Brennan baixou o arco, avançou para olhar dentro da pasta que Gulgowski estendia, ignorando os gritos atrás dele, ignorando o rugido explosivo que reverberava pelo corredor.
Gulgowski, segurando a pasta na direção dele, cambaleou. Brennan olhou para ele. Era estranho. Tinha apenas um olho. O outro fora atingido e dele escorria um fluido verde e grosso lentamente pela bochecha. Mas estava tudo bem. Brennan parecia lembrar-se de que Gulgowski havia tomado um tiro na cabeça antes e sobrevivido. Estava ali, no fim das contas. Olhou para a pasta. A alça fundiu-se à carne da mão de Gulgowski. Eram uma coisa só. A boca da pasta tinha fileiras de dentes afiados. Arremessou-se contra ele, os dentes estalando.
Sentiu um choque repentino, como se algo se jogasse contra seus joelhos por trás. Caiu com o rosto no chão da câmara, sentindo seu calor pulsante, e olhou para trás, incomodado.
Fortunato havia dado um carrinho nele. O ás soltou Brennan, ajoelhou-se e sacou a pistola novamente. Brennan olhou para seus homens. Fortunato arrancou partes deles à bala, um pedaço de rosto aqui, um naco de braço ali. Fortunato xingava num fluxo contínuo enquanto atirava, e os homens de Brennan morreram novamente.
Brennan sentiu uma onda de ódio tremenda. Ergueu-se um pouco e fechou os olhos. O rugir da pistola parou quando Fortunato ejetou o clipe vazio, mas o fedor de pólvora estava no ar, o estampido da pistola em seus ouvidos, e o cheiro quente e úmido da selva no nariz. Ele abriu os olhos novamente.
Caricaturas medonhas de homens, rostos e corpos perfurados pelos tiros, gotejando a secreção verde, sacudiam-se na direção dele. Não eram seus homens. Mendoza morrera num ataque ao quartel-general dos vietcongues. Gulgowski fora assassinado por Kien por último naquela noite. E Minh fora morto anos depois pelos homens de Kien em Nova York.
Embora seu cérebro ainda estivesse enevoado, Brennan tomou o arco e lançou a última flecha explosiva nos simulacros. Acertou a caricatura de Minh e explodiu, espalhando pedaços de biomassa para todos os lados. O coice derrubou Brennan e destruiu os outros simulacros também.
Brennan respirou profundamente e limpou a gosma e o protoplasma esmagado do rosto.
— A Mãe do Enxame pegou as imagens do seu cérebro — disse Fortunato. — As outras coisas estavam apenas ganhando tempo para poder preparar aqueles bonecos de cera ambulantes.
Brennan concordou com a cabeça, a expressão séria e determinada. Virou-se para Fortunato e olhou para Mai.
Ela quase havia desaparecido, quase coberta pela carne cinza e rosa do ser alienígena. Seu rosto estava pressionado contra o órgão pulsante e metade do rosto que Brennan podia ver estava intocado. Os olhos estavam abertos e claros.
— Mai?
Os olhos viraram-se, rastreando o som da voz, e se concentraram nele. Os lábios se moveram.
— Tão imenso — ela sussurrou. — Tão assombroso e imenso.
A luz da câmara diminuiu por um instante, voltando em seguida.
— Não — Mai murmurou. — Não faremos isso. Existe um ser consciente na nave. E a nave em si é um ser vivo também.
O chão da câmara tremeu, mas a luz permaneceu. Mai falou novamente, mais para si mesma do que para Brennan ou Fortunato.
— Ter vivido tanto tempo sem pensamento… ter mantido tanto poder sem consequência… ter viajado de tão longe e visto tanto sem realização… isso vai mudar… tudo muda…
Os olhos voltaram-se novamente para Brennan. Havia reconhecimento nele que enfraquecia quando ela falava.
— Não chore, Capitão. Uma de nós precisou se entregar para salvar o planeta. A outra desistiu da raça para salvar… quem sabe o quê? Talvez, algum dia, o universo. Não fique triste. Lembre-se de nós quando olhar para o céu à noite, e saiba que estamos entre as estrelas, tentando, ponderando, descobrindo, pensando em inumeráveis coisas extraordinárias.
Brennan piscou para expulsar as lágrimas quando o olho no rosto de Mai se fechou.
— Adeus, Capitão.
O deslocador de singularidade começou a lançar faíscas. Fortunato tirou a mochila das costas. Olhou para ela, pasmo.
— Não estou fazendo isso. Ela… a coisa…
Eles voltaram para a ponte de comando da nave de Tachyon. Os três homens olharam-se.
