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Passaram a tarde do dia seguinte visitando o Canyon de Ouro, uma série de desfiladeiros cheios de curvas tortuosas, com paredes de aproximadamente seis metros de altura. No momento do pôr-dosol, enquanto faziam o exercício de canalização, entenderam por que o lugar tinha aquele nome: os raios se refletiam em milhares de minerais brilhantes encravados nas rochas, fazendo com que as paredes parecessem ouro.

– Hoje será noite de lua cheia – disse Paulo.

Já tinham visto uma lua cheia no deserto; era um espetáculo extraordinário.

– Acordei hoje pensando em um trecho da Bíblia – continuou ele. – Um trecho de Salomão:

“Bom é que retenhas isto, e também daquilo não retires tua mão; pois quem teme a Deus sairá de tudo ileso.”

– Estranho texto – disse Chris.

– Muito estranho.

– Meu anjo fala cada vez mais comigo. Começo a entender suas palavras. Entendo perfeitamente o que você contou na mina, porque nunca acreditei que isso pudesse acontecer. Ele ficou contente. E contemplaram juntos o final da tarde; desta vez Vahalla não tinha aparecido para passear com ele.

Já não existiam mais as pedrinhas brilhantes que viram à tarde. A lua projetava uma luz estranha, fantasmagórica, no desfiladeiro. Podiam escutar os próprios passos na areia, e caminhavam sem conversar, prestando atenção a qualquer barulho. Não sabiam onde as Valkírias estavam reunidas. Chegaram quase até o final, onde a fenda aumentava de largura, formando uma pequena clareira. Nenhum sinal delas.

Chris rompeu o silêncio.

– Podem ter desistido – disse.

Ela sabia que Vahalla ia prolongar ao máximo aquele jogo. Queria acabar logo.

– Os animais estão fora de suas tocas. Tenho medo das serpentes – continuou. – Vamos embora.

Mas Paulo olhava para cima.

– Veja – disse. – Elas não desistiram.

Chris acompanhou seu olhar. No alto da rocha que formava a parede direita da fenda, um vulto de mulher olhava para eles.

Ela sentiu um arrepio.

Outro vulto de mulher chegou. E mais outro. Chris foi para o meio da clareira; pôde ver mais três mulheres do outro lado.

Faltavam duas.

– Bem-vindos ao teatro! – a voz de Vahalla ecoou por entre as paredes de pedra. – Os espectadores já chegaram, e aguardam o espetáculo!

Era assim que as Valkírias começavam suas peças em praça pública.

“Mas eu não estou no espetáculo”, pensou Chris. Quem sabe, talvez devesse subir ao alto da rocha.

– Aqui, o preço da entrada é pago na saída – continuou a voz, repetindo o que diziam nas praças. – Pode ser um preço alto, ou podemos devolver o ingresso. Quer correr o risco?

– Quero – respondeu Paulo.

– Por que tudo isto? – gritou Chris de repente. – Por que tanta encenação, tanto ritual, tanta coisa para ver um anjo? Não basta canalizar, conversar com ele? Por que vocês não se comportam igual a todos, simplificam o contato com Deus e com o que há de sagrado neste mundo?

Não houve resposta. Paulo achou que Chris estava estragando tudo.

– O Ritual Que Derruba os Rituais – disse uma das Valkírias, do alto do rochedo.

– Silêncio! – gritou Vahalla. – A platéia só se manifesta no final! Aplaude ou vaia – mas paga a entrada!

Vahalla finalmente apareceu. Trazia o lenço amarrado na testa, como um índio. Costumava colocá-lo daquela maneira quando realizavam as orações do final do dia. Era a sua coroa. Trazia com ela uma moça descalça, de bermuda e camiseta. Quando chegaram mais perto, e a luz da lua iluminou seus rostos, Chris viu que era uma das Valkírias – a mais jovem do grupo. Sem a roupa de couro e o ar agressivo, não passava de uma menina.

