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Ainda assim, até aquele momento, sempre havia a certeza de que algum dia a Opportunity voltaria, que algum dia ele veria novamente o voo espacial, e talvez até voltasse para as geleiras e cidades de gelo de Glabber, atrás de seu melancólico sol vermelho. O crisálida embe nunca foi um amigo de verdade; ainda assim Ekkedme tinha sua importância. Tinham um passado compartilhado. Apenas Jube sabia que o embe observava, ouvia; apenas o Ekkedme sabia que Jube, o Morsa, o jornaleiro curinga, era na verdade Jhubben, um xenólogo de Glabber. O crisálida era uma ligação com seu passado, com sua terra natal e seu povo, com a Opportunity e a própria Rede, com seus membros de 137 espécies espalhados em milhares de mundos estranhos.

Jube olhou para o novo relógio que os amigos haviam lhe dado. Passava das duas. A mensagem foi recebida pouco antes das oito. Ele nunca tinha usado um deslocador de singularidade – era um dispositivo embe, ainda experimental, alimentado por um miniburaco negro e capaz de funcionar como um campo de estase, um dispositivo de teletransporte e até mesmo uma fonte de energia, mas caríssimo, com seus segredos zelosamente guardados pela Rede. Ele não fingia entender seu funcionamento, mas deveria ter trazido Ekkedme aqui, onde Jhubben poderia ajudá-lo. Se o deslocador falhou, o embe poderia ter se teletransportado para o vácuo do espaço, ou para o fundo do oceano ou… bem, para qualquer lugar ao alcance.

Ele balançou a cabeça imensa. O que poderia fazer? Se Ekkedme ainda estivesse vivo, encontraria uma maneira de chegar até ele. Jube estava sem forças para ajudá-lo. Enquanto isso, tinha um problema mais urgente: algo, ou alguém, descobriu, atacou e destruiu a nave unitária. Os humanos não tinham tecnologia, nem motivos. Quem quer que fosse responsável obviamente não era amigo da Rede, e se soubesse de sua existência, poderia vir atrás dele também. Jube desejou não ter dado sua arma para o Doughboy.

Ele assistiu à derradeira transmissão do embe uma última vez, na esperança de encontrar uma pista para o inimigo desconhecido. Não havia nada, exceto… “A Mãe!”, Ekkedme tinha dito. O que era aquilo? Alguma invocação religiosa do embe, ou seu colega estava mesmo chamando pela fêmea que o chocara?

Jube passou as próximas horas flutuando na banheira, pensando. Não saboreava aqueles pensamentos, ainda que a lógica fosse inescapável. A Rede tinha muitos inimigos, dentro e fora dela, mas apenas um rival poderoso de verdade no setor espacial, e apenas um que pudesse ficar violentamente irritado por encontrar a Terra sob observação: uma espécie tão parecida e tão diferente dos humanos, dominadora e indiferente, racista, implacavelmente cruel e capaz da maioria das atrocidades, a julgar por aquilo que fizeram na Terra, e o que regularmente faziam entre os seus.

Quando a aurora se aproximou, vestindo-se após uma noite insone, Jube estava praticamente convencido disso. Apenas uma nave simbionte takisiana poderia ter feito aquilo que ele testemunhou. O arpão-fantasma ou o laser?, pensou. Não era especialista em equipamentos militares.

Era um dia cinzento, pegajoso, depressivo, e o humor de Jube se encaixava perfeitamente nele quando abriu a banca de jornal. Os negócios estavam fracos. Era pouco depois das oito quando o Dr. Tachyon desceu a Bowery, usando um casaco de pele branco e limpando uma mancha de ovo na gola.

— Algo errado, Jube? — Tachyon perguntou quando parou para pegar o New York Times. — Você não parece bem.

Jube não conseguia encontrar as palavras.

— Hum, sim, doutor. Um amigo meu… hum… morreu. — Ele olhou para o rosto de Tachyon, buscando um vestígio de culpa. A culpa vinha tão facilmente para os takisianos, com certeza ele se trairia se soubesse de algo.

— Sinto muito — o doutor disse, a voz sincera e solidária. — Também perdi alguém esta semana, um assistente da clínica. Tenho a suspeita horrível de que o homem foi assassinado. Um dos meus pacientes desapareceu no mesmo dia, um homem chamado Spector. — Tachyon suspirou. — E agora a polícia quer que eu realize uma autópsia num pobre curinga que encontraram numa caçamba de lixo em Chelsea. O homem parece um gafanhoto peludo, McPherson comentou comigo. Isso faz dele um dos meus, viu. — Ele balançou sua cabeça, exausto. — Bem, vão ter que mantê-lo no freezer até eu poder organizar a busca pelo Sr. Spector. Fique de ouvidos abertos, Jube, e me informe se souber de alguma coisa, tudo bem?

— Você disse um gafanhoto? — Jube tentou manter a voz espontânea. — Um gafanhoto peludo?

— Sim — Tach disse. — Não é alguém que você conheça, espero.

— Não tenho certeza — disse Jube, rapidamente. — Talvez eu pudesse ir e dar uma olhada. Conheço muitos curingas.

— Ele está no necrotério, na First Avenue.

— Não sei se conseguiria — disse Jube. — Tenho um estômago delicado, doutor. Que tipo de lugar é esse necrotério?

Tachyon garantiu a Jube que não era nada assustador. Para acalmar qualquer apreensão, descreveu o necrotério e seus procedimentos. Jube memorizou cada detalhe.

— Não parece tão ruim — disse, por fim. — Talvez eu dê uma olhadinha, caso seja, hum, o rapaz que eu conheço.

Tachyon concordou com a cabeça, distraidamente, sua mente em outros problemas.

— Sabe — disse ele a Jube — que o tal Spector, o paciente que desapareceu… ele estava morto quando o trouxeram para mim. Salvei a vida do homem. E se eu não tivesse, talvez Henry ainda estivesse vivo. Claro, não tenho provas. — Dobrando seu New York Times sob o braço, o takisiano saiu caminhando pesadamente pela lama.

Pobre Ekkedme, pensou Jube. Morrer tão longe de casa… não tinha ideia de quais eram os costumes funerários dos embes. Não havia nem tempo para o luto. Tachyon não sabia, óbvio. E o mais importante, Tachyon não deveria saber. A presença da Rede na Terra deve ser mantida em segredo a todo custo. E se o takisiano realizasse a autópsia, ele saberia, não havia dúvida. Tachyon aceitou Jube como curinga, e por que não? Parecia tão humano quanto a maioria dos curingas, e estava no Bairro dos Curingas havia mais tempo que o próprio doutor. Glabber era um fim de mundo, pobre e obscuro. Não tinha voos espaciais próprios, e menos de uma centena de glabberianos prestava serviços nas grandes espaçonaves da Rede. As chances de ele reconhecer Jhubben eram próximas de zero. Mas os embes habitavam dezenas de mundos, suas espaçonaves eram conhecidas em mais de uma centena; eram grande parte da Rede, como os ly’bahres, kondikkis, aevres, ou mesmo os Mestres Comerciantes. Uma olhada naquele corpo e Tachyon saberia.