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— Todos os equipamentos modulares em funcionamento — disse o androide.

— Leve sua cúpula pra fora daqui.

Houve um estalo e um leve gosto de ozônio. O campo de insubstancialidade produzia um efeito de obscurecimento enquanto o androide subia através do teto. Travnicek olhou para o lugar no teto onde o androide se erguera, e sorriu de satisfação. Elevou a garrafa para o alto, num brinde.

— Prometeu moderno — disse ele —, uma ova!

O androide espiralou no céu. Os elétrons cruzavam sua mente a toda velocidade, como as gotas da chuva que atravessavam seu corpo insubstancial. O Empire State lançava-se na direção das nuvens como uma lança art déco. O androide ficou novamente substancial — o campo drenava sua força com muita rapidez para ser usado casualmente. A chuva chocava-se contra sua cúpula de radar.

A programação de sistemas especializados corria por seus interruptores macroatômicos. Sub-rotinas, imitações embutidas da razão humana e autorizadas dentro de limites a se alterarem, ajustavam-se de formas mais eficientes. Travnicek era um programador genial, mas desleixado, e sua gramática de programação era mais elaborada e discursiva do que o necessário. O androide editava a linguagem de Travnicek enquanto voava, sentindo-se crescer em eficiência. Enquanto o fazia, contemplava um programa que aguardava dentro de si. O programa, chamado ETCETERA, ocupava um espaço imenso e parecia ser uma tentativa abstrata, bagunçada e intrincada de descrever o caráter humano.

Aparentemente, Travnicek pretendia que o programa fosse consultado quando o androide precisasse lidar com problemas de motivação humana. O ETCETERA era volumoso, mal-arranjado, a linguagem em si cheia de ideias tardias e contradições aparentes. Se usado da forma que Travnicek pretendia, o programa seria, em comparação, ineficaz. O androide sabia que seria muito mais útil dividir o programa em sub-rotinas e absorvê-lo na porção da programação principal projetada para ser usada ao tratar com os humanos. A eficiência seria aperfeiçoada.

O androide decidiu fazer a alteração. O programa foi analisado, dividido, adicionado à programação principal.

Se fosse humano, teria cambaleado, talvez perdido o controle. Sendo um androide, continuou no curso que determinara enquanto sua mente reluzia como uma nova em miniatura por baixo do ataque violento da experiência humana codificada. Suas percepções do mundo externo, complexas para um humano e compostas de luz infravermelha visível, ultravioleta, e imagens de radar, pareciam turvas em contraste com a vasta onda de paixão humana. Amor, ódio, luxúria, inveja, medo, transcendência… tudo alinhavava um padrão elétrico análogo na mente do androide.

Enquanto a mente do androide queimava, ele continuou a voar, aumentando a velocidade até o vento tornar-se um rugido em seus ouvidos. Receptores infravermelhos estalavam. As armas em seus ombros giraram e lançaram rajadas de teste no céu. Seu radar fez uma busca, tocando telhados, ruas, tráfego aéreo, sua mente maquinal comparando as imagens de radar com aquelas geradas anteriormente, buscando discrepâncias.

Havia definitivamente algo errado com a imagem de radar do Empire State. Um objeto grande estava escalando sua lateral, e parecia haver diversos objetos pequenos, de tamanho humano, orbitando o pináculo dourado. O androide comparou esse fato com as informações em seus arquivos, então alterou o curso.

Com dificuldade, suprimiu o turbilhão dentro de si. Não era o momento adequado.

Havia um gorila de mais de 13 metros escalando o prédio, aquele que os arquivos do androide haviam mostrado que era mantido no Zoológico do Central Park desde que fora descoberto passeando pelo parque durante o grande blecaute de 1965. Algemas quebradas balançavam dos pulsos do gorila. Uma mulher loira era mantida num dos punhos. Pessoas voadoras pairavam ao lado dele. No momento em que o androide chegou, a nuvem de ases que orbitava havia ficado mais densa, pequenos elétrons giratórios em torno de um núcleo peludo e rosnador. O ar ressoava com o som de foguetes, asas, campos de força, propulsores, arrotos. Armas, varinhas, projetores de raios e armas menos identificáveis eram brandidas na direção do gorila. Nenhuma estava sendo acionada.

