— Nada mau, nada mau — ponderou Travnicek, assistindo na televisão a um vídeo do androide, que, após uma breve entrevista para a imprensa, foi mostrado erguendo-se aos céus com Cyndi nos braços.
Ele se voltou à sua criação.
— Por que diabos você ficou com as mãos sobre a cabeça o tempo todo?
— Minha cúpula de radar. Fiquei envergonhado. Todos perguntavam o tempo todo sobre o que havia de errado com a minha cabeça.
— Um sistema de ataque defensivo polivalente envergonhado e ruborizado — disse Travnicek. — Jesus. É tudo de que o mundo precisa.
— Posso fazer um solidéu? Não vou aparecer em diversas capas de revista do jeito que estou agora.
— Está bem, vá em frente.
— O restaurante Aces High oferece um jantar gratuito para duas pessoas para qualquer um que recapturar o gorila quando ele escapa. Posso ir esta noite? Parece que eu poderia conhecer um monte de pessoas úteis. E Cyndi, a mulher que resgatei, queria me encontrar lá. A Peregrina também me pediu para aparecer em seu programa de televisão. Posso ir?
Travnicek estava animado. Seu androide provou ser um sucesso. Decidiu enviar sua criação para o gabinete do lixo do Bushmill, no MIT.
— Claro — disse ele. — Você será visto. Será bom. Mas abra sua cúpula primeiro. Quero fazer alguns ajustes.
O céu do inverno estava cheio de estrelas cintilantes. Onde o tempo estava claro, milhões assistiam enquanto padrões reluzentes de vermelho, amarelo, azul e verde avançavam pelos céus. Mesmo durante o dia terrestre, os dedos esfumaçados riscavam o céu enquanto a tempestade alienígena descia.
A jornada deles durou 33 anos, desde que a Mãe do Enxame partiu do último planeta conquistado, seguindo a esmo pelo céu como uma vagem de sementes buscando solo fértil. Trinta quilômetros de comprimento, vinte de largura, a Mãe do Enxame parecia um asteroide acidentado, mas feito totalmente de material orgânico, seu casco grosso e resinoso protegendo o interior vulnerável, as teias de nervos e fibras, a rede vasta de bolsas de biomassa e material genético a partir do qual a Mãe do Enxame construía seus servos. Por dentro, o Enxame existia em estagnação, pouco vivo, pouco consciente da existência de qualquer coisa fora de si mesmo. Era apenas quando se aproximava do Sol que o Enxame começava a acordar.
Um ano após a Mãe do Enxame cruzar a órbita de Netuno, detectou emissões de rádio caóticas da Terra na qual foram percebidos padrões reconhecidos pelas memórias implantadas dentro de seu DNA ancestral. Existia vida inteligente ali.
A Mãe do Enxame, à medida que tinha uma preferência, considerava as conquistas sem derramamento de sangue as mais convenientes. Um alvo sem vida inteligente cairia em repetidas invasões dos predadores do Enxame superior, então o material genético e a biomassa capturados eram usados para construir uma nova geração de mães do Enxame. Porém, espécies inteligentes eram conhecidas por proteger seus planetas contra ataques. Essa contingência precisava ser enfrentada.
A maneira mais eficiente de conquistar um inimigo era por meio de microvidas. Dispersão de um vírus sob medida poderia destruir qualquer coisa que respirasse. Mas a Mãe do Enxame não podia controlar um vírus da forma que controlava espécies maiores. E os vírus tinham o hábito irritante de transformar-se em coisas venenosas para seus hospedeiros. A Mãe do Enxame, com trinta quilômetros de comprimento e cheia de biomassa e DNA mutagênico adaptado, era muito vulnerável a ataques biológicos para correr o risco de criar prole que poderia devorar sua mãe. Outra abordagem era necessária.
Aos poucos, nos 11 anos seguintes, a Mãe do Enxame começou a se reestruturar. Pequenos servos idiotas do Enxame — os brotos — adaptavam material genético sob condições cuidadosamente controladas e o inseriam por meio de implante de vírus domado na biomassa que aguardava. Primeiro, uma inteligência monitora era construída, recebendo e registrando as transmissões incompreensíveis da Terra. Então, devagar, uma inteligência racional tomava forma, uma capaz de analisar os dados e agir de acordo com eles. Uma inteligência-mestra, enorme em suas capacidades, mas ainda compreendendo apenas uma fração da radiação padronizada que recebia.
