— Parecia bem sólido quando catei. O que você acha de a gente dividir a diferença. Seis e meio?
— Não sei.
Os outros clientes começaram a olhar na direção deles, pois o saco de lixo continuava a inchar. Eles terminaram as cervejas.
— Outra rodada?
— Por que não?
— Garçom.
O garçom deles, que tinha acabado de limpar uma mesa, seguia sem pressa, uma pilha de pratos e talheres nas mãos.
— O que posso fazer… — começou, quando a lâmina de uma faca grande, para fora da pilha de louças, raspou o saco de lixo inflado. — Meu Deus! — ele terminou, enquanto um chiado, acompanhado por um odor que poderia ter sido composto de gases de esgoto e eflúvios de um abatedouro encheu os arredores e se espalhou como o vazamento de uma experiência química de guerra por todo o estabelecimento.
— Me desculpem — o garçom disse, virando as costas e saindo apressado.
Então, momentos depois, houve uma série de engasgos de outros clientes.
— Use seu poder, Croyd! — Devil John sussurrou. — Depressa!
— Não sei se consigo fazer numa sala cheia de…
— Tente!
Croyd concentrou-se nos outros.
Foi um pequeno acidente. Nada importante. Agora, vocês vão esquecer o que houve. Não sentem nenhum cheiro estranho. Voltem para suas refeições e não olhem nesta direção de novo. Não perceberão nada do que fizermos. Não há nada para ver aqui. Nem para cheirar.
Os outros clientes viraram-se, voltaram a comer, conversando.
— Conseguiu — Devil John constatou numa voz estranha.
Croyd olhou para trás e descobriu que o homem estava fechando o nariz com os dedos.
— Você derramou alguma coisa? — Croyd perguntou para ele.
— Não.
— Opa. Ouviu isso?
Darlingfoot inclinou-se e curvou-se para baixo.
— Ai, caramba! — disse ele. — O saco rasgou e ele está escorrendo pelo rasgo que o cara fez. Ei, você pode acabar com meu olfato também?
Croyd fechou os olhos e rangeu os dentes.
— Assim é melhor — ouviu momentos depois, quando Darlingfoot esticou o braço e levantou o saco, que fez um barulho de líquido gorgolejante.
Croyd olhou para o chão e deu de cara com uma poça imensa que lembrava um ensopado derramado. Sentiu um leve enjoo e virou o rosto.
— O que quer fazer agora, Croyd? Deixar a bagunça e levar o resto, ou o quê?
— Acho que sou obrigado a levar tudo que puder.
Devil John levantou uma sobrancelha e sorriu.
— Bem — disse —, fechamos em 6.500 e o ajudo a juntá-lo de um jeito administrável.
— Combinado.
— Então, me cubra se puder para que o povo na cozinha não me veja.
— Vou tentar. O que você vai fazer?
— Confie em mim.
Darlingfoot levantou, passou a parte de cima do saco para Croyd e mancou até a cozinha. Passou muitos minutos lá e, quando voltou, os braços estavam cheios.
Ele destampou um pote de picles grande e o deixou no chão, ao lado da cadeira.
— Agora, se você tombar o saco para que a boca fique bem em cima do jarro — disse ele —, eu levanto o fundo e podemos despejá-lo aí dentro.
Croyd obedeceu, e o pote foi preenchido até acima da metade antes de o gotejar cessar.
— E agora? — ele perguntou, rosqueando a tampa.
Darlingfoot pegou o primeiro de uma pilha de guardanapos que trouxe com ele e abriu um pequeno pacote branco.
— Embalagem pra viagem — disse ele. — Vou só pegar os pedaços sólidos do chão e botar nela.
— E aí?
— Também tenho um belo saco de lixo novinho — explicou, inclinando-se. — Deve caber tudo aqui, sem problema.
— Pode se apressar? — disse Croyd. — Não consigo controlar meu próprio olfato.
— Estou limpando o mais rápido que posso. Pode abrir o pote de novo? Posso jogar o resto dele que está no guardanapo.
