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Croyd levantou a cabeça e, quando seus olhos se encontraram, Jube encolheu-se. Era a primeira vez que Croyd percebia como o homem estava nervoso. Ele riu.

— Vá pro inferno, Jube — disse ele. — Te conheço há tempo suficiente pra saber que você não é da polícia. Quer que eu faça alguma coisa, não é? Se for pra roubar alguma coisa, sou bom nisso. Aprendi com um especialista. Se estiver sendo chantageado, terei prazer em pegar de volta a prova e fazer a pessoa que está fazendo isso cagar na calça de medo. Se quiser que algo seja removido, destruído, transportado, eu sou o cara. Mas se quiser alguém morto, isso eu não gosto de fazer. Mas posso dar o nome de algumas pessoas que não se importariam.

Jube balançou a cabeça.

— Não quero ninguém morto, Croyd. Mas quero um roubo, sim.

— Antes de entrar em detalhes, melhor eu dizer que meu preço é alto.

Jube mostrou as presas.

— Os… hum… os interesses que represento estão preparados para recompensar seu esforço.

Croyd terminou as panquecas, bebeu café e comeu o bolo dinamarquês enquanto esperava pelos waffles.

— É um corpo, Croyd — disse Jube, finalmente.

— Quê?

— Um cadáver.

— Não tô entendendo.

— Tem um cara que morreu no fim de semana. O corpo foi encontrado numa caçamba de lixo. Sem identidade. É um joão-ninguém. Lá no necrotério.

— Caramba, Jube! Um corpo? Nunca roubei um corpo antes. Pra que serve isso?

Jube deu de ombros.

— Estão dispostos a pagar muito bem por ele… e por quaisquer posses que o cara tiver com ele. É tudo que eles querem dizer.

— Acho que é para os negócios deles que querem. Mas quanto estão falando em pagar?

— Para eles, vale cinquenta paus.

— Cinquenta paus? Por um presunto? — Croyd parou de comer e encarou Jube. — Você só pode estar brincando.

— Não. Posso te dar dez agora e quarenta quando entregar.

— E se eu não conseguir?

— Fica com os dez pela tentativa. Está interessado?

Croyd deu um suspiro fundo e deixou o ar sair lentamente.

— Claro — disse ele em seguida. — Estou interessado. Mas nem sei onde é o necrotério.

— É no gabinete do médico-legista, na 25th com First Avenue.

— Ok. Diga que vou lá e…

Hairy chegou e pousou um prato de salsichas e batatas suíças diante de Croyd. Ele encheu novamente a xícara de café e deixou várias contas e algumas moedas na mesa.

— Seu troco, senhor.

Croyd olhou para o dinheiro.

— Como assim? — disse ele. — Não paguei ainda.

— Você me deu uma nota de cinquenta.

— Não, não dei. Não terminei ainda.

Parecia que Hairy estava sorrindo, sob o fundo da pelagem preta e densa que o cobria inteiramente.

— Não estaria aberto há tanto tempo se ficasse dando dinheiro por aí — ele diz. — Eu sei fazer troco.

Croyd deu de ombros e balançou a cabeça.

— Acho que sim.

Croyd franziu as sobrancelhas quando Hairy saiu, e este balançou a cabeça.

— Jube, eu não paguei pra ele.

— Também não me lembro de ver você pagar. Mas ele disse uma de cinquenta… Difícil esquecer.

— Estranho, também. Porque eu estava pensando em trocar uma de cinquenta aqui quando acabasse.

— Ah? Você lembra quando o pensamento passou por sua cabeça?

— Lembro. Quando ele trouxe os waffles.

— Você teve mesmo uma imagem mental de pegar uma de cinquenta e entregar para ele?

— Sim.

— Interessante.

— Como assim?

— Acho que pode ser seu poder dessa vez… algum tipo de hipnose telepática. Você vai precisar apenas lidar com isso um pouco para pegar o jeito, encontrar os limites.

Croyd concordou com a cabeça, lentamente.

— Só não teste em mim, por favor. Já estou ferrado demais para isso hoje.

— Por quê? Você vai levar algum nesse negócio do cadáver?

