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Engraxado riu.

— Aposto que vai.

— Vai perder — disse Jube. A liga metálica de Ly’bahr era densa e forte o suficiente para aguentar uma pequena explosão termonuclear. Ele mesmo usou a arma durante seu primeiro ano em Nova York, mas a parte elétrica tinha se desgastado, e após um tempo tornou-se muito mais uma chateação. Claro, Jube removeu a célula de energia antes de embrulhar o presente para Doughboy, e um perturbador da Rede não era o tipo de coisa que se conseguiria energizar com uma pilha grande.

Alguém botou um eggnog, generosamente batizado com rum e noz-moscada, na mão dele. Jube tomou um grande gole, riu com prazer e continuou a entrega dos presentes. Callie foi a próxima, e ganhou um talão de ingressos para o cinema da vizinhança. Denton, do quarto andar, recebeu uma touca tricotada de lã, que pendurou na ponta de seus chifres, provocando riso geral. Reginald, que as crianças da vizinhança chamavam de Cabeça de Batata (embora não fosse pelo seu rosto), acabou com um barbeador elétrico; Engraxado recebeu um cachecol multicolorido. Eles se olhavam, riam e trocavam presentes.

Ele fez seu caminho pela sala de pessoa a pessoa até todos terem um presente. O último presente na bolsa em geral era o dele; neste ano, contudo, a bolsa estava vazia após a Sra. Holland tirar seus ingressos para Cats. Jube ficou um pouco constrangido. Deve ter mostrado isso em seu rosto. Houve gargalhada em toda a sala.

— Não esquecemos você, Homem-Morsa — disse Chucky, o garoto com pernas de aranha que levava mensagens até a Wall Street.

— Este ano fizemos uma vaquinha; você vai ganhar algo especial. — Engraxado acrescentou.

A Sra. Holland deu o presente a ele. Era pequeno e com papel de embrulho de uma loja. Jube abriu-o cuidadosamente.

— Um relógio!

— Não é um relógio, Morsa, é um cronômetro! — Chucky disse. — Automático, à prova d’água e de choque também.

— Esse relógio vai te mostrar a data, e as fases da lua, droga, ele mostra tudo, menos quando sua namorada estiver naqueles dias — Engraxado disse.

— Engraxado! — disse a Sra. Holland, indignada.

— Você usa aquele relógio do Mickey Mouse desde que, bem, desde que eu te conheço — Reginald falou. — Todos pensamos que já era hora de você ter algo um pouco mais moderno.

Era um relógio muito caro. Assim, claro, não havia outra coisa a fazer, senão usá-lo. Jube tirou o do Mickey de seu pulso grosso e colocou o cronômetro novinho com sua pulseira flexível de metal. Pousou o velho relógio cuidadosamente em cima da prateleira sobre a lareira e deu uma volta na sala lotada, agradecendo a cada um deles.

Em seguida, o Velho Sr. Cricket esfregou as pernas para a afinação do “Jingle Bells”, e a Sra. Holland serviu o peru que ganhara na rifa da igreja (Jube empurrou sua porção pela sala o suficiente para que parecesse que ele comeu um pouco), e teve mais eggnog para beber, e um carteado após o café e, quando ficou bem tarde, Jube contou algumas de suas piadas. Finalmente ele percebeu que era hora de se retirar; deu folga ao ajudante, então precisava abrir a banca ele mesmo de manhã bem cedinho. Mas quando foi até a prateleira para sair, o Mickey havia sumido.

— Meu relógio! — Jube exclamou.

— O que você quer com aquela coisa velha, agora que você tem um novinho? — Callie perguntou.

— Tem valor sentimental — Jube comentou.

— Eu vi o Doughboy brincando com ele — disse o Verruga. — Ele gosta do Mickey Mouse.

Engraxado tinha colocado o Doughboy na cama havia horas. Jube teve de subir para o apartamento deles. Encontrou o relógio no pé de Doughboy, e Engraxado estava cheio de desculpas.

— Acho que ele quebrou — o velho disse.

— É muito resistente — falou Jube.

— Estava fazendo um barulho — comentou Engraxado. — Zumbindo. Quebrado por dentro, eu acho.

Por um momento, Jube não entendeu o que ele estava falando. Então, a confusão deu lugar ao medo.

— Zumbidos? Quanto tempo…?

— Um bom tempo — Engraxado disse, quando devolveu o relógio. De dentro da caixa vinha um chiado alto e fino. — Você está bem?

Jube balançou a cabeça.

— Cansado — ele comentou. — Feliz Natal. — E então desceu as escadas pesadamente, o mais rápido que pôde.

