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Os dois passaram a perguntar por mulheres com aquele tipo de vestimenta. As pessoas faziam ar de desaprovação, e contavam que tinham partido há um mês, há uma semana, há três dias. Finalmente, estavam agora a um dia de viagem do lugar onde elas poderiam estar.

O sol já estava perto do horizonte – ou não arriscariam caminhar pelo deserto. As paredes de terra projetavam sombra. O lugar era perfeito.

Chris não agüentava mais repetir tudo aquilo. Mas precisava – ainda não havia conseguido resultados importantes.

– Sente-se aqui. De costas para o sul.

Ela fez o que Paulo estava mandando. E depois, automaticamente, começou a relaxar. Estava com as pernas cruzadas, os olhos fechados – mas podia sentir o deserto inteiro à sua volta. Sua alma crescera durante todos esses dias, sabia que o mundo era mais vasto, muito mais vasto do que duas semanas atrás.

– Concentre-se na segunda mente – disse ele.

Chris percebia o tom de inibição na sua voz. Não podia se comportar com ela da mesma maneira que se comportava com outros discípulos – afinal, ela conhecia suas falhas e fraquezas. Mas Paulo fazia um supremo esforço para agir como um mestre, e ela o respeitava por isso. Concentrou-se na segunda mente. Deixou que todos os pensamentos lhe viessem à cabeça –

e, como sempre, eram pensamentos absurdos para quem estava no meio de um deserto. De três dias para cá, sempre que começava o exercício, dava-se conta de que seu pensamento automático estava muito preocupado com quem ela devia convidar para a festa de seu aniversário – daqui a três meses. Mas Paulo havia pedido que não ligasse para isto. Que deixasse suas preocupações fluírem livremente.

– Vamos repetir tudo de novo – ele disse.

– Estou pensando na minha festa.

– Não lute contra os seus pensamentos, eles são mais fortes que você – disse Paulo pela milésima vez. – Se quiser livrar-se deles, aceite-os. Pense no que eles querem que você pense, até que se cansem.

Ela fazia a lista dos convidados. Tirou alguns. E colocou outros. Este era o primeiro passo: dar atenção à segunda mente até que esta se cansasse.

Agora a festa de aniversário já desaparecia com mais rapidez. Mesmo assim, ainda fazia a lista. Era inacreditável como um assunto desses pudesse preocupá-la tantos dias, ocupar tantas horas em que podia estar pensando em coisas mais interessantes.

– Pense até cansar. Então, quando cansar, abra o canal.

Paulo afastou-se da mulher e encostou-se no barranco. O garoto era esperto, embora levasse muito a sério aquela história de não se poder ensinar nada ao discípulo de um outro mestre. Mas, através de Chris, havia lhe dado todas as pistas de que precisava.

A quarta maneira de se comunicar com o mundo invisível era a canalização. Canalização! Quantas vezes ele vira pessoas dentro de carros nos engarrafamentos, conversando sozinhas, sem perceber que executavam um dos mais sofisticados processos de magia! Diferente da mediunidade, que exigia uma certa perda de consciência durante o contato com os espíritos, a canalização era o processo mais natural que o ser humano usava para mergulhar no desconhecido. Era o contato com o Espírito Santo, com a Alma do Mundo, com os Mestres Iluminados que habitavam lugares remotos do Universo. Não era preciso ritual, nem incorporação, nem nada. Todo ser humano sabia, inconscientemente, que existia uma ponte para o invisível ao alcance de suas mãos, pela qual ele podia trafegar sem medo. E todos os homens tentavam, mesmo que não se dessem conta. Todos se surpreendiam dizendo coisas que nunca pensaram, dando conselhos do tipo “não sei por que estou dizendo isto”, fazendo certas coisas que não combinavam muito.

E todos gostavam de ficar olhando os milagres da natureza – uma tempestade, ou um pôrdo-sol, prontos para entrar em contato com a Sabedoria Universal, pensar em coisas realmente importantes, exceto…

… exceto que, nestes momentos, o muro invisível aparecia.

