A superfície embaixo dos pés deles desapareceu quando um esfíncter se abriu. Todo o líquido do corredor correu para baixo e eles foram juntos com ele. Brennan teve tempo de respirar fundo e agarrar o arco. Esticou o braço e agarrou Mai pelo tornozelo enquanto ela era sugada para a escuridão e ele rodopiava atrás dela, xingando por perder metade das flechas da aljava.
Havia mais líquido no corredor do que ele imaginava. Foram pegos num turbilhão rápido sem ar para respirar e sem luz para ver. Brennan segurou firme no tornozelo de Mai, lembrando-se do aviso silencioso de Tachyon.
Eles caíram numa câmara grande, totalmente submersa num buraco cheio de líquido do tamanho de uma piscina olímpica. Brennan e Mai emergiram até a superfície e moviam-se para permanecer em cima, olhando ao redor. Felizmente, essa câmara era iluminada pela mesma fosforescência azul que o corredor acima. Fortunato nadou para encontrá-los, lutando contra a corrente que os puxava para a outra ponta da piscina.
— Que diabos é isso? — Fortunado perguntou.
Brennan achou que seria difícil dar de ombros enquanto se mantinha sobre a água.
— Não sei. Talvez um reservatório? Todas as coisas vivas precisam de água para sobreviver.
— Ao menos aqueles insetos foram embora — disse Fortunato. Ele nadou para a lateral da câmara, Brennan e Mai o seguiram.
Eles se esfalfaram para subir a rampa, seguindo lenta e cuidadosamente, pois a superfície era úmida e escorregadia. Finalmente sentaram-se, ofegantes, para descansar um momento. Brennan cuidou das mordidas piores dos insetos com bandagens do pequeno kit de primeiros socorros que carregava no cinto.
— Para onde agora?
Fortunato fez uma pausa para se orientar e, então, apontou.
— Para lá.
Seguiram através da barriga da fera. Era uma viagem de pesadelo pelo reino estranho de monstruosidades orgânicas. O corredor que seguiram abriu-se em salões vastos onde criaturas humanoides choramingavam num idiotismo malformado, penduradas por cordões umbilicais de tetos pulsantes; levou a galerias onde bolsas de biomassa indistinta tremiam como gelatinas odiosas enquanto esperavam ser esculpidas pela vontade da Mãe do Enxame; passaram por câmaras onde monstros de uma centena de formas alienígenas estavam sendo fabricados para o objetivo que apenas a Mãe do Enxame conhecia. Alguns desses últimos eram desenvolvidos o bastante para terem consciência dos intrusos, mas ainda estavam presos ao corpo da Mãe por cordões umbilicais protoplasmáticos. Estalavam e roncavam e chiavam enquanto Brennan e os outros passavam, e este foi forçado a enfiar flechas na cabeça de algumas criaturas mais insistentes.
Nem todos tinham as formas não humanas dos brotos. Alguns eram humanos na forma e aparência, com rostos humanos. Rostos humanos reconhecíveis. Havia Ronald Reagan com cabelos penteados para trás e um brilho nos olhos. Havia Margaret Thatcher, olhando séria e inflexível. E a cabeça do Gorbachev, com a marca de nascença vermelha e tudo, encaixada na massa de protoplasma trêmula que era tão mole e gorda quanto um corpo humano esculpido na massa de pão.
— Jesus Cristo — disse Fortunato. — Parece que chegamos bem na hora.
— Espero que sim — Brennan murmurou.
O corredor começou a se estreitar e eles tiveram de se curvar e, finalmente, se abaixar e engatinhar. Brennan olhou para trás, para Fortunato, e o ás acenou com a cabeça para ele continuar.
— É ali na frente, posso sentir a pulsação: alimentar e crescer, alimentar e crescer.
A carne das paredes do túnel era borrachuda e quente. Brennan não gostava de tocá-la, mas obrigou-se a continuar. O túnel estreitou-se até ficar muito apertado e Brennan perceber que não poderia carregar o arco na mão. Estavam indefesos e adentrando a área mais perigosa da Mãe do Enxame, seu centro nervoso. Ele se enfiou pela passagem de carne viva por quase cem metros ou mais, Mai e Fortunato seguiam-no, até por fim ele desembocar num espaço aberto. Fortunato seguiu e eles ajudaram Mai a sair.
