensável

reconversão da indústria não será viável sem vultosos investimentos,

pois não é a mesma cousa sepultar um ser humano e levar à última

morada um gato ou um canário, e porque não dizer um elefante de

circo ou um crocodilo de banheira, sendo portanto necessário

reformular de alto a baixo o nosso know how tradicional, servindo de

providencial apoio a esta indispensável actualização a experiência já

adquirida desde a oficialização dos cemitérios para animais, ou seja,

aquilo que até agora não havia passado de uma intervenção marginal

da nossa indústria, ainda que, não o negamos, bastamente lucrativa,

tomar-se-ia em actividade exclusiva, evitando-se assim, na medida do

possível, o despedimento de centenas senão milhares de abnegados e

valorosos trabalhadores que em todos os dias da sua vida enfrentaram

corajosamente a imagem terrível da morte e a quem a mesma morte

volta agora imerecidamente as costas, Exposto o que, senhor primeiro-

ministro, rogamos, com vista à merecida protecção de uma profissão

milenariamente classificada de utilidade pública, se digne considerar,

não somente a urgência de uma decisão favorável, mas também, em

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paralelo, a abertura de uma linha de créditos bonificados, ou então, e

isso seria ouro sobre azul, ou dourado sobre negro, que são as nossas

cores, para não dizer da mais elementar justiça, a concessão de

empréstimos a fundo perdido que ajudem a viabilizar a rápida

revitalização de um sector cuja sobrevivência se encontra ameaçada

pela primeira vez na história, e desde muito antes dela, em todas as

épocas da pré-história, pois nunca a um cadáver humano deve ter

faltado quem, mais cedo ou mais tarde, acudisse a enterrá-lo, ainda que

não fosse mais que a generosa terra abrindo-se. Respeitosamente,

pedem deferimento.

Também os directores e administradores dos hospitais, tanto do

estado como privados, não tardaram muito a ir bater à porta do

ministério da tutela, o da saúde, para expressar junto dos serviços

competentes as suas inquietações e os seus anseios, os quais, por

estranho que pareça, quase sempre relevavam mais de questões

logísticas que propriamente sanitárias. Afirmavam eles que o corrente

processo rotativo de enfermos entrados, enfermos curados e enfermos

mortos havia sofrido, por assim dizer, um curto-circuito ou, se

quisermos falar em termos menos técnicos, um engarrafamento como os

dos automóveis, o qual tinha a sua causa na permanência indefinida de

um número cada vez maior de internados que, pela gravidade das

doenças ou dos acidentes de que haviam sido vítimas, já teriam, em

situação normal, passado à outra vida. A situação é difícil, argumen-

tavam, já começámos a pôr doentes nos corredores, isto é, mais do que

era costume fazê-lo, e tudo indica que em menos de uma semana nos

iremos encontrar a braços não só com a escassez das camas, mas

também, estando repletos os corredores e as enfermarias, sem saber, por

falta de espaço e dificuldade de manobra, onde colocar as que ainda

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estejam disponíveis. É certo que há uma maneira de resolver o

problema, concluíam os responsáveis hospitalares, porém, ofendendo

ela, ainda que de raspão, o juramento hipocrático, a decisão, no caso de

vir a ser tomada, não poderá ser nem médica nem administrativa, mas

política. Como a bom entendedor sempre meia palavra bastou, o

ministro da saúde, depois de consultar o primeiro-ministro, exarou o

seguinte despacho, Considerando a imparável sobreocupação de inter-

nados que já começa a prejudicar seriamente o ate agora excelente

funcionamento do nosso sistema hospitalar e que é a directa consequên-

cia do crescente número de pessoas ingressadas em estado de vida

suspensa e que assim irão manter-se indefinidamente, sem quaisquer

possibilidades de cura ou de simples melhora, pelo menos até que a

investigação médica alcance as novas metas que se tem proposto, o

governo aconselha e recomenda às direcções e administrações

hospitalares que, após uma análise rigorosa, caso por caso, da situação

clínica dos doentes que se encontrem naquela situação, e confirmando-

se a irreversibilidade dos respectivos processos mórbidos, sejam eles

entregues aos cuidados das famílias, assumindo os estabelecimentos

hospitalares a responsabilidade de assegurar aos enfermos, sem reserva,

todos os tratamentos e exames que os seus médicos de cabeceira ainda

julguem necessários ou simplesmente aconselháveis. Fundamenta-se

esta decisão do governo numa hipótese facilmente admissível por toda

a gente, a de que a um paciente em tal estado, permanentemente à beira

de um falecimento que permanentemente lhe vai sendo negado, deverá

ser-lhe pouco menos que indiferente, mesmo em algum momento de

lucidez, o lugar em que se encontre, quer se trate do seio carinhoso da