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da idade da pedra, toda a gente usa atendedores de chamadas menos

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eu, resmungou. se precisava de uma prova de que ela não tinha

telefonado, deram-lha as horas seguintes. Em princípio, quem telefonou

e não teve resposta, telefonará outra vez, mas o maldito aparelho

manteve-se silencioso toda a tarde, alheio aos olhares cada vez mais

desesperançados que o violoncelista lhe lançava. Paciência, tudo indica

que ela não ligará, talvez por uma razão ou outra não lhe tivesse sido

possível, mas irá ao concerto, regressarão os dois no mesmo táxi como

aconteceu depois do outro concerto, e, quando aqui chegarem, ele

convidá-la-á a entrar, e então poderão conversar tranquilamente. ela

dar-lhe-á finalmente a ansiada carta e depois ambos acharão muita

graça aos exagerados elogios que ela, arrastada pelo entusiasmo

artístico, havia escrito após o ensaio em que ele não a tinha visto, e ele

dirá que não é nenhum rostropovitch, e ela dirá sabe-se lá o que o

futuro lhe reserva, e quando já não tiverem mais nada que dizer ou

quando as palavras começarem a ir por um lado e os pensamentos por

outro, então se verá se algo poderá suceder que valha a pena recordar

quando formos velhos. Foi neste estado de espírito que o violoncelista

saiu de casa, foi este estado de espírito que o levou ao teatro, com este

estado de espírito entrou no palco e foi sentar-se no seu lugar. O

camarote estava vazio. Atrasou-se, disse consigo mesmo, deverá estar a

ponto de chegar, ainda há pessoas a entrar na sala. Era certo, pedindo

desculpa pelo incómodo de fazer levantar os que já estavam sentados,

os retardatários iam ocupando as suas cadeiras, mas a mulher não

apareceu. Talvez no intervalo. Nada. o camarote permaneceu vazio até

ao fim da função. Contudo, ainda havia uma esperança razoável, a de

que, tendo-lhe sido impossível vir ao espectáculo por motivos que já

explicaria, estivesse à sua espera lá fora, na porta dos artistas. Não

estava. E como as esperanças têm esse fado que cumprir, nascer umas

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das outras, por isso é que, apesar de tantas decepções, ainda não se

acabaram no mundo, poderia ser que ela o aguardasse à entrada do

prédio comum, sorriso nos lábios e a carta na mão, Aqui a tem, o

prometido é devido. Também não estava, o violoncelista entrou em casa

como um autómato, dos antigos, dos da primeira geração, daqueles que

tinham de pedir licença a uma perna para poderem mover a outra.

Empurrou o cão que o viera saudar, largou o violoncelo onde calhou e

foi-se estender em cima da cama. Aprende, pensava, aprende de uma

vez, pedaço de estúpido. portaste-te como um perfeito imbecil, puseste

os significados que desejavas em palavras que afinal de contas tinham

outros sentidos, e mesmo esses não os conheces nem conhecerás.

acreditaste em sorrisos que não passavam de meras e deliberadas

contracções musculares. esqueceste-te de que levas quinhentos anos às

costas apesar de caridosamente to haverem recordado, e agora eis-te aí,

como um trapo, deitado na cama onde esperavas recebê-la, enquanto

ela se está rindo da triste figura que fizeste e da tua incurável parvoíce.

Esquecido já da ofensa de ter sido rejeitado, o cão veio consolá-lo. Pôs

as patas da frente em cima do colchão, arrastou o corpo até chegar à

altura da mão esquerda do dono, ali abandonada como algo inútil,

inservível, e sobre ela, suavemente, pousou a cabeça. Podia tê-la

lambido e tornado a lamber, como costumam fazer os cães vulgares,

mas a natureza, desta vez benévola, reservara para ele uma

sensibilidade tão especial que até lhe permitia inventar gestos diferentes

para expressar as sempre mesmas e únicas emoções. o violoncelista

virou-se para o lado do cão, moveu e dobrou o corpo até que a sua

própria cabeça pôde ficar a um palmo da cabeça do animal, e assim

ficaram, a olhar-se, dizendo sem necessidade de palavras, pensando

bem, não tenho ideia nenhuma de quem és, mas isso não conta, o que

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importa é que gostemos um do outro. A amargura do violoncelista foi

diminuindo a pouco e pouco. em verdade o mundo está mais que farto

de episódios como este, ele esperou e ela faltou. ela esperou e ele não

veio, no fundo, e aqui para nós, cépticos e descrentes que somos, antes

isso que uma perna partida. Era fácil dizê-lo, mas bem melhor seria tê-

lo calado, porque as palavras têm muitas vezes efeitos contrários aos

que se haviam proposto, tanto assim que não é raro que estes homens

ou aquelas mulheres jurem e praguejem, Detesto-a, Detesto-o, e logo

rebentem lágrimas depois da palavra dita. o violoncelista sentou-se na

cama, abraçou o cão, que lhe pusera as patas nos joelhos em último

gesto de solidariedade, e disse, como quem a si mesmo se repreendia.

um pouco de dignidade, por favor, já basta de lamúrias. Depois, para o

cão, Tens fome, claro. Abanando o rabo, o cão respondeu que sim

senhor, tinha fome, há uma quantidade de horas que não comia, e os

dois foram para a cozinha. o violoncelista não comeu, não lhe apetecia.

Além disso o nó que tinha na garganta não o deixaria engolir. passada

meia hora já estava na cama, havia tomado uma pastilha para o ajudar a

entrar no sono, mas de pouco lhe serviu. Acordava e adormecia.

acordava e adormecia, sempre com a ideia de que tinha de correr atrás

do sono para o agarrar e impedir que a insónia viesse ocupar-lhe o

outro lado da cama. Não sonhou com a mulher do camarote, mas houve

um momento em que despertou e a viu de pé, no meio da sala de

música, com as mãos cruzadas sobre o peito.

O dia seguinte era domingo, e domingo é o dia de levar o cão a

passear. Amor com amor se paga, parecia dizer-lhe o animal, já com a

trela na boca e a postos para o passeio. Quando, já no parque, o

violoncelista se encaminhava para o banco onde era costume sentar-se,

viu, de longe, que uma mulher já se encontrava ali.

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Os bancos de jardim são livres, públicos e em geral gratuitos. Não se

pode dizer a quem chegou primeiro que nós, Este banco é meu, tenha a

bondade de ir procurar outro. Nunca o faria um homem de boa

educação como o violoncelista, e menos ainda se lhe tivesse parecido

reconhecer na pessoa a famosa mulher do camarote de primeira ordem,

a mulher que havia faltado ao encontro, a mulher a quem vira no meio

da sala de música com as mãos cruzadas sobre o peito. Como se sabe,

aos cinquenta anos os olhos já não são de fiar, começamos a piscar, a

semicerrá-los como se quiséssemos imitar os heróis do faroeste ou os

navegadores de antanho, em cima do cavalo ou à proa da caravela, com

a mão em pala, a esquadrinhar os horizontes distantes. A mulher está

vestida de maneira diferente, de calças e casaco de pele, é com certeza

outra pessoa, isto diz o violoncelista ao coração, mas este, que tem

melhores olhos, diz-te que abras os teus, que é ela, e agora vê lá bem

como te vais portar. A mulher levantou a cabeça e o violoncelista

deixou de ter dúvidas, era ela. Bons dias, disse quando se deteve junto

do banco, hoje poderia esperar tudo, mas não encontrá-la aqui, Bons

dias, vim para me despedir e pedir-lhe desculpa por não ter aparecido