Ela colocou a moça diante de Paulo. Começou a traçar um grande quadrado em volta deles. Em cada um dos cantos, parava e dizia umas palavras. Paulo e a menina repetiam as palavras em latim –

sendo que a garota errou o trecho algumas vezes, e tiveram que recomeçar.

“Não sabe nem o que está dizendo”, pensava Chris. Aquele quadrado, e aquelas palavras, não faziam parte do espetáculo que apresentavam nas praças.

Quando terminou de riscar a areia, pediu que os dois se aproximassem; mas eles continuavam dentro do quadrado, e ela se mantinha do lado de fora. Vahalla virou-se para Paulo, olhou-o no fundo dos olhos, e entregou-lhe seu chicote.

– Guerreiro, você está preso no seu destino, pelo poder destas linhas e destes nomes sagrados. Guerreiro vencedor de uma batalha, você está em seu castelo, e receberá a recompensa. Paulo criou, mentalmente, as paredes do castelo. A partir daquele momento, o desfiladeiro, as Valkírias, Chris, Vahalla, tudo o mais perdia a importância. Era um ator do Teatro Sagrado. O Ritual Que Derruba os Rituais.

– Prisioneira – disse Vahalla para a garota –, é humilhante tua derrota. Não soubeste defender com honra o teu exército. As Valkírias virão dos céus recolher teu corpo quando estiveres morta. Mas, até lá, receberás o merecido castigo dos perdedores.

Com um gesto abrupto, rasgou a blusa da garota.

– Começa o espetáculo! Eis, guerreiro, seu troféu!

Empurrou com violência a menina. Ela caiu de mau jeito, e feriu o queixo. Um pouco de sangue começou a sair.

Paulo ajoelhou-se ao seu lado. Suas mãos apertavam o chicote de Vahalla, que parecia ter força própria. Aquilo assustou-o, e por alguns momentos saiu das paredes imaginárias do castelo e voltou ao desfiladeiro.

– Ela está machucada de verdade – disse Paulo. – Precisa de cuidados.

– Guerreiro, este é o seu troféu! – repetiu Vahalla, se afastando. – A mulher que conhece o segredo que você procura. Arranque este segredo dela, ou desista para sempre.

“Non nobis, Domine, non nobis. Sed nomini Tuo da Gloriam”,* disse em voz baixa, repetindo o moto templário. Tinha que tomar uma decisão rápida. Lembrou-se da época em que não acreditava em nada, achava que não passava de uma encenação – e, mesmo assim, as coisas se transformaram no que eram: verdade.

Estava diante do Ritual Que Derruba os Rituais. Um momento sagrado na vida de um mago. E havia uma menina ferida aos seus pés.

“Sed nomini Tuo da Gloriam” disse mais uma vez. E, no momento seguinte, vestiu seu corpo astral com o personagem que Vahalla havia sugerido. O Ritual Que Derruba os Rituais começava a surgir. Nada mais tinha importância – apenas aquele caminho desconhecido, aquela mulher assustada aos seus pés, e um segredo que precisava ser arrancado. Andou em volta da sua vítima, lembrando-se da época em que a moral era outra – possuir as mulheres fazia parte das leis do combate. Era por isso que os homens arriscavam suas vidas nas guerras: por ouro e por mulheres.

– Eu venci – gritou para a menina. – E você perdeu.

Ajoelhou-se e pegou-a pelos cabelos. Os olhos dela fixaram-se nos seus.

– Venceremos – disse a menina. – Conhecemos as leis da vitória. Ele atirou-a de volta ao chão com violência.

– A lei da vitória é vencer.

– Vocês pensam que ganharam – continuou a prisioneira. – Ganharam uma batalha apenas. Nós venceremos.

Quem era aquela mulher que ousava falar com ele assim? Tinha um belo corpo – mas isto podia esperar. Precisava descobrir o segredo que buscava por tanto tempo.

– Me ensine a visão do anjo – disse, procurando fazer com que sua voz soasse calma. – E

você será libertada.

– Sou livre.

– Não, você não conhece as leis da vitória – disse ele. – Foi por isso que derrotamos vocês. A mulher pareceu desnortear-se um pouco. O homem falava em leis.