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deixou que um vago e suave sorriso se lhe espalhasse na cara e mostrou

o ar de quem tinha acabado de ver coroada de êxito uma difícil

experiência de laboratório. sendo assim, interveio um filósofo da ala

optimista, porquê vos assusta tanto que a morte tenha acabado, Não

sabemos se acabou, sabemos apenas que deixou de matar, não é o

mesmo, De acordo, mas, uma vez que essa dúvida não está resolvida,

mantenho a pergunta, Porque se os seres humanos não morressem tudo

passaria a ser permitido, E isso seria mau, perguntou o filósofo velho,

Tanto como não permitir nada. Houve um novo silêncio. Aos oito

homens sentados ao redor da mesa tinha sido encomendado que

reflectissem sobre as consequências de um futuro sem morte e que

construíssem a partir dos dados do presente uma previsão plausível das

novas questões com que a sociedade iria ter de enfrentar-se, além,

escusado seria dizer, do inevitável agravamento das questões velhas.

Melhor então seria não fazer nada, disse um dos filósofos optimistas, os

problemas do futuro, o futuro que os resolva, o pior é que o futuro é já

hoje, disse um dos pessimistas, temos aqui, entre outros, os memo-

randos elaborados pelos chamados lares do feliz ocaso, pelos hospitais,

pelas agências funerárias, pelas companhias de seguros, e, salvo o caso

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destas, que sempre hão-de encontrar maneira de tirar proveito de

qualquer situação, há que reconhecer que as perspectivas não se

limitam a ser sombrias, são catastróficas, terríveis, excedem em perigos

tudo o que a mais delirante imaginação pudesse conceber, sem preten-

der ser irónico, o que nas actuais circunstâncias seria de péssimo gosto,

observou um integrante não menos conceituado do sector protestante,

parece-me que esta comissão já nasceu morta, os lares do feliz ocaso têm

razão, antes a morte que tal sorte, disse o porta-voz dos católicos, Que

pensam então fazer, perguntou o pessimista mais idoso, além de propor

a extinção imediata da comissão, como parece ser o Vosso desejo, Por

nossa parte, igreja católica, apostólica e romana, organizaremos uma

campanha nacional de orações para rogar a deus que providencie o

regresso da morte o mais rapidamente possível a fim de poupar a pobre

humanidade aos piores horrores, Deus tem autoridade sobre a morte,

perguntou um dos optimistas, são as duas caras da mesma moeda, de

um lado o rei, do outro a coroa, sendo assim, talvez tenha sido por

ordem de deus que a morte se retirou, A seu tempo conheceremos os

motivos desta provação, entretanto vamos pôr os rosários a trabalhar,

Nós faremos o mesmo, refiro-me às orações, claro está, não aos rosários,

sorriu o protestante, E também vamos fazer sair à rua em todo o país

procissões a pedir a morte, da mesma maneira que já as fazíamos ad

petendem pluviam, para pedir chuva, traduziu o católico, A tanto não

chegaremos nós, essas procissões nunca fizeram parte das manias que

cultivamos, tornou a sorrir o protestante. E nós, perguntou um dos

filósofos optimistas em um tom que parecia anunciar o seu próximo

ingresso nas fileiras contrárias, que vamos fazer a partir de agora,

quando parece que todas as portas se fecharam, Para começar, levantar

a sessão, respondeu o mais velho, E depois, Continuar a filosofar, já que

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nascemos para isso, e ainda que seja sobre o vazio, Para quê, Para quê,

não sei, Então porquê, Porque a filosofia precisa tanto da morte como as

religiões, se filosofamos é por saber que morreremos, monsieur de

montaigne já tinha dito que filosofar é aprender a morrer.

Mesmo não sendo filósofos, ao menos no sentido mais comum do

termo, alguns haviam conseguido aprender o caminho. Paradoxal-

mente, não tanto a aprender a morrer eles próprios, porque ainda não

lhes teria chegado o tempo, mas a enganar a morte de outros, ajudando-

a. o expediente utilizado, como não tardará a ver-se, foi uma nova

manifestação da inesgotável capacidade inventiva da espécie humana.

Numa aldeia qualquer, a poucos quilómetros da fronteira com um dos

países limítrofes, havia uma família de camponeses pobres que tinha,

por mal dos seus pecados, não um parente, mas dois, em estado de vida

suspensa ou, como eles preferiam dizer, de morte parada. um deles era

um avô daqueles à antiga usança, um rijo patriarca que a doença havia

reduzido a um mísero farrapo, ainda que não lhe tivesse feito perder

por completo o uso da fala. o outro era uma criança de poucos meses a

quem não tinham tido tempo de ensinar nem a palavra vida nem a

palavra morte e a quem a morte real recusava dar-se a conhecer. Não

morriam, não estavam vivos, o médico rural que os visitava uma vez

por semana dizia que já nada podia fazer por eles nem contra eles, nem

sequer injectar-lhes, a um e a outro, uma boa droga letal, daquelas que

não há muito tempo teriam sido a solução radical para qualquer

problema. Quando muito, talvez pudesse empurrá-los um passo na

direcção aonde se supunha que a morte se encontraria, mas seria em

vão, inútil, porque nesse preciso instante, inalcançável como antes, ela

daria um passo atrás e guardaria a distância. A família foi pedir ajuda

ao padre, que ouviu, levantou os olhos ao céu e não teve outra palavra

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para responder senão que todos estamos na mão de deus e que a

misericórdia divina é infinita. Pois sim, infinita será, mas não o

suficiente para ajudar o nosso pai e avô a morrer em paz nem para

salvar um pobre inocentinho que nenhum mal fez ao mundo. Nisto

estávamos, nem para a frente, nem para trás, sem remédio nem

esperança dele, quando o velho falou, Que se chegue aqui alguém,

disse, Quer água, perguntou uma das filhas, Não quero água, quero

morrer, Bem sabe que o médico diz que não é possível, pai, lembre-se

de que a morte acabou, o médico não entende nada, desde que o mundo

começou a ser mundo sempre houve uma hora e um lugar para morrer,

Agora não, Agora sim, sossegue, pai, que lhe sobe a febre, Não tenho

febre, e mesmo que a tivesse daria o mesmo, ouve-me com atenção,

Estou a ouvir, Aproxima-te mais, antes que se me quebre a voz, Diga. o

velho sussurrou algumas palavras ao ouvido da filha. Ela abanava a

cabeça, mas ele insistia e insistia. Isso não vai resolver nada, pai,

balbuciou ela estupefacta, pálida de espanto, Resolverá, E se não

resolver, Não perderemos nada por experimentar, E se não resolver, É

simples, trazem-me outra vez para casa, E o menino, o menino vai

também, se eu lá ficar, ficará comigo. A filha tentou pensar, lia-se-lhe na

cara a confusão, e finalmente perguntou, E por que não os trazemos e

enterramos aqui, Imagina o que seria, dois mortos em casa numa terra

onde ninguém, por mais que faça, consegue morrer, como o explicarias

tu, além disso, tenho as minhas dúvidas de que a morte, tal como estão

as cousas, nos deixasse regressar, É uma loucura, pai, Talvez seja, mas

não vejo outro meio para sair desta situação, Queremo-lo vivo, e não

morto, Mas não no estado em que me vês aqui, um vivo que está morto,