Olharam ao redor. Era uma câmara pequena. Mal cabiam os três e o órgão grande cinza e rosa com três lóbulos suspenso no meio da câmara por uma rede de rebentos fibrosos que penetravam no chão, teto e paredes.
— É isso — Fortunato resmungou com voz exausta. — O centro nervoso da Mãe do Enxame. Seu cérebro ou núcleo ou seja lá o que vocês chamam isso.
Ele e Brennan viraram-se para Mai. Ela deu um passo à frente e Brennan tomou seu braço.
— Mate-a — ele encorajou. — Mate-a e vamos dar o fora daqui.
Ela olhou para ele, tranquila. Conseguia ver seu próprio reflexo nos olhos grandes e negros dele.
— Sabe que eu jurei nunca ferir outro ser consciente? — ela disse num murmúrio.
— Ficou louca? — Fortunato gritou. — O que viemos fazer aqui então?
Brennan soltou o braço de Mai e ela caminhou em direção ao órgão suspenso na rede de fibras nervosas. Fortunato olhou para Brennan.
— Essa vadia é louca?
Brennan balançou a cabeça, incapaz de falar, sabendo que ele estava perdendo outro. Não importava o que viesse, estava perdendo outro.
Mai abriu caminho nos rebentos e pousou as mãos contra a carne da Mãe do Enxame. Seu sangue começou a fluir para o órgão da criatura alienígena.
— O que ela está fazendo? — Fortunato perguntou, preso entre o medo, a raiva e o espanto.
— Fundindo-se.
O túnel estreito que levava até o lugar sagrado da Mãe do Enxame começou a se dilatar. Brennan virou-se para encarar a abertura.
— O que está acontecendo?
Brennan encaixou uma flecha na corda do arco.
— A Mãe do Enxame está resistindo — disse ele, e apagou o ambiente, apagou Fortunato, apagou até mesmo Mai de sua mente. Estreitou o foco da existência, até a boca do túnel ser o seu universo. Puxou a corda até o rosto e ficou ali, tão tenso e pronto quanto a própria flecha, pronto para atirar-se no coração do inimigo.
As máquinas assassinas da Mãe do Enxame, com suas garras nas mãos e nos pés, transbordaram da abertura. Brennan atirou. As mãos moviam-se sem direção consciente, sacando, puxando, atirando. Corpos empilhavam-se ao lado da boca do túnel e eram afastados pelas criaturas que tentavam abrir caminho para entrar e pelos estouros das flechas explosivas. O tempo parou de fluir. Nada importava além da perfeita coordenação entre mente, corpo e alvo, nascido da união da carne e do espírito.
Pareceu uma eternidade, mas os recursos da Mãe do Enxame não eram inesgotáveis. As criaturas pararam de chegar quando restavam três flechas para Brennan. Ele encarou o corredor por mais de um minuto antes de perceber que não havia mais alvos em vista, e abaixou o arco.
As costas lhe doíam e os braços queimavam como se estivessem em chamas. Olhou para Fortunato. O ás o encarava, sacudindo a cabeça, sem palavras. A consciência de Brennan retornou do lago onde seu treinamento zen a havia mergulhado.
Um movimento repentino chamou sua atenção e ele se virou. Sua mão chegou à aljava no cinto, mas parou antes de puxar uma flecha. Havia três formas, tamanho de homem, forma de homem, na boca do túnel. Uma sensação de deslocamento varreu Brennan como um vento frio e ele baixou o arco. Ele os reconheceu.
— Gulgowski? Mendoza? Minh?
Ele avançou como se estivesse num sonho quando eles pisaram sobre os corpos estourados dos brotos, vindo para encontrá-lo. Brennan estava atordoado, arrebatado entre a felicidade e a descrença.
— Sabia que você viria — Minh, o pai de Mai, disse. — Sabia que nos resgataria de Kien.
Brennan meneou a cabeça. Um sentimento de exaustão imensa o tomou. Sentiu como se o cérebro estivesse isolado do restante do corpo, como se de alguma forma estivesse envolto em camadas de algodão. Deveria saber desde o início que Kien estava por trás do Enxame. Ele deveria saber.
Gulgowski ergueu a pasta que carregava.
— Conseguimos aqui as provas para condenar o desgraçado, Capitão. Venha até aqui, dê uma olhada.