— Conseguiram? — Tachyon perguntou após um momento.
— Ah, sim, cara — Fortunato disse, despencando numa almofada próxima. — Ah, sim.
— Onde está Mai?
Brennan sentiu uma estocada de ódio perfurá-lo como uma faca.
— Vocês a deixaram ir — ele xingou, dando um passo na direção de Tachyon, as mãos cerradas em punhos trêmulos. Mas os olhos diziam quem ele realmente culpava pela perda de Mai. Estremeceu como um cão se livrando da água, então afastou-se de uma vez. Tachyon encarou-o, então voltou-se para Fortunato.
— Vamos para casa — Fortunato disse.
Mais tarde, Brennan lembrou-se das palavras de Mai, e perguntou-se quais filosofias, quais domínios de pensamento o espírito daquela gentil budista misturado na mente e no corpo da criatura de um poder quase inimaginável teceria através dos séculos. Mais tarde, ele se lembrou. Mas agora, com a sensação de dor e perda tão familiar quanto seu próprio nome, ele não sentiu nada daquilo. Sentiu apenas que havia nele uma metade morta.
Jube: Sete
Uma batida na porta. Vestido com bermudas xadrez e uma camiseta dos Brooklyn Dodgers, Jube atravessou com cuidado o porão e espiou pelo olho mágico.
Dr. Tachyon estava na entrada, vestindo um terno de verão branco com lapelas largas sobre uma camisa verde-esmeralda. A gravata larga e laranja combinava com o lenço de seda no bolso e a pena de trinta centímetros no seu chapéu borsalino. Estava segurando uma bola de boliche.
Jube puxou o pino da trava, tirou a corrente, ergueu o gancho do ferrolho, girou a chave na tranca e apertou o botão no meio da maçaneta. A porta abriu de uma vez. Dr. Tachyon entrou alegremente no apartamento, trocando a bola de boliche de uma das mãos para a outra. Então, rolou-a pelo assoalho da sala de estar. Acabou parando contra a perna do transmissor de táquions. Tachyon saltou e bateu os calcanhares das botas um contra o outro no ar.
Jube fechou a porta, apertou o botão, girou a chave, baixou o gancho, passou a corrente e apertou o pino da trava antes de se virar.
O ruivo tirou o chapéu com uma mesura e curvou-se.
— Dr. Tachyon, ao seu dispor — disse ele.
Jube fez um som gorgolejante de desalento.
— Os príncipes takisianos nunca estão a serviço de ninguém — disse ele. — E branco não é sua cor. Muito, hum, sem cor. Teve algum problema?
O homem sentou-se no sofá.
— Está gelado aqui — reclamou. — E que cheiro é esse? Não está tentando salvar aquele corpo que conseguiu, não é?
— Não — disse Jube. — É só, hum, um pouco de carne que apodreceu.
Os contornos do homem começaram a estremecer e ficar borrados. Num piscar de olhos, ele cresceu 20 centímetros e ganhou 22 quilos, o cabelo vermelho ficou longo e cinzento, e os olhos lilases tornaram-se pretos, e uma barba desgrenhada brotou do queixo quadrado.
Ele travou as mãos em torno do joelho.
— Não se preocupe — ele reportou com uma voz muito mais profunda que a de Tachyon. — Fiquei com a aparência de uma aranha com cabeça humana, e disse a eles que tinha pés de atleta. Oito deles. Ninguém além de Tachyon encostaria num caso desses, então eles me botaram atrás de uma cortina e foram buscá-lo. Me transformei na Grande Enfermeira e entrei no banheiro feminino perto do laboratório dele. Quando eles mandaram uma mensagem de pager para ele, o doutor foi para o sul e eu fui para o norte, vestindo o rosto dele. Se alguém procurou nos monitores de segurança, viu o Dr. Tachyon entrando no laboratório, é isso. — Ele manteve as mãos erguidas, como se avaliasse a situação, girando-as para cima e para baixo. — Eu era o sentimento mais estranho. Digo, podia ver minhas mãos enquanto caminhava, juntas inchadas, pelos nas costas dos dedos, unhas sujas. Obviamente, não havia qualquer tipo de transformação física envolvida. Mas sempre que eu passava num espelho, via quem eu deveria ser, como todo mundo. — Ele deu de ombros. — A bola de boliche estava atrás de uma divisória de vidro. Estavam examinando-a com scanners, equipamentos por controle remoto, raios X, coisas assim. Enfiei a bola debaixo do braço e saí de lá.