— Quanto menos souber, Croyd, melhor. Confie em mim.

— Tudo bem, eu entendo. Na verdade, isso nem importa. Não para o que eles estão pagando — disse ele. — Então, eu aceito o trabalho. Digamos que tudo correu bem e estou com o corpo. O que faço com ele?

Jube puxou uma caneta e um caderninho do bolso interno. Escreveu um pouco, arrancou a folha e passou-a para ele. Então fuçou no bolso lateral, tirou uma chave e colocou-a ao lado do prato de Croyd.

— Esse endereço fica a cinco quadras daqui — disse ele. — Quarto alugado, andar térreo. A chave se encaixa na fechadura. Você leva pra lá, tranca e vem me avisar na banca.

Croyd começou a comer novamente. Depois de um tempo, ele disse:

— Ok.

— Bom.

— Mas eles provavelmente têm mais de um joão-ninguém lá nessa época do ano. Bebuns que morrem congelados… você sabe. Como vou saber qual é o certo?

— Estava chegando aí. O cara é um curinga, correto? Um camarada pequeno. Um metro e meio, talvez. Parece, tipo, um besourão… pernas dobradas como as de um gafanhoto, um exoesqueleto com um pouco de pelo em cima, quatro dedos nas mãos com três juntas cada, olhos na lateral da cabeça, asas atrofiadas nas costas…

— Já imaginei. Parece difícil confundir com o modelo padrão.

— É. Não deve pesar muito também.

Croyd balançou a cabeça. Alguém na frente do restaurante disse “… pterodátilo!”, e Croyd virou a cabeça para ver a forma alada pairar ao lado da janela.

— Aquele garoto de novo — disse Jube.

— É. Adivinha quem ele anda amolando agora?

— Você o conhece?

— Ahã. Ele aparece de vez em quando. Tipo fã dos ases. Pelo menos ele não sabe qual é minha aparência desta vez. Deixa pra lá… Em quanto tempo precisam desse corpo?

— O quanto antes.

— Tem alguma coisa que você queira me dizer sobre a estrutura do necrotério?

Jube concordou devagar com a cabeça.

— Sim. É um prédio de seis andares. Laboratórios e escritórios e tudo o mais, subindo as escadas. Recepção e área de televisão no térreo. Os corpos ficam no porão. As salas de autópsia são embaixo também. Têm 128 compartimentos, com um refrigerador apertado com prateleiras para os corpos infantis. Quando alguém precisa ver um corpo para identificação, colocam num elevador especial que sobe para uma câmera ladeada de vidros numa sala de espera no primeiro andar.

— Então você esteve lá?

— Não, eu li nas memórias do Milton Helpern.

— Você teve o que eu chamaria de educação realmente liberal — disse Croyd. — Eu mesmo deveria ler mais.

— Você pode comprar muitos livros com cinquenta paus.

Croyd sorriu.

— Então, negócio fechado?

— Me deixa pensar um pouco mais… depois do café da manhã… enquanto eu imagino como meu talento funciona. Passo na sua banca quando eu estiver pronto. Quando eu pegaria os dez paus?

— Posso pegar hoje à tarde.

— Tudo bem. Vejo você em uma hora mais ou menos.

Jube balançou a cabeça, levantou o volume imenso, escorregou para fora da cadeira.

— Cuidado com o colesterol — disse ele.

Fendas azuis apareceram na cúpula celeste cinzenta, e os raios de sol abriram caminho até a rua. O som da água gotejante ficou constante naquele momento de algum lugar atrás da banca de jornal. Jube normalmente teria pensado que era um fundo agradável entre os ruídos do tráfego e outros sons da cidade, não fosse pelo pequeno dilema moral ter chegado aos poucos sobre asas de couro e destruído a manhã. Não havia percebido que tomara uma decisão até olhar para cima e ver Croyd olhando para ele, sorrindo.

— Sem problema — disse Croyd. — Vai ser moleza.

Jube suspirou.

— Tem algo que eu precisava te dizer primeiro.

— Problemas?

— Nada que seja diretamente relacionado aos termos do trabalho — Jube explicou. — Mas você pode ter um problema que não sabia que tinha.