A segunda mente.

A segunda mente estava ali, barrando a entrada, com suas coisas repetitivas, seus assuntos sem importância, suas músicas, seus problemas financeiros, suas paixões mal-resolvidas.

Levantou-se e voltou para perto de Chris.

– Tenha paciência e escute tudo o que a segunda mente tem a dizer. Não responda. Não argumente. Ela se cansa.

Chris refez, mais uma vez, a lista de convidados, embora já tivesse perdido o interesse naquilo. Quando acabou, colocou um ponto-final.

E abriu o solhos.

Estava ali, naquela ferida da terra. Sentiu o ar abafado à sua volta.

– Abra o canal. Comece a falar.

Falar!

Sempre tivera medo de falar, de parecer ridícula, burra. Medo de saber o que os outros pensavam do que dizia, porque eles sempre pareciam mais preparados, mais inteligentes, sempre com respostas para tudo.

Mas agora era assim, precisava ter coragem, mesmo que estivesse dizendo coisas absurdas, frases sem sentido. Paulo havia explicado que isto era uma das maneiras da canalização: falar. Vencer a segunda mente, e depois deixar que o Universo tomasse conta dela, e a usasse como queria. Começou a mexer a cabeça, simplesmente porque estava com vontade de fazer aquilo, e de repente teve vontade de realizar ruídos estranhos com a boca. Fez os ruídos. Nada era ridículo. Ela estava livre para agir como bem entendesse.

Não sabia de onde vinham essas coisas – e entretanto vinham de dentro, do fundo de sua alma, e se manifestavam. De vez em quando a segunda mente voltava com suas preocupações, e Chris tentava organizar tudo aquilo, mas era necessário que fosse assim – sem lógica, sem censura, com a alegria de um guerreiro que está entrando num mundo desconhecido. Ele precisava falar a linguagem pura do coração. Paulo escutava em silêncio, e Chris sentia sua presença. Estava absolutamente consciente, mas livre. Não podia se preocupar com o que ele estava pensando – tinha que continuar falando, fazendo os gestos que dava vontade, cantando as músicas estranhas. Sim, tudo devia ter um sentido, porque jamais havia escutado esses ruídos, essas músicas, essas palavras e movimentos. Era difícil, havia sempre o medo de estar fantasiando as coisas, querendo parecer mais em contato com o Invisível do que realmente estava, mas venceu o medo do ridículo e foi em frente.

Hoje estava acontecendo algo diferente. Já não fazia aquilo por obrigação, como nos primeiros dias. Estava gostando. E começava a se sentir segura. Uma onda de segurança ia e voltava, e Chris tentou desesperadamente agarrar-se a ela.

Para manter a onda perto, precisava falar. Qualquer coisa que lhe viesse à mente.

– Vejo essa terra – sua voz era pausada, calma, embora a segunda mente aparecesse de vez em quando, dizendo que Paulo devia estar achando tudo aquilo ridículo. – Estamos num lugar seguro, podemos ficar aqui de noite, olhar as estrelas deitados no chão, e conversar sobre anjos. Não existem escorpiões, cobras, ou coiotes.

(Será que ele acha que estou inventando? Que quero impressioná-lo? Mas tenho vontade de dizer isso!)

– O planeta reservou certos lugares só para ele. Pede para irmos embora. Nestes lugares, sem os milhões de formas de vida que caminham por sua superfície, a Terra consegue ficar sozinha. Também ela precisa de solidão, pois procura entender a si mesma.

(Por que digo isso? Ele vai achar que quero me exibir. Estou consciente!) Paulo olhou em volta. O leito seco do rio parecia gentil, suave. Mas inspirava terror, o terror da solidão total, da completa ausência de vida.

– Tem uma oração – continuou Chris. A segunda mente agora já não conseguia mais fazer com que ela se sentisse ridícula.