— Não depende de você proibir — disse Mai. — Preciso fazer isso. É meu carma.
Tachyon virou-se para Brennan.
— Você não consegue fazê-la entender?
Brennan balançou a cabeça.
— A decisão é dela — respondeu calmamente. Desejou poder concordar com Tachyon, mas Brennan sabia que não poderia interferir no carma de Mai, seu caminho escolhido para a iluminação. Porém, Brennan resolveu, ela não faria o trajeto sozinha.
— Está decidido, então — disse Fortunato, sem rodeios. — Levamos Mai até a Mãe do Enxame e ela injeta na coisa uma dose fatal de câncer. Eu também vou. Quero um pedaço daquela desgraçada para mim.
Tachyon olhou de Fortunato para Mai, em seguida para Brennan e viu que nada que ele pudesse dizer mudaria a opinião deles.
— Tudo bem — suspirou. Virou-se para Fortunato. — Você terá que energizar o deslocador de singularidade — disse Tachyon. — Não posso fazer isso. — Ele deslizou os dedos pelos cabelos encaracolados. — O broto exauriu alguns dos meus poderes ao tentar sugar minhas memórias para a duplicata de Tachyon. Não podemos esperar até que eles voltem. Porém, posso transportar um grupo até próximo à Mãe de Enxame na Baby. Fortunato pode mandar o grupo para dentro da Mãe do Enxame. Serão necessárias velocidade e discrição, mas os que estiverem lá dentro precisarão de alguma proteção. O Modular, talvez, ou talvez um dos amigos do Viajante…
Brennan balançou a cabeça.
— Você disse que seriam necessárias velocidade e discrição. Se mandar o Modular para lá, ele derrubaria as defesas da Mãe do Enxame rapidamente.
Tachyon massageou a testa de um jeito desconfiado.
— Você tem razão. Alguma sugestão?
— Claro. — Brennan deu um suspiro profundo. — Aquilo estava ficando longe dos motivos originais da sua vinda para a cidade, mas não poderia deixar Mai enfrentar o Enxame sem ele. Não deixaria. — Eu.
— Você? — Tachyon disse, hesitando. — Está pronto para isso?
— Ele conseguiu resgatá-lo daquela bolha — Fortunato interrompeu. Olhou para Brennan, a dúvida nos olhos substituída pela certeza. — Eu o vi em ação. Ele pode cuidar de si.
Tachyon concordou com a cabeça de forma decisiva.
— Está feito então. — Ele se virou para Mai. — Não gosto de enviar uma mulher para o perigo, mas você está certa. É a única que tem a chance de destruir a Mãe do Enxame.
— Farei o que tiver que ser feito — ela respondeu em voz baixa.
Tachyon assentiu com a cabeça com seriedade e tomou a mão dela, mas um arrepio atravessou Brennan com as palavras dela. Ele tinha certeza de que Tachyon tinha ouvido uma intenção completamente diferente nelas do que ele ouvira.
A decolagem de uma nave espacial era algo que Brennan manteve na memória como uma experiência interessante. Não a procuraria novamente por vontade própria, mas a visão da Terra nas telas da Baby foi uma cena de beleza espantosa que ele levaria para o resto da vida. Sentiu-se quase indigno e desejou que Ishida, seu roshi, pudesse ver aquilo.
Havia outros três na fantasia de Noites das Arábias que era a sala de controle de Tachyon. O takisiano conduzia a nave em silêncio. Ainda convalescia dos maus-tratos do Enxame. Brennan conseguia enxergar que ele continuava apenas pela força de vontade. Seu rosto estava vincado pelo cansaço e pela tensão atípica.
Fortunato praticamente estalava com energia impaciente, nervosa. Passou o período antes da decolagem recarregando as baterias, como ele comentou. Agora estava pronto, e ansioso para agir.
Apenas Mai parecia calma e indiferente. Estava sentada em silêncio no sofá da sala de controle, as mãos sobre o colo, observando tudo com interesse despreocupado. Brennan acompanhava a observação dela. Mai havia concordado imediatamente com o plano de Tachyon. Porém, como ela o realizaria era outra história. Esse pensamento o preocupava.