Hora de agir, decidiu a Mãe do Enxame. Como um garoto remexe o formigueiro com um galho, a Mãe do Enxame decidiu remexer a Terra. Os servos do Enxame multiplicaram-se em seu corpo, movimentando material genético, reconstruindo os predadores mais formidáveis que o Enxame mantinha dentro de sua memória. Propulsores de combustível sólido cresciam como raras orquídeas em câmaras especiais construídas para tanto. Vagens resistentes ao espaço eram formadas a partir de resinas rígidas por servos cegos nas profundezas do ventre da Mãe do Enxame. Um terço da biomassa disponível era dedicado a isso, à primeira geração da prole do Enxame.
A primeira geração não era inteligente, mas podia responder de forma geral aos comandos telepáticos da Mãe do Enxame. Idiotas formidáveis, eram programados simplesmente para matar e destruir. Táticas eram plantadas dentro de sua memória genética. Eram colocadas em suas vagens, os propulsores de combustível sólido inflamados, e eram lançadas, como uma invasão de vaga-lumes cintilantes, para a Terra.
Cada broto individual era parte de um ramo, cada qual tinha de 2 a 10 mil brotos. Quatrocentos ramos foram espalhados em diferentes partes da massa terrestre.
A resina ablativa das vagens queimava na atmosfera da Terra, iluminando o céu. Fios se desdobravam de cada vagem, retardando a queda, estabilizando os botes salva-vidas giratórios. Então, logo acima da superfície da Terra, as vagens estouravam, espalhando sua carga.
Os brotos, após sua longa estase, acordavam famintos.
Através do balcão do bar em forma de ferradura, um homem vestido em algum tipo de armadura de batalha complicada estava em pé, pisando no trilho de latão, e abordou uma mulher loira, mascarada e ágil, que, em estranhos momentos de distração, ficava transparente.
— Perdão — disse ele. — Não vi você na fuga do gorila?
— Sua mesa está quase pronta, Modular — disse Hiram Worchester. — Desculpe, mas não sabia que Fortunato convidaria todos os seus amigos.
— Tudo bem, Hiram — o androide disse. — Tá tudo bem. Obrigado. — Ele estava experimentando usar contrações. Não tinha certeza de quando eram adequadas e estava determinado a descobrir.
— Há um punhado de fotógrafos esperando também.
— Deixe que tirem algumas fotos depois de sentarmos, então mande-os embora. Tudo bem?
— Claro — Hiram, o dono do Aces High, sorriu para o androide. — Aliás, sua tática esta tarde foi excelente. Meu plano é deixar a criatura sem peso se ela subir até aqui. Mas ele nunca sobe. O recorde é 72 andares.
— Da próxima vez, Hiram. Tenho certeza de que funcionará.
O dono do restaurante deu um sorriso satisfeito e saiu apressado.
Cyndi estava usando algo azul-celeste que expunha mais do seu esterno e ainda mais de suas costas. Ela olhou para Modular e sorriu.
— Gostei do solidéu.
— Obrigado. Eu mesmo fiz.
Ela olhou para o copo de uísque vazio dele.
— Isso deixa você, sabe, alegrinho de verdade?
O androide observou seu single malt.
— Não. De verdade, não. Eu apenas coloco num reservatório com a comida e faço meus geradores de fluxo transformarem tudo em energia. Mas, de alguma forma… — Seu novo copo de single malt chegou e ele o aceitou com um sorriso. — De alguma forma, sinto-me bem em ficar aqui, colocar meu pé no trilho, e bebê-lo.
— Claro. Sei o que quer dizer.
— E eu consigo sentir o gosto, claro. Não sei o que deve ser um gosto bom ou ruim, então experimento tudo. Estou testando. — Ele segurou o single malt embaixo do nariz, fungou, então experimentou. Os receptores de gosto estalaram. Sentiu o que parecia ser uma explosão menor na cavidade nasal.