Quando os restos derramados foram recolhidos no jarro de picles em nove embalagens para viagem, Darlingfoot abriu o saco de lixo furado pela metade e removeu as placas quitinosas que permaneceram dentro dele. Ele botou o pote na cavidade do tórax e, então, colocou-o inteiro no saco limpo, cobrindo-o com as peças de cartilagem e pequenos pedaços de revestimento. Pôs a cabeça e os membros em cima. Então embalou os pacotes para viagem e enrolou o saco plástico.
Croyd estava em pé nesse momento.
— Desculpe — disse ele. — Já volto.
— Estou indo também. Preciso me lavar um pouco.
Falando por sobre a corrente de água, Devil John de repente observou:
— Agora que tudo está bem encaixado, tenho que te pedir um favor.
— O quê? — Croyd perguntou, ensaboando as mãos novamente.
— Ainda estou com um mau pressentimento sobre os caras que me contrataram, sabe?
Croyd deu de ombros.
— Você não pode servir a dois mestres.
— Por que não?
— Não tô te entendendo.
— Eu estava no meu caminho para entregar quando me alcançou. Supondo que fôssemos até o ponto de encontro – um pequeno parque perto do Mosteiro – e digo pra eles alguma bobagem sobre os cachorros rasgando o corpo e fugindo com a coisa toda. Você os faz acreditarem nisso e, então, esquecerem que você estava junto. Desse jeito, fico fora de perigo.
— Tudo bem, certo — Croyd concordou, jogando água no rosto. — Mas você falou “eles”. Quantas pessoas você espera lá?
— Um ou dois. O cara que me contratou era um tal de Matthias, e havia um homem vermelho com ele. Ele que tentou me fazer ficar interessado pelos maçons até o outro o mandar calar a boca…
— Que engraçado — disse Croyd. — Conheci um Matthias esta manhã. Era um dos policiais. À paisana. E esse cara vermelho? Talvez seja um ás ou um curinga.
— É provável. Mas se tinha qualquer talento especial, não mostrou.
Croyd secou o rosto.
— De repente, fiquei um pouco desconfortável — disse ele. — Veja só, esse policial, o Matthias, é um ás. O nome pode ser apenas uma coincidência, e eu consegui enganá-lo com meu talento, mas não gosto dessa coisa de muitos ases. Poderia encontrar alguém que seja imune àquilo que eu tenho. Esse grupo… Eu não derrotaria um punhado de ases maçons, derrotaria?
— Não sei. O camarada vermelho queria que eu fosse a um tipo de reunião, e eu disse que não me juntaria a eles e que negociaríamos ali mesmo ou esqueceríamos tudo. Então apresentaram meu contratante na hora. Havia algo no jeito que o cara vermelho falava as coisas que me trouxe uma vibração ruim.
Croyd franziu a testa.
— Talvez a gente tenha só que esquecer os caras.
— Eu realmente fecho acordos direitinho para que eles não voltem pra me assombrar — Darlingfoot disse. — Você não podia, tipo, dar uma olhada enquanto falo com ele e então decidir?
— Tudo bem… Eu disse que iria. Você se lembra de alguma outra coisa que foi dita? Sobre maçons, ases, o corpo… qualquer coisa?
— Não… mas o que são feromônios?
— Feromônios? São como hormônios que você cheira. Químicas que são levadas pelo ar e podem influenciar você. Tachyon me falou deles uma vez. Tem esse curinga que eu conheci. Você senta perto demais dele num restaurante e tudo que você come tem gosto de banana. Isso é feromônio, Tachy disse. O que têm eles?
— Não sei. O cara vermelho disse alguma coisa sobre feromônios com relação à mulher dele quando cheguei. Não mais do que isso.
— Nada mais?
— Nada mais.
— Tudo bem. — Croyd fez uma bolinha com o papel toalha e jogou na direção do cesto de lixo. — Vamos lá.
Quando voltaram para a mesa, Croyd contou o dinheiro e passou para o companheiro.
— Está aqui. Não pode dizer que não mereceu.
Croyd olhou os guardanapos espalhados, o chão melado e a umidade do saco vazio.
— O que você acha que devemos fazer com a sujeira?
Darlingfoot deu de ombros.
— Os garçons vão cuidar disso — disse ele. — Estão acostumados. Só não se esqueça de deixar uma boa gorjeta.