Após um tempo, Tachyon falou, a tensão e a exaustão fissurando sua voz.
— Lá está.
Brennan espiou sobre os ombros de Tachyon a monstruosidade globular que enchia as telas frontais de Baby.
— É imensa — disse ele. — Como encontraremos um caminho para entrarmos?
Tachyon virou-se para Fortunato.
— Instrua o deslocador de singularidade para levar você até o meio da coisa. Você deve acabar bem perto de onde você quer estar. Poderá encontrar o centro nervoso rastreando a mente dela. — Tachyon sentiu a mente de sua nave repuxando seu cérebro. O que há, Baby?
Estamos nos aproximando da área de detecção da Mãe do Enxame.
Obrigado. Ele se virou para os outros.
— Melhor se aprontarem. Está quase na hora.
Fortunato tirou o deslocador de singularidade da mochila na qual Tachyon havia escondido no quarto de hóspedes do apartamento. No fundo da mochila estava uma pistola automática 45 mm num coldre de ombro.
— O que é isso? — Fortunato quis saber. Olhou para Tachyon.
— Você pode precisar — disse o doutor. — Vai exigir mais de você do que imagina, energizar este salto.
Fortunato tocou o cabo da arma, olhou para Tachyon. Deu de ombros.
— Que inferno — falou, e vestiu o coldre. Ergueu o deslocador de singularidade, e ele, Brennan e Mai formaram um círculo. Todos ajudaram a segurar o deslocador. Brennan lançou um olhar para Mai. E ela olhava para ele de volta. Do canto do olho ele viu numa das telas um flash de luz se apagando da Mãe do Enxame. Baby sacudiu quando o feixe de partículas gerado organicamente a atingiu, mas seus escudos de defesa seguraram. Brennan sentiu um sussurro suave no cérebro.
Lembre-se. Você não deve deixar Mai ou Fortunato serem capturados pela Mãe do Enxame.
Ele olhou para Tachyon, que o encarou continuamente por um instante, então voltou para a tela.
— Vão! — Tachyon gritou.
Os olhos do Fortunato se fecharam, sua sobrancelha se franziu em concentração. Os chifres de carneiro espectrais brilharam do lado da cabeça. Brennan sentiu uma torção repentina, um rompimento como se cada célula do corpo estivesse sendo rasgada. Não conseguia respirar com pulmões que não eram mais pulmões, não conseguia relaxar os músculos que estavam partidos em suas moléculas constituintes e lançados através de centenas de quilômetros de vácuo. Prendeu um grito e sua consciência chocou-se contra uma muralha de náuseas. A viagem foi pior do que sua chegada até a clínica, pois parecia durar uma eternidade, embora Tachyon tivesse dito que a jornada pelo deslocador de singularidade não durava tempo algum.
Então, de repente, estava inteiro de novo. Ele, Mai e Fortunato estavam num corredor que era iluminado levemente por grandes células fosforescentes azuis e verdes no teto e paredes translúcidos. Rebentos pegajosos corriam por baixo dos pés deles, provavelmente conduítes para o que era usado como sangue e nutrientes da coisa. O ar era quente e totalmente úmido e cheirava a estufa apodrecendo. Seu teor de oxigênio era suficiente para deixar Brennan tonto até ele ajustar a respiração. Sentia-se leve nos pés, embora houvesse um empuxo gravitacional nítido. A Mãe do Enxame, ele percebeu, devia estar girando, produzindo gravidade artificial que era necessária para o crescimento orgânico direcionado.
— Vocês estão bem? — perguntou aos companheiros.
Mai concordou com a cabeça, mas Fortunato estava respirando com força. Seu rosto era uma máscara cinzenta.
— O… maricas do espaço estava certo… — ofegou. — Foi pesado. — Suas mãos tremiam enquanto enfiava o deslocador na mochila.
— Relaxe — Brennan começou, e ficou em silêncio.
De algum lugar adiante, no corredor que se deformava e ondulava, veio um som imenso de sucção.
— Que caminho devemos tomar? — Brennan perguntou em voz baixa.