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Jube se balançou sobre os calcanhares, sentindo as primeiras fisgadas do pânico. Tinha que pegar aquele corpo antes que Tachyon o visse. E o deslocador, como poderia se esquecer daquilo! Se um artefato tão valioso quanto um deslocador de singularidade caísse em mãos takisianas, não seria possível prever quais consequências poderiam ter. Mas como?

Um homem que ele nunca vira antes parou diante da banca de jornal. Distraído, Jube olhou para ele.

— Jornal?

— Um de cada — o homem disse —, como de costume.

Levou um momento para cair a ficha, mas, quando caiu, Jube saiba que tinha ali a sua resposta.

Das cinzas às cinzas

Roger Zelazny

O Rádio cuspiu estática. Croyd Crenson esticou o braço, desligou-o e o lançou pelo quarto na direção do cesto de lixo ao lado da penteadeira. Achou que foi um bom presságio ele ter caído dentro.

Então, esticou-se, tirou as cobertas de cima de si e olhou seu corpo pálido e nu. Tudo parecia estar no lugar e normalmente simétrico. Desejou levitar e nada aconteceu, então jogou as pernas para a beirada da cama e se sentou. Passou a mão pelos cabelos, contente por descobrir que tinha cabelos. Acordar sempre era uma aventura.

Tentou ficar invisível, derreter o cesto de lixo com um pensamento ou criar um arco de faíscas com as pontas dos dedos. Nenhuma dessas coisas ocorreu.

Levantou-se e foi ao banheiro. Enquanto bebia copo atrás de copo d’água, examinou-se no espelho. Cabelos e olhos claros dessa vez, feições regulares; na verdade, era bastante bonito. Achou que tinha apenas um pouco mais de um metro e oitenta de altura. Bem musculoso também. Devia haver algo no armário que servisse. Tivera essa altura e constituição antes.

Era um dia cinzento, com trechos de neve de aparência lamacenta forrando a calçada do outro lado da rua. Água gotejava na sarjeta. Croyd parou no caminho para o armário para retirar uma haste de metal pesada de uma caixa sob a escrivaninha. A força ainda persistia, ele refletiu, quando o rolo de metal se juntou ao rádio no cesto de lixo. Ele localizou uma camisa e calças que ficavam bem nele, e um casaco de tweed apenas levemente apertado nos ombros. Voltou sua atenção para a imensa coleção de sapatos e, depois de um tempo, escolheu um par confortável.

Passava um pouco das oito de acordo com seu Rolex e, por ser inverno e ter luz do dia, isso significava manhã. Seu estômago roncou. Horário para café da manhã e orientação. Verificou o esconderijo do dinheiro e tirou duas notas de cem dólares. Está acabando, ele pensou. Tenho que visitar o banco mais tarde. Ou talvez roubar um. As ações também estavam caindo, da última vez. Mais tarde

Ele se equipou com um lenço, um pente, as chaves e um pequeno frasco plástico de pílulas. Não gostava de carregar identificação de qualquer tipo. Não precisava de um sobretudo. Temperaturas extremas raramente o incomodavam.

Trancou a porta atrás de si, transpôs o corredor e desceu as escadas. Virou à esquerda quando chegou à rua, encarando um vento cortante, e começou a descer a Bowery. Deixando uma nota na mão esticada de um curinga alto e cadavérico com um nariz como uma ponta de gelo — que ficou tão parado quanto um totem na porta de uma loja de máscara fechada —, Croyd lhe perguntou que mês era.

— Dezembro — a figura disse sem mover os lábios. — Feliz Natal.

— É — disse Croyd.

Ele tentou mais alguns testes simples quando rumou para a primeira parada, mas não conseguiu quebrar as garrafas de uísque vazias na sarjeta com um pensamento, nem botar fogo em nenhuma das pilhas de lixo. Tentou emitir ultrassons, mas apenas produziu guinchos.