Em seu apartamento frio e escuro, correu para o porão de carvão. Lá dentro, seguro o suficiente, o comunicador tinha um brilho violeta, código de cor da Rede para emergência extrema. Seus corações estavam na boca. Quanto tempo? Horas, horas, e todo o tempo ele estivera festejando. Jube ficou enjoado. Jogou-se na cadeira e apertou botões no console para executar a mensagem que tinha gravado.

O holocubo brilhava por dentro, numa névoa de luz violeta. No centro estava Ekkedme, as pernas de salto traseiras dobradas sob ele, parecia quase agachado. O crisálida embe obviamente estava num estado de grande agitação; os cílios que cobrem seu rosto tremiam enquanto provavam o ar, e os palpos sobre sua pequena cabeça giravam freneticamente. Enquanto Jube assistia, o fundo violeta do código desapareceu e o interior lotado da nave unitária tomou forma. “A Mãe!”, Ekkedme gritou na língua de contato, forçando as palavras por suas narinas num sotaque embe sibilante. O holograma estilhaçou-se em uma imagem estática.

Quando se reintegrou um instante depois, o embe recuou de repente para um lado, esticando o membro frontal, fino como um graveto, e arrancou uma bola preta lisa da pelagem branca pálida de seu peito quitinoso. Começou a falar algo, mas atrás dele a parede da nave unitária entortou-se para dentro com um ruído metálico terrível, e então se desintegrou totalmente. Jube assistia com horror quando ar, instrumentos e o embe foram sugados na direção das estrelas frias e estáticas. Ekkedme bateu numa divisória irregular e deslizou mais para cima, segurando firme a bola enquanto as pernas traseiras lutavam desesperadamente. Um torvelinho de luz percorreu a superfície da esfera, e então pareceu se expandir. Uma onda preta rápida engoliu o embe; quando ela recuou, ele desapareceu. Jube ousou respirar de novo.

A transmissão foi interrompida bruscamente um instante depois.

Jube apertou a repetição, achando que havia perdido algo. Conseguiu assistir a apenas metade. Então ele se levantou, correu para o banheiro e vomitou todo o eggnog da noite.

Estava mais calmo quando voltou. Tinha de pensar, tinha de ver as coisas com calma. Pânico e culpa não o levariam a lugar algum. Mesmo se estivesse usando o relógio, não conseguiria ter descido a tempo para pegar a chamada, e, de qualquer forma, não havia nada que pudesse fazer. Além disso, Ekkedme escapou com o deslocador de singularidade, Jube tinha visto com os próprios olhos, certamente o colega estava em segurança…

… apenas… se ele tivesse conseguido… onde ele estava?

Jube olhou em volta, lentamente. O embe certamente não estava ali. Mas onde mais poderia ter ido? Quanto tempo poderia sobreviver naquela gravidade? E o que aconteceu lá em cima, em órbita?

Carrancudo, conectou-se aos rastreadores via satélite. Havia seis deles, aparelhos sofisticados do tamanho de bolas de golfe, carregados com sensores rhindarianos. Ekkedme usou-os para monitorar padrões climáticos, atividade militar e transmissões de rádio e televisão, mas também tinham outros usos. Jube varreu os céus metodicamente, buscando uma nave unitária, mas onde deveria estar encontrou apenas destroços.

De repente, Jube sentiu-se muito sozinho.

Ekkedme era… bem, não um amigo, não do jeito que os humanos lá em cima eram amigos, nem mesmo tão próximo quanto Crisálida ou Patola, mas… suas espécies tinham pouco em comum, na verdade. Ekkedme era um tipo estranho e solitário, enigmático e não comunicativo; e 23 anos em órbita, trancado no confinamento estrito de sua nave unitária com nada para ocupar-se além de meditação e monitoramento, tinha transformado o estranho crisálida numa criatura quieta… mas, claro, essa foi a razão pela qual ele foi escolhido entre todos aqueles que o Mestre Comerciante poderia ter selecionado quando a nave Opportunity chegou havia tanto tempo, no ano humano de 1952, para observar os resultados do grande experimento takisiano. Espontâneas, as memórias vieram. A imensa nave espacial da Rede circulou o pequeno planeta verde entre junho e setembro, com pouco interesse. A civilização nativa era promissora, mas pouco mais avançada do que era nas visitas anteriores, poucos séculos antes. E o louvado vírus takisiano, o vírus carta selvagem, parecia ter produzido grandes quantidades de esquisitos, mutilados e monstros. Mas o Mestre Comerciante gostava de cobrir todas as possibilidades, então, quando a Opportunity partiu, deixou para trás dois observadores: o embe na órbita e um xenólogo na superfície. O Mestre Comerciante se divertia escondendo seu agente visível nas ruas de uma das maiores cidades do mundo. E para Jhubben, que tinha assinado um contrato de prestação de serviços vitalício pela chance de viajar para mundos distantes, era uma oportunidade rara de fazer um trabalho importante.