O gorila, com uma determinação cretina, continuou a escalar o prédio. Janelas estilhaçavam-se quando ele enfiava os dedos através delas. Os gritos abafados do alarme eram ouvidos lá dentro.

O androide equiparou a velocidade à de uma mulher com garras, penas e uma envergadura de asa de seis metros. Seus arquivos sugeriam que seu nome era Peregrina.

— A segunda escapada do gorila este ano — disse ela. — Sempre agarra uma loira e sempre escala o Empire State. Por que uma loira? Queria saber.

O androide observou que a mulher alada tinha um cabelo castanho brilhoso.

— Por que ninguém faz nada? — ele perguntou.

— Se atirarmos no gorila, ele pode esmagar a garota — disse Peregrina. — Ou soltá-la. Em geral, o Grande e Poderoso Tartaruga simplesmente abre os dedos do macaco e leva a garota até o chão, e então tentamos nocautear o gorila. Ele se regenera, então não podemos feri-lo permanentemente. Mas o Tartaruga não está aqui.

— Acho que entendo o problema agora.

— Ah, a propósito… O que aconteceu com sua cabeça?

O androide não respondeu. Em vez disso, entrou novamente em seu campo de fluxo de insubstancialidade. Houve um estalo. Energias internas derramaram-se no espaço dimensional n. Ele alterou o curso e precipitou-se na direção do gorila. O animal rosnou para ele, arreganhando os dentes. O androide navegou para o meio da mão que segurava a loira, recebendo uma imagem impressionista dos cabelos pálidos desgrenhados, lágrimas, olhos azuis suplicantes.

— Puta merda — disse a garota.

Modular girou o laser insubstancial de micro-ondas dentro da mão do gorila e lançou uma rajada de força total na extensão do braço do animal. O gorila reagiu como se fosse uma ferroada, abrindo a mão. A loira tombou para fora. Os olhos do símio se arregalaram em horror.

O androide desligou o campo de fluxo, esquivou-se de um pterodátilo de seis metros, agarrou a garota em seus braços, agora substanciais, e saiu de lá voando.

Os olhos do gorila ficaram ainda mais aterrorizados. Havia escapado nove vezes nos últimos vinte anos e, até aquele momento, ele sabia o que esperar.

Por trás dele, o androide ouviu uma série de explosões, estalos, tiros, mísseis, raios sibilantes, gritos, pancadas e rugidos fúteis. Ouviu um lamento vibrante final e percebeu a sombra escura de um gigante de braços longos que tombou e escorreu pela fachada do arranha-céu. Houve um chiado, e uma rede do que parecia ser fogo azul frio surgiu sobre a Quinta Avenida; o gorila caiu sobre ela, sacudiu uma vez, e então foi levado, inconsciente e balbuciante, na direção de sua casa no Zoológico do Central Park.

O androide começou a procurar câmeras de vídeo nas ruas. Começou a descer.

— Importa-se de pairar um pouco mais? — a loira disse. — Se vai pousar na frente da imprensa, gostaria de retocar a maquiagem primeiro, tudo bem?

Recuperação rápida, o androide pensou. Começou a orbitar sobre as câmeras. Conseguia ver seu reflexo nas lentes distantes.

— Meu nome é Cyndi — a loira disse. — Sou atriz. Acabei de chegar de Minnesota alguns dias atrás. Esta pode ser minha grande estreia.

— A minha também — disse o androide. Ele sorriu para ela, esperando estar com a expressão correta. Ela não pareceu perturbada, então provavelmente estava.

— Por falar nisso — ele acrescentou —, acho que o gorila tem excelente gosto.