Seguiu até a banca de jornal na Hester Street, onde o pequeno e gordo Jube Benson estava sentado, lendo um de seus jornais. Vestia uma camisa havaiana amarela e laranja embaixo de um casaco de verão azul-claro; tufos de cabelos ruivos saíam sob o chapéu-palheta. A temperatura não parecia incomodá-lo mais do que a Croyd. Ele levantou o rosto escuro, inchado e marcado e mostrou um par de presas curtas e curvas quando Croyd parou diante da banca.

— Jornal? — perguntou.

— Um de cada — disse Croyd —, como de costume.

Os olhos de Jube espremeram-se levemente, enquanto examinava o homem diante dele. Então perguntou:

— Croyd?

Croyd concordou com a cabeça.

— Sou eu mesmo, Morsa. Como estão as coisas?

— Posso reclamar não, camarada. Ficou bonitão dessa vez.

— Ainda estou testando — disse Croyd, juntando uma pilha de jornais.

Jube mostrou mais das presas.

— Qual é o trabalho mais perigoso no Bairro dos Curingas? — ele perguntou.

— Sei não.

— Ir no banco do carona de um caminhão de lixo — disse ele. — Ouviu o que aconteceu com a moça que ganhou o concurso de Miss Bairro dos Curingas?

— O quê?

— Perdeu o título quando souberam que pousaria nua para o Jornal dos Criadores de Galinha.

— Essa foi bizarra, Jube — disse Croyd, lançando um sorriso sarcástico.

— Eu sei. Fomos atingidos por um furacão enquanto você dormia. Sabe o que ele fez?

— O quê?

— Quatro milhões de dólares de melhorias na cidade.

— Está bem, já deu! — disse Croyd. — Quanto te devo?

Jube baixou o jornal, levantou e caminhou como um pato para o lado da banca.

— Nada — disse ele. — Quero falar contigo.

— Tenho que comer, Jube. Quando acordo, preciso de um monte de comida e rápido. Volto mais tarde, tudo bem?

— Tudo bem se eu for contigo?

— Claro. Mas você vai perder negócios.

Jube começou a fechar a banca.

— Tudo bem — disse ele. — São negócios também.

Croyd esperou-o trancar a banca, e caminharam dois quarteirões até o Hairy’s Kitchen.

— Vamos pegar a mesa do fundo — disse Jube.

— Ótimo. Nada de negócios até minha primeira rodada de comida, tudo bem? Não consigo me concentrar com pouco açúcar no sangue, hormônios engraçados e muitas transaminases. Me deixa botar algo pra dentro antes.

— Eu entendo. Coma tranquilo.

Quando o garçom se aproximou, Jube disse que já havia comido e pediu uma xícara de café, na qual nunca tocou. Croyd começou com um pedido duplo de bife com ovos e uma jarra de suco de laranja.

Dez minutos depois, quando as panquecas chegaram, Jube limpou a garganta.

— Agora, sim — disse Croyd. — Está melhor. Então, o que está te perturbando, Jube?

— Difícil começar — respondeu o outro.

— Comece de qualquer lugar. A vida está mais bonita pra mim agora.

— Nem sempre é saudável ter curiosidade com os negócios de outras pessoas daqui…

— Verdade — Croyd concordou.

— Por outro lado, as pessoas adoram fofocar, especular.

Croyd balançou a cabeça e continuou a comer.

— Não é segredo pra ninguém o jeito que você dorme, e isso impede que tenha um emprego normal. Agora, você parece mais um ás do que um curinga, no geral. Digo, normalmente você parece normal, mas tem um talento especial.

— Ainda não entendi qual é desta vez.

— Pois bem. Você se veste bem, paga suas contas, gosta de comer no Aces High e não está usando um Timex. Tem que fazer algo pra ficar de boa… a menos que tenha herdado uma bolada.

Croyd sorriu.

— Tenho medo de olhar o Wall Street Journal — disse ele, tocando a pilha de jornais ao lado. — Posso ter que fazer algo que não faço há algum tempo se me disser o que acho que vai dizer.

— Posso supor, então, que, quando você trabalha, o que faz é, às vezes, meio fora da lei?